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Filme de Karim Aïnouz critica Brasil conservador e machista

21 de maio de 2019

Exibido em Cannes, longa "A vida invisível de Eurídice Gusmão" narra a história de duas irmãs cariocas cujos sonhos são enterrados pelo peso do patriarcado – da juventude nos anos 1950 à velhice.

Cena de "A vida invisível de Eurídice Gusmão"
Telenovelas da década de 1970 serviram de inspiração para caráter melodramático do filmeFoto: DR

"Dei à luz um menino." "Melhor para ele." Este diálogo entre uma mãe e a vizinha faz parte do drama A vida invisível de Eurídice Gusmão, com o qual o diretor Karim Aïnouz denuncia o patriarcado no Brasil.

Em seu terceiro longa-metragem apresentado no Festival de Cannes, Aïnouz  volta à temática que mais lhe emociona: as mulheres – uma forma de homenagear a mãe, que o criou sozinha, e a avó, que viveu 108 anos e a quem ele dedicou seu primeiro trabalho. Na imprensa brasileira e no próprio site do festival francês, o filme vem sendo classificado como "melodrama tropical". 

Baseado no livro homônimo da brasileira Martha Batalha (Companhia das Letras, 2016), o filme narra a jornada, da adolescência à velhice, de duas irmãs cariocas, cujos sonhos são enterrados pelo peso de uma sociedade machista.

Na década de 1950, Eurídice, de 18 anos, e Guida, 20, irmãs até então inseparáveis, são obrigadas a viver longe uma da outra por causa do pai conservador. Embora o destino lhes reservasse diferentes caminhos, ambas compartilham a frustração de não poder realizar seus sonhos e a dor de estarem separadas.

Eurídice, cuja obsessão é ser pianista, luta por para conseguir uma audiência em um conservatório de música, embora nem o pai nem o marido sejam capazes de entender os motivos pelos quais uma mulher não queira ficar em casa cuidando da família. Para Guida, o infortúnio vem bem cedo, obrigando-a a formar uma família não convencional para época. As protagonistas, Carol Duarte e Julia Stockler, atuam pela primeira vez em um filme.

Após a exibição do filme em Cannes nesta segunda-feira (20/05), na mostra Um Certo Olhar, Aïnouz disse que o livro de Batalha o marcou muito.

"Minha mãe era solteira, e, quando eu era jovem, não me dei conta de o quanto isso era difícil para ela", explicou o diretor brasileiro. "Eu tinha a impressão de que as coisas haviam mudado nos últimos 30 anos para as mulheres, mas, com o que está acontecendo agora politicamente no mundo e no Brasil, vejo que estamos indo para trás", acrescentou o diretor.

Karim Aïnouz classifica seu novo filme de antimachistaFoto: DW/Carlos Albuquerque

Na trama de Aïnouz, uma mãe solteira não pode deixar o país com o filho pequeno, porque a autorização do pai é indispensável. Uma jovem esposa que não tem pressa em ter filhos vive constantemente com medo de ficar grávida. E uma velha mulher fica em silêncio quando o patriarca humilha sua filha.

O filme é uma "denúncia do patriarcado e do mal que ele pode causar", esclarece Aïnouz. Mas, ao mesmo tempo, o diretor quer "evitar apresentar os personagens como vítimas e explorar suas possibilidades de resistência". "É o mais importante no cinema hoje: mostrar que se deve resistir e dar esperança", explica.

Poderoso em sentimentos, o filme reforça visualmente o caráter melodramático com uma grande densidade de cores e uma performance mais característica do teatro. As telenovelas da década de 1970 serviram de inspiração.

"Eu tenho lembranças maravilhosas dessas novelas, dos atores que vinham principalmente do teatro. Porém, até agora, eu tinha certo pudor em retomar esse estilo. É preciso ser muito cuidadoso para não fazer um filme insosso", declarou Aïnouz. 

O diretor, no entanto, afirma ter perdido o medo de deixar os sentimentos aflorarem. "As telenovelas têm força para atingir um grande público, e não é por acaso que são tão populares no Brasil."

O filme conta com a participação especial de Fernanda Montenegro, vivendo Eurídice na idade madura.

Em entrevista ao jornal O Globo, o diretor afirmou que, em geral, sabe-se muito pouco sobre a geração de mulheres que ainda está entre nós e que foi jovem em uma época sem anticoncepcionais ou divórcio. Para chegar ao roteiro final do filme, ele disse ter entrevistado mulheres entre 70 e 90 anos.

"Não fiz um filme feminista, fiz um filme antimachista. E não tratamos só de pessoas que tiveram que se submeter, que poderiam ter sido e não foram, falamos muito também sobre a rede de solidariedade que as mulheres construíam", disse ao O Globo.

LE/afp/ots

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