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"Ficamos duas semanas sem sair do bunker da Azovstal"

Alexander Savitsky
18 de maio de 2022

À DW, mulher que se refugiou na siderúrgica em Mariupol, na Ucrânia, fala sobre os dois meses que passou na usina, sem medicamentos, enfrentando escassez de alimentos e sob intensos bombardeios russos.

Prédios de usina em ruínas
Último foco de resistência Ucraniana em Mariupol, usina foi alvo de constantes bombardeios russosFoto: Alexander Ermochenko/REUTERS

Lydia foi resgatada da siderúrgica Azovstal, após dois meses de constantes bombardeios pelas tropas russas. Ela não quer revelar seu paradeiro atual ou seu nome verdadeiro temendo pela segurança de seus pais, que ainda estão em Mariupol.

Nos primeiros dias após chegar a um lugar seguro na Ucrânia, ela disse estar desorientada, assustada e atordoada. Somente uma semana depois é que ela afirmou estar em condições de dar entrevista à DW.

Seu rosto tem aparência cansada e pálida. O medo constante refletido no olhar só desaparece quando Lydia conta como foi recebida no destino final da caravana que a retirou da fábrica, que foi o último foco da resistência em Mariupol.

DW: Como a senhora entrou na Azovstal e por quanto tempo esteve lá?

Lydia: Eu trabalhava nessa fábrica e sabia que ela tinha abrigos antiaéreos especialmente equipados. Em 6 de março, quando o bombardeio da cidade se tornou insuportável, meu marido e eu decidimos nos refugiar em um dos porões da fábrica. Eu sabia que era mais seguro por lá. Pensamos que ficaríamos apenas alguns dias, mas acabaram sendo dois meses.

Quantas pessoas se refugiaram lá dos bombardeios?

É difícil dizer, nas últimas semanas ninguém contava mais. No começo, éramos cerca de 30, mas era um vai e vem. A certa altura, achamos que éramos 47, mas o número mudava muito. Antes da retirada, ninguém conseguiu mais contar quantas pessoas eram.

De acordo com as autoridades ucranianas, a Azovstal era constantemente bombardeada. Era possível deixar o bunker por um curto período de tempo?

No início, conseguimos ficar mais tempo ao ar livre, mas à medida que o bombardeio aumentava, saímos apenas para cozinhar ao redor da fogueira. No final, ficávamos apenas no subsolo. Há túneis no local, onde cozinhamos. A partir de 20 de abril, não saíamos mais de jeito nenhum. Não saímos durante duas semanas.

De onde vocês conseguiam comida?

Havia suprimentos no bunker que a administração já havia depositado especialmente. Mas não era muito – dava apenas para alguns dias. Esses bunkers foram construídos na década de 1960, quando ninguém pensava que as pessoas ficariam lá por muito tempo. Havia conservas, água, biscoitos e carne enlatada. Nós a esticávamos o quanto dava e fazíamos sopas. No início, as pessoas que vinham de fora traziam comida, cobertores e agasalhos. Mas nem todos compartilhavam a comida. Alguns comiam debaixo das cobertas. As pessoas são diferentes.

Civis resgatados da Azovstal esperam para serem levados a campo de refugiados, em 6 de maioFoto: Leon Klein/AA/picture alliance

Que tipo de ajuda os militares ucranianos davam às pessoas que estavam lá? A propaganda russa afirma que eles mantiveram as pessoas lá à força.

Não, meu marido e eu saímos do bunker várias vezes e voltamos quando pudemos. Mas quando os ataques aéreos pesados começaram, tivemos que ficar no bunker. Às vezes, os militares vinham e traziam doces para as crianças. Eles nos diziam que é claro que poderíamos sair, mas ao mesmo tempo avisaram sobre os bombardeios maciços.

Havia algum doente ou ferido entre as pessoas no abrigo antiaéreo em que você estava? Alguém podia ajudá-lo?

Não havia feridos. Mas havia pessoas que precisavam de ajuda médica. Eu mesmo precisava. Tenho uma doença no sangue e preciso de injeções todos os dias, mas ninguém podia me dar. Havia também pessoas que precisavam de insulina todos os dias e também não recebiam nenhuma injeção. Um homem tinha tanta dor no braço que precisava de analgésicos, que não estavam disponíveis. Ele gritava a noite toda.

A senhora conhece pessoas que foram voluntariamente para Donetsk, ocupada pelos russos? Durante a retirada a senhora sabia para onde seria levada?

Nós não sabíamos de nada. Nossos soldados vieram até nós e disseram que tínhamos cinco minutos para fazer as malas e sair. Quem estava com a mochila arrumada se levantou e foi embora. Não sei quem foi para Donetsk ou para Rússia. Quando fomos recebidos do lado de fora por funcionários da ONU e da Cruz Vermelha, eles nos disseram que estávamos seguros, que ninguém atiraria. Na triagem, podíamos então escolher para onde queríamos ir.

Onde exatamente ocorreu a triagem?

Não sei. Era um lugar onde eu nunca estive antes.

Nesta semana, soldados que estavam na Azovstal também foram retirados da usinaFoto: Alexander Ermochenko/REUTERS

O que acontecia durante a triagem?

(Longo silêncio, Lydia abaixa a cabeça e fecha os olhos) Eu não vou falar sobre isso.

Quanto tempo demorou a viagem da Azovstal até ao local onde vocês foram acolhidos?

Não sei. Eu não sei nem dizer aproximadamente. Fomos levados da Azovstal à noite, depois partimos e à meia-noite estávamos na triagem. Depois disso, seguimos viagem por um longo tempo.

Quem recebeu a senhora no destino? A senhora conseguiu ajuda?

Fomos muito bem recebidos. Recebemos roupas e sapatos novos e pudemos nos lavar. As pessoas vinham até nós trazendo mantimentos, produtos de higiene pessoal e outras coisas o tempo todo. Não tivemos absolutamente nenhum problema. Fomos acomodados em um quarto separado, onde dá para ficar e dormir confortavelmente.

A senhora tem acomodação agora? A senhora quer ir para um outro lugar?

Não sei ainda. Eu ainda não entendo completamente o que está acontecendo. Primeiro quero descansar. Isso é tudo.

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