"Foi descuido meu", diz Moro sobre diálogos com procurador
14 de junho de 2019
Ministro nega conluio com Ministério Público nos processos da Lava Jato, diz estar "absolutamente tranquilo" com seus atos enquanto juiz e descarta deixar o governo. "Não cometi nenhum ilícito", afirma.
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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse nesta sexta-feira (14/06) que cometeu um "descuido" ao trocar mensagens com membros da força-tarefa da Operação Lava Jato por meio de um aplicativo de mensagens enquanto atuava como juiz dos casos da operação.
Mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil no último domingo apontaram que Moro chegou a indicar para o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba, uma testemunha "aparentemente disposta" a falar sobre ilegalidades envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que seria posteriormente condenado por Moro. Nesse caso, as informações enviadas não foram formalizadas nos autos do inquérito.
Esse e outros diálogos levantaram questionamentos éticos sobre a conduta de Moro ao longo da operação e possíveis ilegalidades em seu relacionamento com a força-tarefa.
Sobre o caso específico da dica sobre a testemunha, Moro afirmou nesta sexta-feira, após uma cerimônia em Brasília, que o episódio não constitui nenhuma "anormalidade" e que não cometeu nenhum ato ilícito. "Estou absolutamente tranquilo em relação a todos os atos que cometi enquanto juiz da Lava Jato", declarou.
"Eu recebi aquela informação, e aí sim, vamos dizer, foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo. Mas não tem nenhuma anormalidade nisso. Não havia uma ação penal sequer em curso. O que havia é: é possível que tenha um crime de lavagem e eu passei ao Ministério Público", disse Moro.
"Temos que entender o contexto do trabalho que havia na 13ª Vara naquela época. Atendíamos a várias questões urgentes, operações que envolviam o enfrentamento a pessoas muito poderosas envolvidas em corrupção. Então tinha uma dinâmica de trabalho que era muito intensa", acrescentou o ministro.
Mais cedo, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma entrevista com Moro sobre o escândalo da troca de mensagens. Ao jornal, o ex-juiz disse que não pretende deixar o cargo de ministro. "Eu me afastaria se houvesse uma situação que levasse à conclusão de que tenha havido um comportamento impróprio da minha parte", afirmou. "Não tem nada ali, fora sensacionalismo barato."
Moro também falou sobre seu relacionamento com os procuradores. "Sei que tem outros países que têm práticas mais restritas, mas a tradição jurídica brasileira não impede o contato pessoal e essas conversas entre juízes, advogados, delegados e procuradores", declarou ao jornal.
Ele ainda negou qualquer conluio com o Ministério Público à época em que era juiz. "Não tem nada, nunca houve esse tipo de conluio. Tanto assim que muitas diligências requeridas pelo Ministério Público foram indeferidas, várias prisões preventivas."
O ministro ainda disse acreditar que tenha sido alvo de um ataque de hackers e questionou a autenticidade das mensagens divulgadas. "Não excluo a possibilidade de serem inseridos trechos modificados, porque eles não se dignaram nem sequer a apresentar o material a autoridades independentes para verificação", afirmou, reiterando estar "absolutamente tranquilo em relação à natureza" de suas comunicações.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.