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Filósofos refletem sobre dualidade Ocidente x Oriente

Simone de Mello10 de março de 2006

O debate desencadeado pela publicação de caricaturas de Maomé na imprensa dinamarquesa promete continuar na Europa, tendo chegado agora aos filósofos.

Dogmáticos e obscurantistas: islamistas vistos como antípodas do pensamento ocidentalFoto: AP

Há quem queira simplificar o debate provocado pelas caricaturas de Maomé publicadas na Dinamarca como "choque de culturas": ocidentais defensores da liberdade de expressão e de imprensa versus orientais muçulmanos indignados com o desrespeito à sua religião.

Um grupo de intelectuais e escritores exacerbou recentemente a dualidade entre Oriente islâmico e Ocidente cristão, convocando "uma luta por valores universais" e contra "uma nova ameaça global de caráter totalitário: o islamismo". No "Manifesto dos Doze", publicado em 1º de março no jornal humorístico francês Charlie Hebdo, os assinantes ressalvam que não se trata de "uma luta a ser vencida pelas armas, mas sim no terreno das idéias".

Frente das idéias

Salman RushdieFoto: AP

No terreno das idéias, a polêmica também se configura como um campo de batalha, sempre com duas frentes. A afirmação de um pretenso combate entre Oriente e Ocidente vem sendo substituída por um número crescente de dualidades. Os "doze" autores do manifesto, entre os quais o escritor indiano naturalizado britânico Salman Rushdie, propõem outros antagonismos, como "luz contra obscurantismo", "democratas contra teocratas".

Os filósofos, que começam a interferir só agora na polêmica, também não escapam a este pensamento dualista, independentemente da postura que assumam. Num debate realizado em Berlim esta semana, o canadense Charles Taylor ressaltou novamente o dilema entre liberdade de imprensa e respeito aos sentimentos religiosos.

Para ele, o desafio seria "criar um código informal para lidar com as sensibilidades de minorias religiosas": "A liberdade de opinião termina onde começa o pensamento em bloco, o tratamento generalizante do islamismo, cristianismo e do Ocidente como um todo. Se o enquadrarmos num pensamento em bloco, eles farão o mesmo conosco. A luta de culturas torna-se uma self-fulfilling prophecy".

Fato versus

O filósofo francês André Glucksman também se pronunciou esta semana no Le Monde, a fim de ressaltar a diferença evidente que existe entre ironizar Maomé e negar o Holocausto: "A realidade dos campos da morte pode ser comprovada, mas não se pode dizer o mesmo da santidade dos profetas, que depende da convicção dos fiéis".

Reagindo às manifestações anti-semitas acirradas no mundo árabe pela polêmica das caricaturas e à acusação islamita de que o Ocidente estaria praticando uma "religião da Shoah", Glucksman remete a uma constante que singulariza o pensamento ocidental, ou seja, a distinção entre fato e fé, entre ato informativo e performativo. "Nosso planeta não se encontra num choque de civilizações ou de culturas, mas se tornou campo de uma batalha decisiva entre dois métodos de pensamento", afirma o filósofo.

Glucksman se explica: "Há aqueles que decretam que não existem mais fatos, mas somente interpretações que não passam de atos de fé. Estes tendem para o fanatismo ("eu sou a verdade") ou para o niilismo ("nada é verdadeiro, nada é falso"). Por outro lado, há aqueles para os quais a livre discussão capaz de separar o falso do verdadeiro faz sentido. Pensamento totalitário não suporta contestação. Dogmático, ele afirma gesticulando com o pequeno livro vermelho, negro ou verde. Obscurantista, fusiona política e religião. O pensamento antitotalitário, por sua vez, toma fato por fato e reconhece até os fatos mais abomináveis."

Ameaça do excesso de comunicação

Peter SloterdijkFoto: dpa

Num artigo publicado esta semana pela revista Focus, o filósofo alemão Peter Sloterdijk oferece outras chaves para compreender o atual conflito entre sociedades ocidentais e islâmicas.

Ele se remete ao descompasso criado pela globalização tecnológica e pela conseqüente suspensão dos limites espaciais através do rápido fluxo de informações: "Os mapas desta esfera não coincidem de forma alguma com os mapas geográficos, até agora nossos principais meios de orientação para reconhecer relações entre campos de força no planeta".

Para Sloterdijk, mais comunicação significa sobretudo mais conflito. "Na era telecomunicativa, é possível ofender a grandes distâncias. Quando usadas de forma insensata, as mídias modernas passam a transportar o ódio à distância", ressalta o filósofo. Ao contrário de vozes que defendem o "diálogo cultural", ele denuncia o excesso crônico de comunicação.

Contradizendo os intelectuais que apelam por uma autocrítica ocidental, Sloterdijk considera um equívoco achar que o potencial de auto-entrega dos crentes muçulmanos deve advertir os ocidentais daquilo que lhes falta. Autocrítica interna, sim, mas não como postura em relação à outra cultura. O filósofo resolve, por fim, o dilema entre Europa e Oriente muçulmano defendendo uma europeização do islamismo.

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