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"Fomos enganados", dizem militares russos detidos na Ucrânia

Anna Fil
22 de junho de 2022

Russos capturados aguardam eventual troca por soldados ucranianos. Em entrevista à DW, eles contam sobre como foram parar no front, suas impressões da guerra, as condições na prisão e as esperanças de voltar para casa.

Prisioneiros com rostos pixelados em cela com camas-beliche
Sete prisioneiros de guerra russos partilham uma cela em centro de detenção na UcrâniaFoto: Anna Fil/DW

Num centro de detenção na Ucrânia, o segundo andar é reservado aos presos de guerra russos. Eles são mantidos separados dos demais "para sua própria proteção", segundo consta.

Após uma solicitação jornalística ao Serviço Penal Nacional ucraniano, a DW recebeu permissão para conversar com os detentos, como primeira representante da mídia, sob a condição de não revelar sua localização exata nem mostrar seus rostos, por motivos de segurança.

As filmagens no local foram exclusivas e só foi possível falar com os russos que não sejam acusados de crimes de guerra nem estejam respondendo por nenhuma ação judicial. Para entrevistá-los, seria necessária uma autorização adicional dos investigadores ou da Promotoria Pública.

"Fomos enganados"

Numa das celas estão sete homens de diversas idades. A visita de jornalistas não os surpreende: segundo eles, representantes das Nações Unidas ou da Cruz Vermelha passam por lá todas as semanas.

Durante a entrevista, funcionários do presídio acompanharam a equipe de reportagem, que pôde escolher seus interlocutores. Os quatro prisioneiros que concordaram em ser entrevistados afirmaram ser soldados profissionais e nada ter a esconder.

"Sinceramente: nós fomos enganados", comenta Roman, da cidade de Vyborg. "De início nos disseram que íamos cuidar de coisas humanitárias. Mas eu fui imediatamente jogado no front." Em combates na região de Kharkiv ele foi ferido, o exército ucraniano o levou consigo e lhe prestou cuidados médicos.

Artyom, em contrapartida, frisa que participou por vontade própria da "operação militar especial" – na terminologia adotada oficialmente por Vladimir Putin – contra a Ucrânia. Atendendo a um anúncio na internet, ele foi mobilizado para a província de Donetsk, sob controle de separatistas pró-russos.

Em poucos dias aprendeu a dirigir um tanque blindado T-72, sendo então enviado em direção a Zaporíjia. No entanto seu veículo foi destruído e ele, capturado pelo ucraniano Batalhão Azov. Lá recebeu comida e cigarros, "fascistas, não vi nenhum", comenta.

Indagado por que foi para a Ucrânia, Artyom explica: "Na televisão contam que supostamente lutamos por uma boa causa, mas na verdade não é nada disso. Meus olhos só se abriram aqui." Ele considera o exército russo "saqueadores e assassinos".

Condições de cárcere são aparentemente brandas, com saídas e acesso a livrosFoto: Anna Fil/DW

"Ninguém nos disse para onde estávamos indo"

A cela dos russos está equipada com móveis antigos, é estreita, mas limpa. Pratos de plástico estão sobre a mesa comum, cada um tem o seu. As colheres e garfos, contudo, são de metal. Segundo os guardas, para os presos normais também os talheres são de plástico, mas com os de guerra é mais fácil, eles não são agressivos e só estão esperando por uma troca de prisioneiros.

Um detento ucraniano serve o almoço, sob observação de um vigia. Borscht e pirão de trigo-sarraceno são servidos através de aberturas nas portas de cada cela. O desjejum foi angu de milho com carne. Segundo o cardápio pendurado no corredor, são servidas três refeições por dia. Além disso, os internos podem passear e diariamente tomar banho.

As mentiras que viralizaram sobre a guerra na Ucrânia

07:11

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Numa outra cela encontram-se três jovens, por volta dos 20 anos de idade. Na mesa ao lado das camas está uma pilha de livros. Eles dizem gostar de ler histórias policiais e romances. Dmitri, de 20 anos, diz não ter sabido que em 24 de fevereiro iria de Belgorod, na Rússia, para a Ucrânia.

"Ninguém nos disse para onde estávamos indo. Só quando já estávamos em território ucraniano e vimos letreiros e bandeiras, é que entendemos. Eu perguntei ao comandante o que a gente estava fazendo ali, e a resposta foi que não era para fazer perguntas inúteis." Quando, em 27 de fevereiro, seu tanque foi bombardeado, próximo a Pryluky, na região de Chernihiv, Dmitri se rendeu aos ucranianos.

"Vocês não têm nada que fazer aqui!"

Durante a entrevista com ele e dois outros, estavam presentes um vigia, um psicólogo da instituição penal e outros prisioneiros de guerra. A impressão pessoal dos jornalistas foi que a presença dos funcionários não influenciava a narrativa dos entrevistados, nem sua vontade de falar. Os vigias não ficavam escutando: mantiveram a distância e não fizeram qualquer pressão.

Com Oleg, da Carélia, a DW conversou a dois, numa sala separada. Ele contou que prorrogara em março seu contrato com as Forças Armadas russas. "Eu acreditei nas notícias na TV de que a gente viria para ajudar, de que aqui havia nacionalistas matando e torturando seu próprio povo."

Mas quando as tropas russas entraram na região de Kharkiv, ele não viu um único nacionalista: "Quando chegamos nos lugarejos, as pessoas nos diziam, bem diretamente: 'Vão embora! Vocês não têm nada que fazer aqui!'"

Quando Oleg assinou o contrato, lhe prometeram um treinamento, mas também que ele não seria mobilizado para o front avançado. Após três dias, contudo, foi enviado para o cerco à metrópole de Kharkiv.

Sua esquadra tentou retornar à Rússia, diz ele, mas os comandantes proibiram. Contudo o contato com o comando se rompeu, e pouco mais tarde a unidade foi capturada pelo exército ucraniano.

Entrevistados se dizem todos soldados profissionaisFoto: Anna Fil/DW

Pode-se confiar nos prisioneiros de guerra?

Todos os prisioneiros russos com que a DW conseguiu falar afirmam lamentar ter participado da invasão, e que não atiraram em residentes pacíficos de lugarejos e cidades. Até agora os investigadores ucranianos não apresentaram provas de que eles tenham cometido crimes de guerra, e eles já se submeteram a exame com um detetor de mentiras.

Os funcionários do presídio contam que só perante o detetor de mentiras o soldado russo Vadim Shishimarin, que também ficou detido no local, confessou ter atirado e matado um civil na região de Sumy. Em 23 de maio, um tribunal ucraniano o condenou à prisão perpétua, no primeiro processo contra um prisioneiro de guerra russo no país.

Na conversa com a DW, nenhum dos detentos se queixou de más condições de prisão ou de tratamento desumano. "Todo dia nos perguntam se precisamos de alguma coisa. Se é possível, nos dão. A comida é equilibrada", relata Roman.

Segundo o Ministério da Justiça da Ucrânia, cada prisioneiro custa por mês cerca de 3 mil grívnias (95 euros ou R$ 517), em alimentos, roupas, artigos de higiene, além de água e eletricidade. A estes se acrescentam medicamentos e equipamento médico, além de custos com pessoal.

A vice-ministra da Justiça Olena Vysotska assegurou à DW que esses gastos são justificados, já que as condições de prisão devem obedecer a Convenção de Genebra. Além disso, precisa-se de prisioneiros de guerra vivos e saudáveis para trocar com os ucranianos capturados pela Rússia.

Maus tratos contra militares ucranianos e russos

Segundo a diretora da comissão da Organização das Nações Unidas para os direitos humanos na Ucrânia, Matilda Bogner, em geral as condições de cárcere para os presos de guerra russos observadores são satisfatórias. Porém observadores da ONU receberam informações de que soldados foram maltratados e torturados após a captura.

Há também indicações de que militares ucranianos presos na Rùssia e nos territórios sob controle russo seriam torturados logo após sua captura. "Faltam alimentos e higiene, o tratamento por parte dos guardas é bruto", explica Bogner. A ONU insta ambos os lados a tratarem com humanidade seus prisioneiros de guerra e a investigarem imediata e eficazmente todos os supostos casos de tortura e maus tratos.

Não há dados oficiais sobre quantos soldados russos estão detidos na Ucrânia: seu número muda constantemente, devido às trocas regulares. "A esperança é a última que morre", consola-se Dmitri, que também espera ser trocado. Depois de três meses, o rapaz de 20 anos só quer voltar para casa, e não pretende nunca mais servir o Exército.

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