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Fotógrafo viaja pelos trilhos desativados do Brasil

29 de agosto de 2012

O Brasil tem cerca de 5 mil estações ferroviárias. Há um ano, Marcelo Tomaz, 37 anos, cartunista, ilustrador e designer, iniciou o desafio de visitar todas elas. O projeto pode levar até 30 anos para ser concluído.

Foto: Marcelo Tomaz

Na década de 80, o avô de Marcelo Tomaz sempre o levava junto para buscar o dinheiro da aposentadoria em outra cidade. O meio de transporte deles na época eram os trilhos e eles viajavam cerca de 120 quilômetros de trem entre as cidades paulistas de Ribeirão Preto a Aguaí. Ainda criança, gostava do ritmo cadenciado do trem e ficava fascinado com as paisagens e arquitetura das estações e das vilas ferroviárias ao redor.

Aí começava a história entre Marcelo e os trens. Anos depois, o cartunista, ilustrador e designer de 37 anos decidiu resgatar parte do passado, usando seu tempo livre para viajar e registrar a situação das estações ferroviárias brasileiras, hoje muitas vezes abandonadas. Até o momento, ele já percorreu 200 estações e documentou toda a experiência em textos, fotos e vídeos. O conteúdo está disponível no site do projeto Estações Brasileiras (www.estacoesbrasileiras.com.br).

DW Brasil: Como surgiu a ideia para o projeto Estações Brasileiras?

Marcelo: início despretensiosoFoto: privat

Marcelo Tomaz: Há cerca de um ano, estava sentindo alguns sinais de depressão e comecei a perceber que precisava criar um mecanismo que me fizesse ver gente e conhecer lugares novos. Resgatei essa parte do meu passado como tema principal e resolvi documentar cada estação ferroviária que visitasse. No início, era de uma forma despretensiosa. Eu queria apenas mostrar a beleza de cada lugar e também motivar pessoas a fazerem aquilo de que gostam, sem medo e sem grandes complicações. Por fim, o projeto me fez um bem incrível e acabou se tornando uma ferramenta de inspiração para muita gente que tem ou teve a vida ligada à ferrovia.

Você já tinha alguma ideia da condição em que encontraria as estações ferroviárias?

Sim. Logo nas minhas primeiras expedições, já encontrava os resquícios da história ferroviária por onde eu passava. É sempre triste ver todo aquele abandono. Mesmo um ano após o início do projeto, ainda não me acostumei a ver as ruínas e o descaso com todo aquele patrimônio material e histórico.

O que o surpreendeu durante as viagens?

Fiquei surpreso por achar que a humildade e simplicidade das pessoas que hoje ocupam os arredores ou as próprias estações abandonadas as impediriam de buscar conhecimento e aprimoramento, o que não é verdade. Encontramos gente muito humilde e ao mesmo tempo muito culta morando em ruínas de estações. Elas forneceram dados e informações históricas de uma relevância gigantesca. Surpresa boa sempre é encontrarmos estações bem cuidadas e restauradas, que por sorte, ou destino, foram parar nas mãos de gente consciente e generosa, que não só as restauraram, como as mantêm abertas para visitação.

Você já visitou 200 estações das cerca de 5 mil que existem no Brasil. Como pretende prosseguir?

No início, pensei que conseguiria fazer entre 300 e 400 por ano, mas sozinho não dá. Tenho que localizar as estações ferroviárias, ir até elas, fotografá-las, filmá-las e conversar com as pessoas do local. Depois da viagem, tenho que montar os minifilmes, tratar as imagens, escrever o resumo de cada uma, o roteiro do minifilme, checar as informações, criar o pôster, o mapa no Google Earth, revisar e publicar. Tudo isso me consome muito tempo. Muitas vezes me sinto como o personagem do cinema Indiana Jones, que vive todas aquelas aventuras, mas também tem o seu cotidiano de professor na faculdade, que é bem menos atraente e certamente não daria um filme.

Atualmente, a malha ferroviária é usada quase exclusivamente para o transporte de cargasFoto: Marcelo Tomaz

Você viaja sozinho?

Não costumo ir sozinho, embora já tenha ido algumas vezes. É perigoso, porque nunca sei o que vou encontrar em cada local. Muitos deles são distantes, abandonados e às vezes invadidos por animais. Sempre tento levar comigo pessoas apaixonadas pelo tema e que gostem desses desafios, pois as expedições exigem alguns sacrifícios, como acordar de madrugada, subir morros e atravessar pontes velhas e enferrujadas.

Qual é o seu meio de transporte?

Quando comecei tinha um carro popular, mas depois de atolar na lama, na areia, derrapar em ribanceiras, percebi que estava utilizando a ferramenta errada para o trabalho. Então troquei por uma picape 4x4 e as coisas melhoraram muito.

O que não pode faltar durante as viagens?

Muitas coisas como água potável, facão para abrir caminho na mata, bota, bonés, calça grossa, repelente, protetor solar, pá para desatolar o carro, corda, gancho, faca, canivete, lanterna. Também levo meu iPhone e meu notebook, para colher imagens e filmes dos locais.

Há alguma intenção de fazer dessa expedição parte do seu ganha-pão?

Todo o projeto é custeado por mim e realizado nas minhas horas vagas, não conto com nenhum patrocínio. Se pudesse, transformaria sem pestanejar o Estações Brasileiras no meu projeto de vida. Mas aqui no Brasil, isso é utopia. A vida é cara e as contas chegam, por isso, infelizmente, o projeto hoje precisa ficar em segundo plano. Bancar tudo isso do próprio bolso é irreal, pelo menos para mim, por isso vou fazendo da forma que consigo.

Atualmente quase não há transporte ferroviário de passageiros no Brasil. Você acha que seria bom e viável para o país voltar com a circulação de pessoas nos trens?

Claro que sim. O problema é que isso envolve variáveis extremamente conflitantes. Veja bem, não sou um romântico alienado que acha que o país deveria reativar todas as suas estações para que todos os saudosistas fiquem felizes. Espero nada mais do que inteligência na nossa matriz de transporte, que infelizmente hoje é baseada em rodovias, e não em hidrovias e ferrovias. Na escola, aprendemos sobre custo versus benefício, e ouvimos termos como capilarização, mas somos incapazes de ligar os pontos.

Para transportar grandes volumes a custo competitivo, as hidrovias. Para a distribuição pelo interior do país desses volumes, as ferrovias. Para fazer tudo isso chegar de fato aos consumidores, as rodovias. Isso é simples e praticado por praticamente todos os países desenvolvidos, mas aqui, é simples só na teoria. Existem muitas formas de compartilhar a malha ferroviária entre trens de carga e de passageiros, mas não acho isso possível a curto prazo.

Quais são os seus planos para o futuro?

Até o final do ano, tenho planos de visitar estações em seis estados do Brasil, sendo: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia e Rio de Janeiro. Sinto que o projeto Estações Brasileiras precisa estar presente em todos os estados onde a ferrovia está ou um dia esteve. Como a estimativa para o término deste projeto é para daqui há 25, 30 anos, sinceramente, não tenho ideia de qual será a última estação e claro, nem se eu conseguirei chegar até ela.

Autor: Fernanda Azzolini
Revisão: Augusto Valente

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