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Fifa, Rússia, Catar e o faz de conta no mundo do futebol

Gerd Wenzel
Gerd Wenzel
5 de abril de 2022

Em congresso em Doha, presidente da Fifa evitou falar em guerra na Ucrânia e afirmou que o Catar, denunciado por violações de direitos humanos, fará "a melhor Copa de todos os tempos". Parece um mundo de faz de conta.

O presidente da Fifa, Gianni Infantino, durante sorteio dos grupos da Copa no CatarFoto: Christian Charisius/dpa/picture alliance

O congresso da Fifa realizado em Doha no último fim de semana foi um espetáculo explícito de hipocrisia levado ao cubo, que beira o teatro do absurdo. O seu poderoso chefão Infantino fez cara de paisagem para a Rússia e enalteceu sobremaneira o Catar, organizador da Copa que "será uma benção para o mundo".

Para quem acompanha de perto as maquinações dos donos do futebol, nenhuma surpresa. Por mais de uma década a parceria com o regime de Putin rendeu bilionários dividendos à Fifa, seja através da Gazprom, por muitos anos a principal patrocinadora da Fifa, seja através da Copa do Mundo realizada em 2018 na Rússia.

Durante seu falacioso discurso para enganar os incautos, Infantino evitou usar a palavra guerra para se referir ao que ocorre na Ucrânia – eufemisticamente chamando-a de conflito para não desagradar à delegação russa presente no evento. Guerra essa que está deixando cidades em ruínas, centenas de civis mortos e milhões de refugiados. Infantino minimizou a guerra na Ucrânia e em seguida louvou o Catar, que, em suas palavras, "vai fazer a melhor Copa do Mundo de todos os tempos".

Rússia e Catar são parceiros desde 2010, quando foram escolhidos para sediar as copas de 2018 e 2022 num processo marcado por corrupção sistemática dos membros do Comitê Executivo da Fifa. Basta lembrar que dos 24 membros desse Comitê que deram a vitória à Rússia e ao Catar, sobraram apenas dois que não foram responsabilizados pela Justiça. 

Violações de direitos humanos

Nesta semana, as ONGs Human Rights Watch e Anistia Internacional mais uma vez denunciaram o Catar por não cumprir, apesar de reiteradas promessas, a mais elementar observância de direitos humanos nem respeitar minimamente a diversidade, sem contar que pelo menos 6 mil trabalhadores estrangeiros teriam morrido sob condições análogas à escravidão desde que o Catar foi escolhido para sediar a Copa deste ano, muitos deles envolvidos na construção dos mais luxuosos estádios já erguidos para um Mundial.

Michael Page, diretor da Human Rights Watch, é enfático: "A Fifa escolheu o Catar para sediar a Copa do Mundo, portanto também tem responsabilidade pelo sofrimento imposto aos migrantes e suas famílias. Em vez de pressionar as autoridades do Catar para intervirem, encobriu a complacência e a escandalosa omissão dos autocratas que governam o país."

O poderoso chefão evita a todo custo um debate sobre essa questão dos migrantes. Pelo contrário, Infantino desanda a elogiar o suposto progresso na questão dos direitos humanos e chamou o representante do governo local de "irmão". É compreensível. Afinal, quem celebra contratos bilionários que vão abarrotar os cofres da Fifa em Zurique está acima de qualquer suspeita.  

A única voz dissonante neste congresso de homens que dirigem o futebol mundial veio de uma mulher. Lise Klaveness, presidente da Federação Norueguesa, no seu discurso denunciou com todas as letras a situação dos direitos humanos no Catar, além de não  hesitar em chamar pelo nome o banho de sangue que ocorre na Ucrânia: "Trata-se de uma guerra brutal."

É sintomático que seu discurso tenha recebido apenas algumas palmas protocolares, e logo em seguida tenha havido a seguinte réplica do presidente da Federação de Honduras: "Aqui não devemos falar sobre política, mas apenas sobre futebol."

"The show must go on"

Deve ser porque o mundo do futebol – essa bolha glamourosa dentro da qual vivem dirigentes, jogadores, treinadores, agentes e intermediários acumulando riquezas inimagináveis para um simples mortal – é um mundo à parte, alienado da realidade cotidiana da avassaladora maioria das pessoas, cujas vidas se resumem a uma dura luta diária pela sobrevivência.

O mundo do futebol se assemelha a um mundo de faz de conta onde tudo está bem.

Tem guerras? São apenas conflitos! Tem trabalho análogo à escravidão? Não vimos nenhum escravo! Tem discriminação? Faz parte da cultura local! Tem corrupção? Está tudo dominado! Tem desigualdade? É porque as pessoas não se esforçam! É um governo autocrático? Não falemos de política, porque o nosso negócio é futebol e the show must go on.

O Catar agradece pela parte que lhe toca no gigantesco bolão da Fifa.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras. 

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Halbzeit

Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Na coluna Halbzeit, ele comenta os desafios, conquistas e novidades do futebol alemão.