Hoje com 99 anos, George Leitmann esteve entre os soldados americanos que libertaram a Alemanha do nazismo em 1945. Oitenta anos após o fim da guerra, ele alerta para o risco do retorno do fascismo.
Em abril de 1945, o Exército dos EUA libertou milhares de sobreviventes do Holocausto do campo de concentração de Kaufering, na BavieraFoto: Public Domain/US Holocaust Memorial Museum
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Quando George Leitmann veio à Alemanha pela primeira vez, ele tinha 19 anos. Foi na primavera de 1945, pouco antes do fim da Segunda Guerra mundial na Europa. Em todas as frentes, soldados americanos, soldados britânicos e o Exército Vermelho soviético avançavam para libertar a Europa dos crimes do nazismo sob Adolf Hitler.
Quando Leitmann e seus companheiros do 286º Batalhão de Pioneiros do 6º Exército dos EUA pisaram em solo alemão, a guerra ainda estava em andamento. A situação nos vilarejos do sul da Alemanha era confusa. "A linha de frente era extremamente fluida", recorda. Nos últimos meses da guerra, a Wehrmacht e a organização paramilitar Schutzstaffel (SS) lutavam com todas suas forças para tentar salvar o regime nazista da ruína.
George Leitmann, 99 anos, mora em Berkeley, Califórnia, desde 1956Foto: DW
George vivenciou muitos horrores da guerra. Alguns jamais o abandonaram.
"Chegamos a um subúrbio", lembra ele quase 80 anos depois, "e havia de 15 a 20 crianças. Todas eram meninos. Eles tinham entre 10 e 12 anos." Mortos. Haviam sido enforcados. "Bati na porta mais próxima e perguntei o que havia acontecido." Os moradores lhe contaram que membros da notória Waffen SS alemã estavam por trás da matança. "Eles aparentemente reuniram as crianças locais e deram a cada uma delas uma Panzerfaust [arma antitanque]. E a ordem de atirar na chegada do primeiro tanque americano."
O então soldado americano George Leitmann descansando em um veículo militar em 1945Foto: George Leitmann
Quando os tanques chegaram, porém, as crianças fugiram. "Um dia depois, a SS voltou, reuniu os meninos e os enforcou em árvores. Eles enforcaram suas crianças!" Mais tarde, historiadores documentariam vários outros assassinatos de civis alemães que se recusavam a lutar, cometidos pela Wehrmacht e pela SS, os chamados Crimes da Fase Final.
Ao longo da Segunda Guerra, os alemães assassinaram milhões de pessoas na Alemanha e na Europa – além de matarem suas próprias crianças. "É essa imagem que nunca esqueci: os corpos das crianças balançando ao vento", recorda Leitmann.
Descrença na humanidade
Essas impressões de guerra deixaram marcas duradouras em George Leitmann. "A imagem das crianças foi tão profunda para mim que comecei a duvidar da humanidade. Talvez o que mais me perturbe até hoje seja o fato de nós, enquanto seres humanos, não podermos confiar em nós mesmos. Pois o que motivou a SS não era racional."
Tais questionamentos perturbam os pensamentos de Leitmann, soldado e libertador americano, ainda que os crimes tenham sido cometidos por outros. Talvez esta seja uma das grandes diferenças entre as biografias das vítimas do nazismo e as dos perpetradores: nas décadas seguintes ao fim da guerra, quase todos os nazistas e seus cúmplices negaram sua própria responsabilidade por uma guerra que custou a vida de mais de 60 milhões de pessoas.
Da mesma forma, eles negam seu apoio a uma ideologia fascista que divide a vida humana entre aquelas que valem ou não a pena serem vividas – a mesma que resultou no assassinato em escala industrial de judeus europeus, sinti e roma, e inúmeras outras pessoas. Os alemães atiraram, usaram gás lacrimogêneo e mataram 1,5 milhão de crianças apenas – a maioria delas porque eram judias.
1945: Soldado americano George Leitmann de uniformeFoto: George Leitmann
George Leitmann não foi apenas um soldado americano que lutou contra a Alemanha nazista. Nascido em Viena, capital da Áustria, ele próprio é um sobrevivente do Holocausto. Quando os nazistas tomaram sua terra natal, sua família judia decidiu emigrar em 1940. George, sua mãe e seus avós conseguiram vistos para os EUA, mas seu pai, Josef, não. Ele acabou então fugindo para o que então era a Iugoslávia. Quando tudo parecia estar seguro, George e o resto de sua família embarcaram em um navio para os EUA. Ele nunca mais veria seu pai.
A extensão dos crimes alemães jamais saiu de sua memória. Depois da guerra, Leitmann seguiu carreira acadêmica nos EUA, lecionando por muitos anos como professor de engenharia na universidade de elite de Berkeley, na Califórnia, onde receberia inúmeras honrarias e prêmios.
Berkeley continua sendo sua morada ainda hoje. É na cidade californiana que ele vive atualmente com sua esposa Nancy, de 100 anos, ambos na mesma casa de repouso. Mas a inquietude não o deixou. "Eu sempre me pergunto: como pessoas tão instruídas como os alemães foram capazes de fazer algo tão ruim em tão pouco tempo?"
Sua pergunta, assim como tantas outras, segue sem resposta. Nenhuma delas o abandona. Elas ficam rodeando seus pensamentos. "Sempre que eu conhecia alemães, me perguntava o quão culpados eles ou seus pais eram. Mas responder a essa pergunta com a suposta culpa de seus ancestrais parecia, do ponto de vista científico, inapropriado." George crê ter sido uma pessoa muito controlada ao longo de toda a sua vida. "Nunca perdi a cabeça, nunca levantei a voz. Sempre achei que poderia cumprir melhor minha missão se me controlasse."
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Em busca do pai
Mas quando, com apenas 18 anos, ele decidiu se voluntariar para o serviço militar em seu novo país, os EUA, ele seguia também um impulso: a incerteza sobre o destino de seu pai. Sua luta contra os alemães tornou-se assim também uma busca, algo que o diferenciava de muitos de seus camaradas.
Crachá de identificação de serviço de George Leitmann – após o fim da guerra, ele se tornou um oficial da contra-espionagem dos EUAFoto: George Leitmann
"Quando chegamos no campo de concentração de Kaufering, perto de Munique, meus camaradas ficaram horrorizados. Estavam enojados com as ações dos alemães. Mas, para mim, imediatamente surgiu uma conexão com meu pai. Quando encontrávamos pessoas libertadas, eu sempre tinha a esperança de rever meu pai."
O campo de concentração de Kaufering, na Baviera, era composto por onze campos diferentes. Os nazistas deportaram 23 mil pessoas para lá. A maioria deles eram judeus do Leste Europeu que tiveram que realizar trabalhos forçados para a indústria de armamentos alemã. Ao fim, foram todos assassinados – ou, como se dizia, "exterminados pelo trabalho".
Esta foto foi tirada por George Leitmann em 1945 no campo de concentração de Kaufering após a libertação: milhares de judeus da Europa Oriental foram torturados e assassinados aquiFoto: George Leitmann
Quando George Leitmann entrou no campo libertado em abril de 1945 foi como se "um mundo do Inferno de Dante" se abrisse para ele. "Havia cadáveres por toda parte. Muitos deles ainda fumegavam porque os alemães tentaram queimá-los. Mas, como as pessoas eram apenas pele e osso, [os corpos] não queimaram." Imagens como essa o perturbam até hoje durante a noite.
"A frieza e a crueldade recaem sobre todos nós"
Atualmente, no local do antigo campo de concentração, um memorial é operado pela Fundação Europeia Memorial do Holocausto – e George Leitmann é membro honorário. Em 27 de abril de 2025, vários convidados se reuniram lá para celebrar o 80º aniversário da libertação. George, porém, não pôde comparecer, pois a viagem desde a Califórnia seria muito longa e muito difícil para ele.
27 de abril de 2025: um oficial americano e o Cônsul Geral do Estado de Israel se curvam diante do memorial às vítimas do nazismo durante a cerimônia de comemoração do 80º aniversário da libertação do campo de concentração de KauferingFoto: Hans Pfeifer/DW
O fantasma do fascismo está de volta – o poder dos fortes, nas palavras do historiador vienense Florian Wenninger: "Elon Musk considera a empatia a maior fraqueza da civilização ocidental. Apesar disso, devemos permanecer firmes. Se o comportamento social, se o senso de justiça e a compaixão forem deliberadamente atacados, então fica claro, por outro lado, que a frieza e a crueldade podem se voltar contra todos nós, ameaçar a todos nós."
George Leitmann também se mostra preocupado com a política atual. "Que um homem como Donald Trump possa se tornar presidente é algo impressionante. O fato de grandes segmentos da sociedade apoiarem ideias fascistas é perturbador. Culpar certos grupos de pessoas por algo sempre causou infelicidade. "
George Leitmann completará 100 anos em maio de 2025. Apesar de todas as dificuldades, ele avalia que teve uma vida boa: pôde viajar, constituir família e conhecer pessoas interessantes. Mas ressalta que a velhice também pode ser um fardo. "Tente não ficar tão velho", diz, balançando o dedo indicador. "Isso não é brincadeira. Estou falando sério."
Quanto ao destino de seu pai, ele só teve conhecimento muitos anos após o fim da guerra. Foi em um campo na Iugoslávia: seu pai, assim como centenas de outros, foi fuzilado pelos alemães. Simplesmente por ser judeu.
Até hoje, George Leitmann imagina como terão sido os últimos minutos da vida de seu pai. É um pensamento que lhe acomete todos os dias.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.