"Fora nazista": torcida reage e homem é preso por racismo
17 de fevereiro de 2020
Durante partida na Alemanha, torcedor insulta e imita macaco para provocar zagueiro do time adversário, é denunciado por colegas de arquibancada e detido. "A reação de vocês foi exemplar", agradece jogador.
Anúncio
Um torcedor foi preso numa partida da terceira divisão do futebol alemão na noite da última sexta-feira (14/02), após ter sido identificado por outros espectadores como autor de ofensas racistas contra um jogador da equipe visitante.
Um apoiador do time local, o Preußen Münster, proferiu insultos racistas e imitou ruídos de macaco para provocar o zagueiro Leroy Kwadwo, de origem ganesa, do Würzburger Kickers. Outros torcedores presentes no estádio o apontaram e ajudaram os seguranças a identificá-lo para que pudesse ser preso, sob gritos de "fora nazistas".
"Isso é algo que não tem lugar em um campo de futebol e, certamente, não em nosso estádio", disse o presidente do Preußen Münster, Christopher Strasser. "Nos distanciamos claramente desse tipo de atitude; eu pedi desculpas ao Würzburg logo após o jogo."
Em seu perfil no Instagram, Kwadwo lamentou o ocorrido e agradeceu o apoio dos torcedores da equipe adversária. "Isso me deixa triste e com raiva. Minha pele é de outra cor, mas eu nasci aqui. Sou um de vocês. Eu vivo aqui e posso viver minha paixão e destino como atleta do Würzburg", afirmou o jogador, de 23 anos.
"A reação de vocês foi exemplar – vocês não podem imaginar o que isso significa para mim e para outros jogadores de cor", afirmou Kwadwo aos apoiadores do Preußen Münster. "Obrigado pela humanidade de vocês!"
Após o jogo, Kwadwo disse a emissora ZDF que a reação dos torcedores o ajudou a manter a calma. "Quando algo assim acontece e é cortado logo de inicio, essas pessoas não têm chance nenhuma", observou. "O futebol tem grande poder. Devemos todos permanecer unidos para dizer que, se isso continuar, então não vamos jogar", afirmou.
O técnico do Würzburg, Michael Schiele, qualificou a reação dos torcedores do Münster de "sensacional".
"Espero que não permitam que ele vá a um jogo de futebol novamente", disse no Twitter o capitão da equipe, Sebastian Schuppman, sobre o torcedor que proferiu os insultos.
Segundo o jornal Westfälischen Nachrichten, o agressor era um homem de 29 anos da cidade de Steinfurt. De acordo com a polícia, ele deverá responder na Justiça por incitamento ao ódio.
A Federação Alemã de Futebol (DFB) elogiou a reação da árbitra Katrin Rafalski. Ela tentou acalmar o jogador após ser informada por ele do que estava acontecendo e ordenou que fosse emitido um anuncio no estádio em razão do ocorrido, acatando o procedimento estabelecido pela Uefa para casos como esse.
A DFB qualificou o episódio como "triste e vergonhoso". O incidente ocorre dez dias após torcedores do Schalke 04 insultarem o jogador Jordan Torunarigha, do Hertha Berlim, durante uma partida da Copa da Alemanha. O clube foi multado pela DFB em 50 mil euros.
Após os ânimos se acalmarem, a partida entre o Preußen Münster e o Würzburger Kickers pôde prosseguir. O placar final foi de zero a zero, mas Kwadwo saiu de campo como vencedor em mais um episódio envolvendo o racismo no futebol.
O esporte mais popular do mundo comemora 150 anos de existência e, nesse espaço de tempo, teve momentos de conotação política e influência direta na humanidade, desde trégua em guerras à confraternização de etnias.
Foto: picture-alliance/dpa
A trégua de Natal
Véspera de Natal de 1914. A Europa estava em plena Primeira Guerra Mundial, mas soldados alemães e britânicos organizaram um cessar-fogo não oficial ao longo de toda a frente ocidental. O início da "Trégua de Natal" foi na região de Ypres, na Bélgica, onde as tropas adversárias decoraram as trincheiras, trocaram presentes e jogaram uma partida de futebol.
Foto: PD
O mártir do Wunderteam
No dia 3 de abril de 1938, a Alemanha enfrentou o "Wunderteam" da Áustria no famoso "Jogo da Anexação". Matthias Sindelar (esq. camisa escura) marcou um dos gols da vitória austríaca e comemorou efusivamente na frente dos políticos nazistas. Na Copa de 1938 ele se recusou a defender a Alemanha e, em janeiro de 1939, foi encontrado morto, asfixiado por monóxido de carbono na própria cama.
Foto: picture alliance/Schirner Sportfoto
A partida da morte
O FC Start é provavelmente o maior símbolo esportivo de resistência ao nazismo. Mesmo ciente das consequências, o time (de branco) se recusou a fazer a saudação nazista e ousou vencer - pela segunda vez - a Flakelf, equipe da Força Aérea alemã, no dia 9 de agosto de 1942. Pouco tempo depois, os jogadores foram levados para campos de concentração. A grande maioria morreu sob tortura.
Foto: PD
Capitalismo versus socialismo
Em plena Guerra Fria, no dia 25 de novembro de 1953, a melhor seleção da época, a Hungria, enfrentou a Inglaterra no Estádio de Wembley. O confronto tornou-se importante propaganda para as duas ideologias. Os socialistas, liderados por Ferenc Puskas (esq.), venceram os capitalistas por 6 a 3. Foi a primeira derrota inglesa em casa em 90 anos de futebol.
Foto: Getty Images
"El Clásico"
Assim como o ditador Benito Mussolini sentenciou o "Vencer ou Morrer" para a seleção italiana na Copa de 1938, o general Franco também usou o futebol para enaltecer a Espanha que dirigia. E, em oposição aos catalães, ele usou o Real Madrid como ferramenta propagandista nos anos 50 e 60, originando uma das maiores rivalidades do futebol mundial.
Foto: picture-alliance/dpa
A Guerra das Cem Horas
O futebol é uma atividade de confraternização, mas em 1969 os jogos pelas Eliminatórias entre El Salvador e Honduras transbordaram na "Guerra das Cem Horas". Obviamente as razões do conflito foram de ordem econômica e política, mas a animosidade nos jogos foi o estopim para quatro dias sangrentos com seis mil mortos. No jogo decisivo, em campo neutro, El Salvador venceu e foi à Copa de 70.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
A guerra parou para ver Pelé
Em excursão pela África em 1969, o Santos parou a Guerra de Biafra, na Nigéria. O governador da região nigeriana inclusive autorizou a liberação da ponte que ligava a cidade de Benin - local do jogo - e Sapele, para que todos pudessem ver o Rei Pelé (na foto com Eusébio). Assim que o Santos subiu no avião, a guerra recomeçou.
Foto: AP
Final de Copa perto de centro de tortura
Quando o general Jorge Videla assumiu o poder e instalou uma violenta ditadura militar, a Argentina já estava definida como anfitriã da Copa de 78. Houve diversas ameaças de boicote e protestos. Paul Breitner, campeão de 74, se recusou a ir à Argentina, e a seleção holandesa, vice-campeã, protagonizou um último gesto de repúdio ao governo militar, dando as costas a Videla .
Foto: -/AFP/Getty Images
Winnie Mandela Futebol Clube
Durante o Apartheid, o futebol era um dos principais catalisadores na luta contra a segregação racial na África do Sul. Naquele período, o clube Winnie Mandela FC (nome da mulher de Nelson Mandela) servia como refúgio para líderes políticos e sindicais perseguidos pelo regime. Com o fim do Apartheid, em 1994, a seleção sul-africana se tornou um poderoso fator de coesão nacional.
Foto: Getty Images
Drogba, o artilheiro pacificador
Já eram quase cinco anos de conflito entre os rebeldes do norte e o governo na Costa do Marfim, em 2007, quando Didier Drogba propôs que a partida contra Madagascar fosse disputada em Bouaké, a capital dos rebeldes. Armas e diferenças foram colocadas de lado para celebrar a vitória por 5 a 0, um gol para cada ano da guerra que ali cessaria.
Foto: Issouf Sanogo/AFP/Getty Images
Os eleitos de Alá contra o Grande Satã
Na Copa de 98, dois países de relação politicamente marcada pela animosidade se enfrentaram sob suspense em Lyon: Estados Unidos e Irã. Com a pregação antiamericana, os aiatolás tentaram capitalizar o confronto e o trataram como o duelo entre os "eleitos de Alá" e o "Grande Satã". Antes do jogo, porém, iranianos entregaram flores e posaram abraçados com os jogadores dos EUA.
Foto: Stu Forster/Allsport
Afeganistão recupera identidade na bola
Devido à invasão russa, a guerras civis e ao regime talibã, o futebol deixou de ser praticado no Afeganistão entre 1984 e 2002. A primeira partida oficial em território afegão ocorreu apenas no dia 20 de agosto de 2013. Três semanas depois, os afegãos conquistaram seu primeiro título internacional, a Copa da Federação do Sul da Ásia, recuperando um pouco de sua identidade.
Foto: Prakash Mathema/AFP/Getty Images
Futebol como unificador de povos
Com o colapso da Iugoslávia, cresceram as tensões étnicas na região - que o futebol, mesmo que por um instante, conseguiu apaziguar. Com a inédita classificação da Bósnia para a Copa de 2014, sérvios, croatas e muçulmanos foram às ruas festejar. Unidos.