Filhos de soldados aliados na Alemanha buscam identidade
David Crossland (av)28 de abril de 2015
Durante a divisão do país em quatro zonas, centenas de milhares de crianças ilegítimas foram geradas. Após uma vida de discriminação e rejeição, muitas procuram, 70 anos após o fim da guerra, seus verdadeiros pais.
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Ute Baur-Timmerbrink, de 68 anos, nunca encontrou o verdadeiro pai. Ele era um oficial do Exército dos Estados Unidos, que teve um caso amoroso com a mãe dela, então casada, durante alguns meses após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Sua mãe nunca lhe disse que ela era ilegítima, nem seu padrasto, um soldado alemão que retornou em 1948 de um campo de prisioneiros para encontrar em casa uma criança estranha de quase dois anos. Embora desde cedo suspeitasse de algo, Ute já passava dos 50 anos de idade quando soube da verdade.
"Meu padrasto não gostava que eu chegasse perto demais dele, coisa que eu, como criança, não conseguia entender. E meus pais discutiam muito. Com o tempo, ele acabou me aceitando e se tornou um pai dedicado. Mas eu sentia que, de algum jeito, eu estava fora de lugar, que as coisas eram diferentes de outras famílias."
Sua família se mudou da Alta Áustria para a Renânia do Norte-Vestfália, no oeste da Alemanha.
"Minha mãe devia ser ainda apegada ao antigo amor dela. Muitas vezes, divagava sobre a época maravilhosa que tivera na Áustria, quando trabalhava para os americanos. Durante as discussões, eu escutava frequentemente o meu pai dizer: 'O que é que você fez na Áustria?' Eu nunca entendi do que é que ele estava falando."
Quatro forças ocupadoras
Baur-Timmerbrink é uma entre centenas de milhares de besatzungskinder (crianças da ocupação), geradas pelos soldados das Forças Aliadas que ocuparam a Alemanha depois da guerra. As estimativas mais cautelosas falam de 200 mil crianças, além de dezenas de milhares na Áustria.
Após a derrota na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi dividida em quatro zonas de ocupação, com os americanos no sul, os ingleses no norte, os franceses no sudoeste e os soviéticos no leste. Berlim foi dividida em quatro setores.
A interdição inicial de confraternização entre militares e civis foi contornada ou, em alguns casos, suspensa. Entre os ocupadores, os americanos eram especialmente populares por estarem abastecidos com os bens de consumo tão necessários naquele empobrecido país do pós-guerra.
Além disso, tendiam a ser liberais, representavam uma cultura que os alemães terminaram por admirar, e não tinham problemas em recrutar as mulheres locais como secretárias, intérpretes, faxineiras ou costureiras.
"Macacos", "russenkinder"
De certo modo, Ute teve sorte, havendo crescido num lar estável e sido registrada pelo padrasto como se fosse seu pai biológico. Desse modo, foi poupada do estigma que sofriam muitos outros, de serem ilegítimos, filhos do inimigo, até mesmo vistos como fruto de estupro ou prostituição.
"É um fato que os filhos dos soldados aliados foram considerados filhos do inimigo mesmo décadas depois da guerra", observa Baur-Timmerbrink. De acordo com a origem paterna, eram apelidados de "bastardo ianque", "macaco" ou "russenkind" (filho de russo).
Especialmente dura era a infância dos descendentes dos soldados afro-americanos ou das tropas coloniais francesas: a cor da pele os denunciava, e racismo agravava a discriminação a que já estavam sujeitos.
Carga psicológica herdada
Tais conflitos de identidade causam sofrimento até hoje para muitas das crianças de então. Um projeto de pesquisa de 2013 com 146 filhos adultos de aliados revelou serem atormentados por lembranças traumáticas e depressão em grau bem mais pronunciado do que seus coetâneos.
"Algumas feridas, o tempo não sara", afirma a psicóloga Heide Glaesmer, da Universidade de Leipzig, que codirigiu o projeto. Metade dos entrevistados revelou ter tido experiências traumáticas, enquanto a média na mesma faixa etária é de 20%, aproximadamente. A porcentagem dos que sofriam de depressão e outros distúrbios chegava a quase 14%, contra uma média de pouco menos de 5%.
O fato de serem estigmatizados acompanhava circunstâncias de vida geralmente difíceis. Muitos cresceram em relativa pobreza, em orfanatos, ou mudando frequentemente de tutores, sendo discriminados dentro das próprias famílias.
As besatzungskinder dos soviéticos pagavam adicionalmente pelo ressentimento da população alemã devido aos estupros em massa e saques perpetrados por membros do Exército da URSS. Além disso, a propaganda nazista, que apresentava os russos como sub-humanos, ainda estava impregnada em muitas mentes, explica a psicóloga.
Revelação dramática
Setenta anos após terminada a guerra, os antigos besatzungskinder são senhoras e senhores aposentados. Contudo, apesar da distância temporal, boa parte se sente pressionada pelo desejo de encontrar suas verdadeiras famílias.
"Muitos só começam a procurar depois que suas mães morrem ou estão muito idosas, por não quererem quebrar tabus ou causar conflitos familiares", conta Glaesmer.
Há ainda outras razões: "Seus próprios filhos cresceram, suas carreiras vão chegando ao fim, e eles dispõem de tempo e energia para ir ao encontro da própria biografia."
Foi isso o que fez Ute Baur-Timmerbrink. Seus genitores morreram em 1974 e 1981, levando o segredo para o túmulo, porém as dúvidas a continuavam afligindo. Então, em 1998, no seu 52º aniversário, numa emotiva conversa com uma amiga cuja mãe conhecera a sua, ela ficou sabendo que seu pai biológico era um soldado americano.
Contato evasivo
Suas buscas começaram na embaixada dos EUA, passando pelo National Personnel Records Center em Saint Louis, Missouri, e por seu local de nascença. "O momento revelador foi quando procurei na cidade em que meu pai havia estado estacionado. Alguém me mostrou fotos de um homem que se parecia comigo e com um dos meus filhos."
Quando a organização britânica GI Trace comparou a evidência fotográfica, a semelhança se mostrou inegável. Três anos depois, Baur-Timmerbrink havia achado James G., seu verdadeiro pai. Casado quando conhecera sua mãe, ele fora primeiro tenente da administração militar e veterano da campanha Aliada para conquistar a Itália.
"Eu nunca o encontrei, mas lhe escrevi duas cartas. Da primeira vez, ele mandou uma resposta simpática. Ele tinha 86 anos." Na segunda, um ano depois, foi evasivo, negando ter conhecido sua mãe, e a aconselhou a não interferir em questões de família.
"Ele morreu pouco depois. Acho que simplesmente não queria ser confrontado com a questão nessa idade, e estava muito doente. Ele não teve outros filhos, então não havia irmãos para eu contatar."
Nós, filhos da ocupação
Desde então, Ute Baur-Timmerbrink dedica a vida a ajudar outras besatzungskinder a encontrar os pais, em trabalho honorário para a GI Trace na Alemanha. Até o momento, seus contatos já ajudaram a reunir cerca de 200 famílias.
Em março, ela lançou Wir Besatzungskinder – Töchter und Söhne alliierter Soldaten erzählen ("Nós, crianças da ocupação – Filhas e filhos de soldados aliados relatam", em tradução livre), onde narra suas experiências.
O livro vem atraindo grande atenção da mídia alemã, e provavelmente aumentará a carga de trabalho de Baur-Timmerbrink pela reunião de famílias transatlânticas. Embora seja uma função cansativa, ela não tem qualquer intenção de parar. "Não posso. Não há mais ninguém com os meus contatos e a minha experiência."
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.