Fotos de José Medeiros ganham duas exposições em Lisboa
2 de março de 2013Durante a carreira de fotojornalista, José Medeiros dedicou-se a registrar as camadas mais carentes e oprimidas da sociedade brasileira, sobretudo no período pós-guerra e numa abordagem sempre de proximidade à figura humana. Ao mesmo tempo, trabalhando para O Cruzeiro, a principal revista ilustrada do país na época, retratou o glamour do Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950.
Agora, 23 anos após sua morte e de carona no ano do Brasil em Portugal, o fotógrafo piauiense ganhou duas exposições em Lisboa – uma para cada estilo das imagens que captou. A chamada Mostra José Medeiros, dividida nos espaços “Crônicas brasileiras” e “O Rio é uma festa”, reúne cerca de 190 fotografias, reveladas a partir dos negativos originais, conservados no Instituto Moreira Salles, e quase 30 documentos, entre revistas e publicações.
Um olhar sobre o Brasil oculto
A exposição “Crônicas brasileiras” é dedicada às origens do país. As fotos de Medeiros mostram aspectos da cultura e da história que até então eram desconhecidos. O papel do negro na sociedade brasileira, o lugar do Nordeste num Brasil moderno, a cultura afro-brasileira e as comunidades indígenas.
O visitante poderá ver as fotografias feitas por Medeiros em rituais secretos de candomblé, na Bahia. Ele registrou, por exemplo, a iniciação de três noviças para se tornarem filhas de santo. Em 1951, O Cruzeiro publicou a reportagem “As noivas dos deuses sanguinários”, com 38 fotografias marcantes que mostram diversas fases da cerimônia. Esse foi considerado um dos mais importantes trabalhos fotográficos sobre a cultura afro-brasileira.
Um grande acervo também é dedicado aos índios do Xingu, bem como a imagens do Nordeste e das terras do interior do Brasil. José Medeiros acompanhou a expedição Roncador-Xingu, entre os anos 1940 e 1950, e registrou os primeiros contatos entre os índios xavantes e caiapós, no Centro-Oeste e no Pará, com os homens brancos.
Medeiros se integrava nas tribos para que o resultado de seus registros fosse o mais espontâneo e natural. A visão humanista do trabalho contribuiu para transformar, no imaginário brasileiro, a percepção das lutas e dos dilemas do povo indígena.
O Rio é uma festa
Esta exposição é dedicada à celebração da cidade do Rio nos anos dourados. A esperança de paz e de crescimento se materializava na cidade do Rio de Janeiro, nas festas, no carnaval, nos desfiles de 7 de Setembro, nas praias e paisagens urbanas.
“Medeiros mergulha de forma intensa, mas também crítica, nesse Rio festivo e despreocupado”, diz Sergio Burgi, curador e coordenador do Departamento Fotográfico do Instituto Moreira Salles.
Em suas fotografias, ele retrata o luxo dos coquetéis à beira de piscinas, no Jockey Club ou nos bailes à fantasia. Mas não abandona o interesse pelo elemento popular, à margem da vida burguesa.
Esse olhar ambivalente entre o social e o popular pode ser visto em toda a obra fotográfica de José Medeiros e é um importante registro da sociedade brasileira e carioca daquela época.
Fotografia e Cinema
José Medeiros trabalhou por quase 15 anos na revista O Cruzeiro, realizando importantes reportagens fotográficas e relatando as transformações do país.
Entretanto, em 1965, abandonou o fotojornalismo e iniciou uma importante carreira cinematográfica, como diretor de fotografia, e trabalhou para os mais prestigiados cineastas do Cinema Novo brasileiro. Desde então, José Medeiros nunca mais realizou um trabalho fotográfico.
“Crônicas brasileiras” está em exposição na Fundação Portuguesa das Comunicações e «O Rio é uma festa», no espaço Bes Arte & Finança, em Lisboa. Ambas podem ser visitadas até o dia 4 de abril.
Autor: Antônio Netto, de Lisboa
Revisão: Rafael Plaisant Roldão