Longa resgata últimos anos do autor austríaco no "país do futuro", onde se refugiou do nazismo e acabou se suicidando, em 1942. Em foco, o dilema entre um homem dividido entre a esperança e o desespero.
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É preciso ter sempre cautela ao comparar filmes sobre eventos históricos a acontecimentos contemporâneos: um momento da história nunca é idêntico a outro. Quando, em 2011, a diretora e roteirista Maria Schrader e seu coautor Jan Schomburg consideraram escrever sobre a fase do escritor austríaco Stefan Zweig no exílio, ninguém poderia imaginar que cinco anos mais tarde o tema êxodo e expulsão estariam tão atuais na Europa.
O grau de atualidade espanta a própria cineasta. "Ao ler as descrições de Friderike Zweig [primeira esposa do autor] da fuga – ela como uma entre milhares no cais de Marselha, todos tentando escapar da guerra e da perseguição –, a pessoa vê num outro contexto, maior, os seres humanos que hoje arriscam a vida do outro lado do Mediterrâneo por motivos semelhantes, para cruzar esse mar no sentido inverso."
É "puro acaso e pura sorte se estar morando numa parte do mundo de onde não se precisa fugir", acrescenta Schomburg. Por se ocupar de Zweig, sua visão do assunto se tornou "ao mesmo tempo mais abstrata e mais concreta". "Mais abstrata, porque a gente entende que esses grandes movimentos de migração sempre foram uma trágica parte da história da humanidade. Mais concreta, porque fica possível se identificar de outro modo com os refugiados."
Um autor entre esperança e desespero
Com lançamento na Alemanha nesta quinta-feira (02/06), Vor der Morgenröte ("Antes da aurora", em tradução livre) é o segundo trabalho de direção da também atriz Maria Schrader, após a brilhante adaptação literária Liebesleben (Vida amorosa), de 2007.
Em seis episódios, ela expõe os últimos anos de vida de Zweig no exílio, no Brasil, Argentina e Estados Unidos. E mostra um homem dividido entre a esperança e o desespero, entre a gratidão pelo acolhimento na nova pátria e a constatação de que essa segunda terra nunca será a substituta para a antiga.
"Do nosso ponto de vista, Zweig era alguém que se recusava a ver as coisas de forma bidimensional, e cujo impulso criativo partia sobretudo do entusiasmo por ideias e por pessoas", analisam os roteiristas. A tragédia desse "mestre ultrassensível dos tons de cinza" foi existir numa época "em que só havia preto e branco, em que a diferenciação ficava cada vez mais impossível".
Espírito refinado, mesmo nas horas de desespero mais atroz o autor se negava a fazer tiradas de ódio contra a Alemanha e a Áustria. O filme mostra isso nas cenas em Buenos Aires, durante o grande congresso de "poetas, ensaístas e romancistas" do PEN Club.
Vários participantes instam o convidado de honra a condenar o regime de Hitler de forma inequívoca e rigorosa. A resposta de Stefan Zweig: "Não vou falar contra a Alemanha. Eu nunca falaria contra um país. E não farei nenhuma exceção."
Por outro lado, ele expressou repúdio incondicional pelas circunstâncias do congresso, em especial a cobertura jornalística: "Os jornais te perseguem de manhã à noite, com fotografias e matérias [...] Fico enojado com essa feira das vaidades."
Dois exílios, um só horror
Stefan Zweig se suicidou em Petrópolis, Rio de Janeiro, aos 60 anos, em 23 de fevereiro de 1942, juntamente com a esposa Lotte. A reação inicial de um ilustre colega seu de profissão e exílio, Thomas Mann, foi de censura, vendo no ato "algo como uma deserção do destino de emigrante comum a todos nós, e um triunfo para os dominadores da Alemanha".
Contudo, dez anos mais tarde ele reverá esse ponto de vista, tendo percebido quão arraigado Zweig era em sua terra natal, como toda sua existência dependia dela. Agora Mann compreende não ser tanta vergonha assim "ele não querer e não poder continuar vivendo no mundo cheio de brados de ódio, barreiras hostis e medo brutalizante que hoje nos cerca".
Não há como comparar. E no entanto, tendo-se diante dos olhos a situação dos refugiados na Alemanha – escapados do terrorismo e da guerra civil, eles chegam a um país em que toda semana um alojamento de migrantes é incendiado –, é possível imaginar o horror que vivenciam.
Stefan Zweig foi inicialmente recebido calorosamente no Brasil, sobre o qual escreveu Brasil, país do futuro, sua obra mais controversa. Ali, a sua existência não estava ameaçada, o horror da perda da pátria se encenava na própria mente. Para Maria Schrader, seu protagonista "fugiu da guerra e apesar disso foi assombrado por ela".
Dez clássicos da literatura infanto-juvenil alemã
Emocionantes, reflexivos, engraçados ou didáticos: as crianças e adolescentes da Alemanha têm naturalmente seus livros preferidos. Quem quer entender a alma nacional precisa conhecer pelo menos estes dez.
Foto: Karikaturmuseum Wilhelm Busch
Simpáticos seres fantásticos
Os livros de Michael Ende foram traduzidos em dezenas de idiomas, lidos por milhões e premiados. E não podem faltar em nenhuma estante da Alemanha, onde toda criança conhece "Jim Knopf e Lucas, o maquinista". E as aventuras do jovem Bastian no país Phantásien, que ganharam projeção internacional desde que "A história sem fim" chegou aos cinemas, em 1984.
Foto: picture-alliance/dpa
De bruxas, bandidos e feiticeiros
"Era uma vez uma bruxinha...": ela tem 127 anos e gostaria de praticar boas ações. Assim começa um dos apreciados livros de Otfried Preussler. Já a trama de "O ladrão Catabrum" gira em torno do roubo da moedora de café da avó de Gasparzinho e do malvado feiticeiro Petrosilius Zwackelmann. Depois de encantar gerações, ao completar 50 anos, em 2012, a obra entrou na era digital, ganhando um app.
Foto: Thienemann Verlag
Vamos para o Panamá!
O Urso e o Tigre vivem juntos numa casa, felizes e satisfeitos. Até que, um dia, encontram uma caixa em que está escrito "Panamá". Ela cheira a banana. Ambos põem o pé na estrada para encontrar essa sua terra dos sonhos. Faz sentido? Não, mas as crianças adoram essa lógica de fantasia. E ela é o charme que distingue os livros do autor alemão de origem polonesa Janosch, de 85 anos.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Weihrauch
Monstrinhos de língua presa
Os livros de Max Kruse fervilham de criaturas estranhas: Wutz, Seele-Fant, Wawa, Pinguin Ping e Professor Habakuk Tibatong encontram um ovo gigante. De dentro dele sai... o Urmel. A série de fantoches apresentada na TV também é uma favorita das crianças da Alemanha. Tornando-as ainda mais simpáticas, quase todas as personagens têm alguma falha de dicção: o Urmel, por exemplo, cicia como um dragão.
Foto: picture alliance/dpa/S. Puchner
Hitler e o coelhinho cor-de-rosa
Em "Quando Hitler roubou o coelhinho rosa", Judith Kerr conta a fuga da menina judia Anna, de 9 anos, e de sua família dos nazistas, em 1933. O sensível romance da escritora inglesa nascida dez anos antes, em Berlim, recebeu o Prêmio Alemão de Literatura Juvenil em 1974.
Foto: Ravensburger
Bondade humana
Sem "Emil e os detetives", "Cachos e tranças" e "A sala de aula voadora", nenhuma lista dos clássicos infanto-juvenis alemães estaria completa. Bem humoradas e perspicazes, as obras de Erich Kästner foram traduzidas em mais de cem línguas, e algumas foram também filmadas. Uma frase famosa do autor é: "Não existe nada de bom, a não ser que a pessoa o faça."
Publicadas em 1865, as histórias dos moleques Max e Moritz (Juca e Chico, na tradução de Olavo Bilac) também são um clássico. Seu autor e desenhista Wilhelm Busch é uma espécie de tataravô das histórias em quadrinhos. Porém hoje seus métodos pedagógicos estão um tanto ultrapassados. Como, por exemplo, punir a dupla de travessos moendo-os e dando-os como ração para as galinhas...
Foto: Karikaturmuseum Wilhelm Busch
Os perigos de ser criança
Batizado "João Felpudo" no Brasil, "Struwwelpeter", do médico e psiquiatra Heinrich Hoffmann, é ainda mais antigo, de 1845. E pedagogicamente ainda menos correto: delitos infantis, como falta de higiene, chupar o dedo, hiperatividade ou inapetência são "corrigidos" com humilhações, ferimentos e até mutilações e a morte. Em 1970 foi lançada sua contraparte antiautoritária, o "Anti-Struwwelpeter".
Foto: gemeinfrei
Realidade e ficção se confundem
Em plena "Harry Potter-mania" na Alemanha, Cornelia Funke lançou "Coração de tinta", primeiro volume de sua trilogia do Mundo de Tinta – com milhões vendidos e numerosas distinções. O romance conta as aventuras de Meggie, de 12 anos, que possui o dom de trazer o mundo dos livros para a realidade, ao lê-los em voz alta. A versão filmada foi sucesso de bilheteria.
Humor intraduzível
Cabelos vermelhos, nariz de porquinho, barriga estufada, pintas no rosto: assim é o travesso Sams, figura principal dos livros infantis de Paul Maar. Cheia de jogos de palavras, a série é de difícil tradução, mas várias partes já foram filmadas. O pequeno Sams vive com o senhor Taschenbier, come de tudo e se entende bem com as crianças.