Fidel Castro diz não confiar nos EUA, mas apoiar aproximação
27 de janeiro de 2015
Em carta enviada a estudantes, ex-líder cubano afirma que não acredita na política de Washington, mas não rejeita solução pacífica para conflitos. "Sempre vamos defender a cooperação e a amizade com todos os povos."
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Em meio a rumores sobre seu real estado de saúde, o ex-líder cubano Fidel Castro, de 88 anos, quebrou o silêncio e se pronunciou pela primeira vez sobre a decisão de Cuba de restaurar os laços diplomáticos com os Estados Unidos, numa carta divulgada nesta segunda-feira (26/01).
"Não confio na política dos Estados Unidos nem troquei qualquer palavra com eles, mas isso não significa uma rejeição de uma solução pacífica para os conflitos ou perigos de guerra", afirmou Castro na carta enviada para um grupo de estudantes da Universidade de Havana e lida na televisão estatal.
A mensagem foi enviada poucos dias após o fim da primeira rodada de negociações para estabelecer as bases para a reaproximação diplomática entre os dois países, anunciada no último dia 17 de dezembro.
Na carta, apesar de expor sua desconfiança, Castro apoiou a medida histórica de seu sucessor na Presidência, o irmão Raul Castro. "O presidente de Cuba deu passos pertinentes de acordo com suas prerrogativas e poderes que lhe concedem a Assembleia Nacional e o Partido Comunista de Cuba", escreveu.
"Sempre vamos defender a cooperação e a amizade com todos os povos do mundo, incluindo nossos adversários políticos", afirmou o ex-líder cubano. "Qualquer solução pacífica e negociada para os problemas entre os Estados Unidos e os povos, ou qualquer povo da América Latina, que não implique o uso da força deverá ser tratada de acordo com os princípios e normas internacionais."
Na carta, Castro também escreveu sobre os tempos em que ingressou na Universidade de Havana, há 70 anos, e lembrou a influência que Karl Marx e Lênin exerceram sobre ele. A mensagem do ex-presidente foi lida numa cerimônia realizada na Aula Magna da instituição.
Castro não aparece em público há mais de um ano. Depois de quase três meses de silêncio e com a crescente onda de boatos de que estaria morto, há duas semanas o ex-líder cubano enviou uma carta ao jogador de futebol Diego Maradona. A mensagem foi lida na rede de televisão estatal da Venezuela.
EUA e Cuba: crônica da rivalidade
Desde a Revolução Cubana, em 1959, Cuba e os Estados Unidos estão em disputa, que já envolveu mercenários, bloqueios navais, sanções econômicas, criminosos e carros de boi.
Foto: picture-alliance/dpa
Bordel dos EUA
Antes da revolução, Cuba era, para muitos americanos, sinônimo de jogos de azar, casas noturnas e outros tipos de entretenimento – como um jantar no Havana Yacht Club (foto). "Cuba era o bordel dos EUA", definiu mais tarde o cientista político americano Karl E. Meyer. Para a população, a ditadura de Fulgencio Batista, no entanto, significava principalmente estagnação, desemprego e pobreza.
Para derrubar o regime já falido, Fidel Castro precisa de apenas um exército de guerrilha de algumas centenas de homens. Em 1° de janeiro de 1959, Batista foge de Cuba, e os rebeldes tomam Havana. Os EUA impõem sanções imediatamente, que vão sendo intensificadas nos anos seguintes. A liderança cubana, então, recorre à União Soviética.
Foto: picture-alliance/dpa
Fiasco na Baía dos Porcos
Uma tropa mercenária de cubanos exilados tentou derrubar o regime em 1961, com ajuda da CIA. A operação foi um fiasco. O Exército Revolucionário Cubano acaba com a invasão na Baía dos Porcos dentro de três dias, afirmando ter feito mais de mil prisioneiros.
Foto: AFP/Getty Images/M. Vinas
À beira de uma guerra nuclear
Devido ao relacionamento abalado entre EUA e Cuba, a União Soviética, passa, de repente, a dispor de uma base localizada a apenas cerca de 150 quilômetros dos Estados Unidos. O Kremlin quer estacionar mísseis na ilha. E, em 1962, a crise cubana deixa o mundo à beira de uma guerra nuclear. Com um bloqueio naval, os Estados Unidos impedem o transporte dos mísseis.
Foto: picture-alliance/dpa
Saúde e educação exemplares
A União Soviética não poupa esforços. Por décadas, Cuba é fortemente subsidiada, recebendo, entre outras coisas, petróleo bruto, que é reexportado pela ilha para obtenção de divisas. Cuba consegue, assim, construir sistemas de saúde e de educação exemplares.
Foto: picture-alliance/dpa
O êxodo dos marielitos
Em 1980, Fidel Castro permite que emigrantes deixem o país a partir do Porto de Mariel, com destino aos Estados Unidos. Cerca de 125 mil cubanos chegam à Flórida. Entre eles, estão alguns que haviam sido libertados pela administração cubana de prisões e hospitais psiquiátricos. A taxa de criminalidade em Miami aumenta drasticamente.
Foto: picture-alliance/Zuma Press/T. Chapman
Dependência açucarada
Por décadas, o embargo dos EUA limita a economia cubana de forma maciça. Além disso, não ocorre diversificação alguma. A cana-de-açúcar permanece sendo, mesmo após a revolução, o principal produto de exportação da ilha. Cuba continua totalmente dependente da assistência da União Soviética, algo que fica bastante claro a partir de 1990.
Foto: AFP/Getty Images/N. Barroso
"Período especial em tempo de paz"
Com o colapso da União Soviética, vem a quebra da economia cubana. Tudo passa a faltar. Fidel Castro declara a época de choque da economia cubana, a partir de 1990, como o "Período Especial em Tempos de Paz". Na ausência de combustível e peças de reposição, bois passam a ser usados como meio de transporte. Desde o final da década de 1990, a Venezuela fornece petróleo a preço baixo ao país.
Foto: AFP/Getty Images/A. Roque
O vai e vem das sanções
Desde 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas apela todos os anos para que os EUA acabem com sua política de embargo. Os EUA apertam e desapertam os parafusos das retaliações de tempos em tempos. Assim, as regulamentações do bloqueio ficam mais rigorosas em 1996 e mais relaxadas em 1999. Em 2004, o presidente George W. Bush endurece as sanções.
Foto: Getty Images/J. Raedle
Um novo capítulo se inicia
Após a libertação do prisioneiro americano Alan Gross e de três agentes cubanos presos nos EUA desde 1998, Raúl Castro e Barack Obama surpreendem o mundo ao anunciar, no dia 17 de dezembro de 2014, que normalizarão as relações diplomáticas entre os dois países e reabrirão suas embaixadas. Obama amplia as exceções ao embargo econômico e comercial sobre a ilha.
Pouco mais de seis meses após o anúncio da retomada das relações diplomáticas, Obama anuncia em 1º de julho de 2015 a reabertura das embaixadas dos EUA e de Cuba em Havana e Washington dentro de alguns dias. Desde dezembro de 2014, passos tomados para a reaproximação incluem a retirada de Cuba da lista de países que financiam o terrorismo e a libertação de presos políticos pelo governo cubano.