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Documentários

Soraia Vilela30 de novembro de 2007

Filme de Roberto Berliner é um dos destaques do Festival de Documentários de Amsterdã, numa edição voltada para temáticas relacionadas ao mundo islâmico e com vários filmes que se reconciliam com formatos clássicos.

'Septembers', do espanhol Carles BoschFoto: presse

À primeira vista, a 20ª edição do Festival Internacional de Documentários de Amsterdã, que vai até o próximo domingo (02/11), destaca a presença de projetos crossmedia, que transitam entre a película e o digital e dependem da internet (ou apenas de um celular) e não de uma sala de cinema para serem exibidos. No entanto, dentro das várias mostras competitivas ou não que compõem o festival, tem-se a impressão de que o gênero documentário faz de novo as pazes com formatos mais clássicos, que vivem basicamente de depoimentos.

O contundente Crazy Love (EUA), de Dan Klores, por exemplo, recorre somente à fala de seus protagonistas: um maníaco e sua vítima (que se torna, ao mesmo tempo, sua mulher). E o delicado Stone Silence, dirigido pelo polonês Krzysztof Kopczynski no Afeganistão, investiga, através de depoimentos vários, o caso de uma mulher apedrejada e morta no país, sob acusação de adultério.

Irã e Paquistão

Temáticas centradas direta ou indiretamente no mundo islâmico estiveram presentes em todas as mostras do festival. Entre vários outros, Mohammad Farokhmanesh retrata em Empire of Evil o cotidiano “comum” de mulheres iranianas, enquanto Dinner with the president, mostra como a diretora paquistanesa Sabiha Sumar discute com Musharraf, presidente do país, as dificuldades de se instaurar uma democracia sob seu governo. Além disso, a retrospectiva deste ano foi dedicada à obra de Maziar Bahari, cujo trabalho e palestras durante o festival abordaram questões ligadas à censura e ao cerceamento da liberdade no Irã.

Medo da velhice

'Clarita', da brasileira Thereza JessourounFoto: presse

Outra temática recorrente em alguns longas selecionados para o festival é o envelhecimento da população, um filão que reflete uma das preocupações atuais do Velho Continente. Um dos documentários presentes que tratam do assunto é Clarita, da brasileira Thereza Jessouroun – um portrait delicado da mãe da cineasta, acometida por Alzheimer, que resulta numa discussão não apenas sobre a doença em si, mas sobre a fragilidade, a dor e a morte.

Também Mientras Esperamos, da sueca radicada em El Salvador Malin Nicander, tematiza o destino dos moradores de um abrigo de idosos no país latino-americano, a partir da perspectiva da narradora Elba, que perdeu a voz devido a uma enfermidade, mas descreve o dia-a-dia na instituição ao escrever regularmente suas observações e memórias.

Em busca da ficção

Entre longas menos digeríveis como Diary Film – I was 12 in ’56, que recontrói o diário de um menino de 12 anos na Budapeste dos anos 1950, e documentários que flertam com a ficção e têm apelo popular garantido como Septembers, do espanhol Carles Bosch (um dos nomeados para o prêmio Joris Ivens), o leque é enorme.

Enquanto o primeiro inclui imagens de arquivo, animação gráfica e som em off para refazer a atmosfera de um período político extremamente tenso da Hungria, filtrado pelos olhos de uma criança, o segundo quase chega a ser entretenimento puro, ao documentar o "festival da canção" organizado para os detentos de penitenciárias espanholas.

'Diary Film - I Was 12 in '56', dos húngaros Boglárka Edvy e Sándor SillóFoto: presse

Os participantes do concurso se reúnem uma vez por ano – em setembro – e dedicam músicas que interepretam a seus namorados ou amantes. Diante de personagens exemplarmente maquiados e movimentos de câmera "perfeitos", o espectador acaba por se perguntar o quanto de ficção esta realidade vista na tela contém.

Acerto de contas

Na lista dos filmes cuja temática foge do mainstream está o sincero acerto de contas do cineasta uruguaio Mario Handler consigo mesmo e com os anos de ditadura por que passou seu país. Nos 82 minutos de Decile a Mario que no vuelva, o diretor mostra as cicatrizes deixadas pela ditadura naqueles que não saíram do país e explicita como os antigos torturadores ainda defendem as práticas do passado (aprendidas, entre outros, nos serviços de inteligência alemães). Last but not least, Handler questiona de forma honesta (no que supõe ser seu último filme) o porquê de sua própria ausência de 25 anos do país.

Roberto Berliner e os sete anões

'Pindorama. A verdadeira história dos sete anões', de Roberto BerlinerFoto: presse

Dentro da mostra não competitiva Reflecting Images, o carioca Roberto Berliner volta suas lentes mais uma vez para um grupo de outsiders. Depois das três cegas da Paraíba em A Pessoa é para o que Nasce, Berliner traz às telas Pindorama. A verdadeira história dos sete anões (prêmio do público na última mostra de São Paulo), co-dirigido por Leo Crivelare e Lula Queiroga.

O fime, da mesma forma que o longa anterior do diretor, reabre a discussão sobre a proximidade de um documentarista com seus “personagens” e sobre os limites de exposição a que estes estão submetidos.

Triagem: em nome do silêncio

Tradicional na abordagem – por ser um "simples" portrait de um defensor dos direitos humanos – e convencional no formato, um dos filmes mais contundentes em Amsterdã este ano foi, contudo, Triage: The Dilemma of Dr. James Orbinski.

'Triage: The Dilemma of Dr. James Orbinski', do canadense Patrick ReedFoto: presse

A biografia do presidente da organização Médicos Sem Fronteiras é contada através das lentes do canadense Patrick Reed. O filme documenta uma série de catástrofes humanitárias e os esforços de Orbinski em convencer os governos ocidentais da responsabilidade destes frente aos conflitos nos países africanos. Ao acompanhar seu protagonista em passagens pela Somália, Ruanda e Congo, o documentário deixa claro o quanto a comunidade internacional é omissa frente a genocídios, migrações forçadas e miséria.

Entre amargos memoriais com cadáveres empilhados e crianças morrendo de inanição, Orbinski reflete sobre o que mais o impressionou nos anos de trabalho em meio à violência, guerras civis e à completa falta de recursos: o silêncio das vítimas. Silêncio esse que torna impossível para o espectador sair do cinema da mesma forma que entrou.

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