Fotos perdidas revelam o lado fotógrafo de Dennis Hopper
2 de outubro de 2012Aos 31 anos, o ator americano Dennis Hopper ganhou uma nova profissão quando dirigiu Sem destino: a de diretor de cinema. Seu filme de estreia é o retrato dos heróis da contracultura, que desbravavam uma América vasta, cuja magnitude não escondia seus problemas. A viagem dos personagens é o retrato de uma geração e um manifesto de rebeldia em forma de celuloide.
Mas não só as convenções burguesas foram deixadas para trás com Sem destino. Hopper trocou uma câmera pela outra, deixando de lado aquela que, como o próprio ator declarou, era sua única maneira de se expressar artisticamente antes da estreia como diretor. Em 1969, ele parou de fotografar.
O período mais fértil do trabalho de Hopper como fotógrafo pode ser apreciado na exposição Dennis Hopper – The lost album, que está em cartaz em Berlim. A mostra reúne 400 fotos feitas entre 1961 e 1967, todas no formato e ampliações originais. Elas foram selecionadas pelo próprio Hopper para sua primeira grande exposição fotográfica, em 1970, no museu Fort Worth Art Center, no Texas.
"A exposição funciona tão bem porque foi feita da maneira como ele imaginou. É um passeio muito pessoal, quase uma visita à intimidade do meu pai. Apresentar essas fotografias num formato tão pequeno e organizadas de forma tão elaborada foi a forma como ele escolheu mostrar sua visão do mundo", declarou Marin Hopper, filha do ator, na abertura da exposição em Berlim.
Tesouro perdido
Em 1961, enquanto ensaiava para o espetáculo Mandingo, em Nova York, Hopper conheceu a atriz Brooke Hayward. Ela achou que Hopper daria um bom fotógrafo. No aniversário dele, a atriz o presenteou com uma câmera fotográfica. Os dois se casaram e voltaram a viver em Los Angeles.
Em paralelo ao trabalho como ator, Hopper passou a atuar profissionalmente como fotógrafo. Suas fotos foram publicadas em revistas como Artforum e Vogue, e ele fotografou Ike e Tina Tuner para a capa do disco River Deep – Mountain High. Mas Hopper queria documentar o que via à sua volta. Entre 1961 e 1967, tirou milhares de fotografias.
Depois da exposição no Texas, as ampliações originais das fotos, numeradas e com notas de Hopper no verso, foram esquecidas. "Um dos desejos do meu pai quando ele morreu, em 2010, era que vendêssemos a casa em que ele morava. Ele tinha muita coisa e colocamos tudo num depósito. Um ano depois, encontrei algumas caixas de enfeites de Natal. Dentro delas estavam todas essas fotografias, feitas para sua primeira grande mostra. Eu nem sabia que elas ainda existiam", contou a filha do ator.
As fotos exibidas em Berlim têm riscos, marcas e partes amassadas, pois não são novas reproduções, mas as ampliações originais feitas por Hopper. As imperfeições dão um caráter mais pessoal à coleção, exibida pela primeira vez na Europa. "Encontrar essas fotos foi como encontrar um tesouro", disse Marin Hopper.
Os amigos
As imagens são um retrato íntimo, espontâneo e poético de um período e seus protagonistas. A casa de Hopper e Hayward era o centro de um ilustre grupo que reunia atores, músicos, artistas e escritores. A arte pop de Los Angeles, incluindo seus carros, cartazes e cores, estava no ápice.
"Ele sempre dizia que seus amigos atores não ligavam muito quando eram fotografados, pois eles estavam acostumados a viver o tempo todo diante das câmeras. Mas os artistas sempre queriam ser fotografados. Ele adorava tirar fotos desses amigos, que foram responsáveis por tantas mudanças", revelou Marin Hopper sobre o grupo ilustre, que incluía Andy Warhol, David Hockney e James Rosenquist.
Hopper também se interessava muito por grafite. Ele fez uma série quase abstrata sobre a arte de rua nos muros de Los Angeles – uma cidade, que segundo o próprio ator, não tinha muito a mostrar além da vida urbana. As fotos também mostram detalhes da vida cotidiana em lugares como Nova York, Londres e Tijuana, no México. "Podemos ver tudo que ele amava: sua família, seus amigos e as diversas experiências que viveu nesse período", disse Marin Hopper.
América em transformação
A exposição não é só uma introdução aos atores e artistas da cena de Los Angeles nos anos 1960. As imagens capturadas durante esses anos mostram várias facetas de uma América em transformação. Hopper acompanhou de perto movimentos como os hippies e os panteras negras.
Com sua câmera, ele seguiu Martin Luther King Jr. numa marcha entre as cidades de Selma e Montgomery, no Alabama. No caminho, prestou atenção não só nos grandes eventos, mas também nos pequenos, comuns e negligenciados detalhes, transformando os pedaços daquele mundo de certa maneira perdido em fotos abstratas de grande beleza e tranquilidade.
"Estava mais familiarizada com as fotos icônicas do meu pai. Nunca havia visto seu trabalho dessa maneira. A maneira como elas foram pensadas e organizadas são como palavras numa frase, como se ele estivesse contando uma história: a história de como ele viu o mundo naquele período. Podemos ver seu processo, seu ritmo e até um pouco de sua intimidade. É como um diário de suas experiências", completou Marin Hopper.
As fotos funcionam como uma espécie de análise do imaginário e da realidade americana nos anos 1960. Uma viagem pessoal e um estudo que Hopper reinterpretaria e assimilaria em Sem destino. Se o filme é um legado da contracultura e abriu as portas de passagem para a década de 1970, essas fotos são um esboço poético e pessoal da formação de um grande artista.
"Dennis Hopper – The lost álbum" está em cartaz no Martin-Groupis-Bau em Berlim até 17 de dezembro.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler