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PolíticaHungria

Falas "nazistas" de premiê húngaro provocam repúdio

27 de julho de 2022

Declarações de Viktor Orbán contra "mistura de raças" provocam renúncia de conselheira, que as classificou como "pura retórica nazista". Organizações judaicas criticam chefe de governo conhecido por sua xenofobia.

Viktor Orbán
Ultranacionalista Orbán comanda a Hungria desde 2010. No poder, implementou políticas contra a imigração e entrou em choque com a UEFoto: Getty Images/AFP/A. Kisbenedek

Uma das principais conselheiras do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, anunciou sua demissão na segunda-feira (26/07), em repúdio às declarações do chefe de governo contra a "mistura de raças" na Europa.

Dias antes, o ultradireitista Orbán dissera que os húngaros "não querem se tornar um povo mestiço", acrescentando que países em que europeus e não europeus se misturam "não são mais nações" ou parte do Ocidente, "mas sim do pós-Ocidente", defendendo uma visão de “uma raça húngara sem misturas”.

As falas provocaram repúdio. Inclusive no círculo político de Orbán. Ao apresentar sua renúncia, a conselheira para temas de Inclusão Social Zsuzsa Hegedus condenou a declaração de Orbán: "Não sei como o senhor [Orbán] não percebeu que a declaração é pura retórica nazista digna de Joseph Goebbels", escreveu Hegedus em sua carta de demissão, citando o ministro da Propaganda do ditador Adolf Hitler.

"Depois de tal discurso, que contradiz todos os meus valores básicos, não tive outra escolha: [...] tenho que romper com o senhor", justificou-se a política que integra o círculo de Orbán há duas décadas.

Hegedüs acrescentou que por muito tempo defendeu o primeiro-ministro contra acusações de antissemitismo, mas que seu último discurso é indefensável: "Lamento sinceramente que uma postura tão vergonhosa tenha me forçado a romper nosso relacionamento."

"Imigração é veneno"

Conhecido por suas posições xenófobas, eurocéticas, anti-LGBT e pró-Rússia, Orbán comanda a Hungria ininterruptamente desde 2010. Seu governo é rotineiramente acusado de minar a democracia húngara e a liberdade de imprensa, violações do Estado de direito que já levaram ao congelamento de verbas da União Europeia. Mais recentemente, ele também se aproximou da China e até incentivou a construção de uma universidade financiada por Pequim em Budapeste, a primeira do gênero na Europa.

Apesar de tudo isso, seu governo é aprovado pela maioria dos húngaros e em abril ele derrotou de maneira decisiva a oposição nas últimas eleições legislativas. No entanto o país passa no momento por uma situação econômica delicada, e críticos acusam o ultranacionalista de 59 anos de criar distrações para agitar sua base e esconder os problemas reais do país.

Nos últimos anos, ele chamou imigrantes muçulmanos de "invasores", descreveu a imigração de não europeus como um "veneno", e que "todos os terroristas são imigrantes". Aliado de outras figuras da ultradireita mundial, como o brasileiro Jair Bolsonaro e a francesa Marine Le Pen, Orbán também é um propagador da paranoica teoria conspiratória da "grande substituição" ou "plano de Kalergi", popular entre círculos de direita, que acusam supostas elites mundiais de promover imigração em massa para enfraquecer a população europeia ou branca.

No último sábado, dirigindo-se a uma multidão na região romena da Transilvânia, que abriga uma população considerável de húngaros étnicos, Orbán disse que "existe um mundo em que os povos europeus são misturados com aqueles que chegam de fora da Europa".

"Esse é um mundo de raças mistas. E há o nosso mundo, em que as cidadãos da Europa transitam, trabalham e se movem. [...] É por isso que sempre lutamos: estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar povos mestiços", afirmou o premiê na ocasião.

Orbán ao lado de Bolsonaro. Húngaro cultiva relações com outros membros da ultradireita mundialFoto: Marton Monus/dpa/picture alliance

Repúdio

As declarações de Orbán foram também criticadas pelo Comité Internacional de Auschwitz, fundado por sobreviventes do Holocausto. O vice-presidente da organização, Christoph Heubner, classificou o discurso como "estúpido e perigoso" e que fez lembrar aos sobreviventes do genocídio "os tempos sombrios da sua própria exclusão e perseguição".

Heubner também pediu ao primeiro-ministro austríaco, Karl Nehammer, que vai receber Orbán na quinta-feira em visita oficial, que se manifeste pessoalmente contra a postura de seu homólogo húngaro, em nome da União Europeia: "Temos de "fazer o mundo entender que Orbán não tem futuro na Europa."

Após a repercussão negativa, o porta-voz do governo húngaro, Zoltan Kovacs, tentou minimizar as declarações de Orbán dizendo que fora "mal interpretado" por quem "claramente não entende a diferença entre a mistura de diferentes grupos étnicos, todos originários da esfera cultural judaico-cristã, e a mistura de povos de diferentes civilizações".

Apesar de tudo, Orbán divulgou um comunicado, afirmando que o seu governo tem "tolerância zero com o antissemitismo e o racismo".

"Know-how alemão"

No mesmo discurso de sábado, Orbán também fez uma alusão irônica ao Holocausto e às câmaras de gás usadas pelos nazistas, num comentário sobre o plano da liderança da União Europeia para reduzir a compra de gás russo.

"Não vejo como podem forçar os Estados-membros a fazê-lo, embora haja know-how alemão nesta área, como o passado já demonstrou", disse o premiê, que já foi acusado várias vezes de antissemitismo, especialmente por causa dos ataques que regularmente dirige contra o bilionário e filantropo judeu George Soros.

O ministro das Relações Exteriores da vizinha Romênia, Bogdan Aurescu, classificou os comentários como "inaceitáveis". A liderança da comunidade judaica da Hungria também criticou o discurso: "Existe apenas uma raça neste planeta: o Homo sapiens sapiens", escreveu o rabino-chefe da Hungria, Robert Frolich, no Facebook.

Mais de meio milhão de judeus húngaros foram assassinados durante o Holocausto. Atualmente, há apenas cerca de 80 mil judeus remanescentes no país. Orbán também já elogiou o antigo líder húngaro Miklós Horthy (1868-1957), que selou durante a Segunda Guerra Mundial uma aliança com Adolf Hitler. Nos últimos anos, sob a hegemonia do grupo político de Orbán, foram construídos no país vários monumentos em homenagem a Horthy.

jps (AFP, Lusa, dpa, ots)