França investe em tecnologia buscando liderança em IA
27 de maio de 2024O presidente francês, Emmanuel Macron, estava radiante de alegria durante uma coletiva de imprensa com o presidente da Microsoft, Brad Smith, realizada no início deste mês à margem de uma cúpula especial de investimentos em Paris.
A gigante americana de software havia acabado de anunciar investimentos adicionais de 4 bilhões de euros (R$ 22,4 bilhões) até 2027 em data centers e no setor de inteligência artificial (IA) na França.
"O novo data center [da Microsoft] será um dos maiores da Europa e nos ajudará a ser um dos líderes em armazenamento de dados e IA", afirmou Macron.
Em meados do passado, a França publicou uma estratégia nacional de IA com 500 milhões de euros a serem investidos na criação de polos de IA até 2030. Alguns meses depois, em dezembro, a startup parisiense Mistral AI entrou para a liga dos campeões de IA ao se tornar o chamado unicórnio do setor – empresas avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares.
Bem atrás de EUA e China
Noah Greene, do Projeto de Segurança e Estabilidade de IA do think tank Center for a New American Security (CNAS), com sede em Washington, diz que o governo francês deu um passo importante ao decidir se tornar um campeão de IA, mas lembra que transformar essa ambição em realidade pode ser uma luta árdua.
Com os Estados Unidos sendo claramente o líder do mercado de IA e a China em segundo lugar, à frente do Reino Unido, o atraso dos líderes da UE, França e Alemanha, não se deve apenas a fatores tecnológicos, segundo o especialista. "Os EUA estão no topo desse jogo há tanto tempo que os investidores preferem colocar seu dinheiro aqui, pois sabem que o talento institucional e a infraestrutura já existem", ressalta, em entrevista à DW.
Ele pondera que a França, por sua vez, tem um "código trabalhista muito complexo, e as grandes empresas de tecnologia dos EUA, como a Google, têm tido dificuldades para se adaptar a essas leis".
"Excelentes pesquisadores de IA"
Mas Veronique Ventos, cofundadora da startup NukkAI, sediada em Paris, diz que nunca considerou as leis trabalhistas francesas um obstáculo. "Sempre soubemos que estabeleceríamos nossa empresa na França, com seus excelentes pesquisadores e inúmeros programas de apoio a startups", disse Ventos, que trabalhava como pesquisadora de IA na Universidade Paris-Saclay.
Ventos afirma que a IA da empresa é diferente das outras porque "os humanos estão totalmente integrados".
"Eles podem observar os processos e saber por que a IA está fazendo certas recomendações e tomando certas decisões", explicou, acrescentando que a tecnologia usa consideravelmente menos dados do que outros algoritmos de IA e, portanto, é energeticamente mais eficiente.
No momento, a NukkAI tem meia dúzia de clientes, incluindo o grupo aeroespacial francês Thales e a Otan, que usam a tecnologia para planejar sua logística.
A startup também coopera estreitamente com universidades francesas, o que dá à NukkAI acesso ao supercomputador Jean Zay da França. Com sede em Saclay, nos subúrbios do sudoeste de Paris, o Jean Zay é um dos computadores mais potentes da Europa, com capacidade de 36,85 petaflops – equivalente a vários quatrilhões de operações por segundo.
Corrida pelo poder da computação
Christine Dugoin, professora associada do Observatório de Inteligência Artificial da Universidade Pantheon-Sorbonne, em Paris, acredita que a França e toda a Europa precisam de mais e maiores supercomputadores. "Essa é a única maneira de competirmos na área de IA", disse ela à DW.
Outros supercomputadores serão inaugurados neste ano e no próximo em Jülich, na Alemanha, e no departamento de Essonne, na França, próximo a Paris. As máquinas serão as primeiras na Europa a exceder a capacidade de 1 exaflop por segundo, o que equivale a 1 quintilhão de operações.
"Mas ainda estaremos atrasados em relação aos EUA e à China, que agora afirma ter ultrapassado os EUA com sua nova máquina, a Tianhe 3, supostamente superando a capacidade de 2 exaflops, o que a tornaria a mais rápida do mundo", disse Dugoin.
Ela acredita que é necessária uma abordagem europeia de IA – e não apenas para lidar com a concorrência global: "Desde que a Rússia começou a invadir a Ucrânia em 2022, ela vem implantando contra a Europa uma campanha de desinformação baseada em IA. A única maneira de revidar é unindo forças".
Unindo forças europeias de IA
A empresa de defesa alemã Helsing quer fazer exatamente isso. Também um unicórnio por valor de mercado, a empresa de IA sediada em Munique foi fundada em 2021 e também tem escritórios no Reino Unido e na França.
O vice-presidente de IA da Helsing, Antoine Bordes, diz que a guerra da Rússia na Ucrânia mostrou que as democracias ocidentais enfrentam "um risco existencial e precisam se esforçar para obter uma forma de soberania tecnológica e de defesa comum com a IA em seu centro".
A Helsing analisa dados de satélites e radares em tempo real e os fornece às tropas em terra, no ar e no mar. Ela também está cooperando com os militares ucranianos. Bordes disse à DW ser necessário "um plano de investimento em IA em toda a Europa, também no que diz respeito à nossa capacidade de computação" para que a Europa tente se equiparar aos EUA e à China.
Philippe Aghion, professor do College de France, do Insead e da London School of Economics, concorda. Em março, ele foi coautor de um relatório encomendado pelo governo francês que pedia mais investimentos estatais em IA.
"O setor de IA poderia aumentar o PIB francês em 0,8% ao ano nos próximos 10 anos", disse ele à DW. Ele pondera, entretanto, que esse potencial só poderia se desenvolver se o governo implementasse "uma política industrial adequada e investisse pelo menos 25 bilhões de euros" no setor.
Greene, no entanto, não tem tanta certeza de que a Europa será capaz de usar seu potencial. "Os EUA estão implementando uma política de 'laissez-faire' e colocando o mínimo possível de obstáculos. A UE, por outro lado, tem o objetivo de se tornar um dos líderes na regulamentação da tecnologia para proteger os direitos fundamentais."
E, de fato, em março, o Parlamento Europeu adotou a chamada Lei de IA, que proíbe o desenvolvimento de determinadas tecnologias de IA consideradas muito perigosas. Greene argumenta que somente os líderes em tecnologia de IA poderão "controlar as chaves do castelo e decidir como as autocracias usarão esses produtos".
Veronique Ventos, da startup NukkAI, acha que não deveríamos nem tentar competir com gigantes da IA como o Google "em áreas em que eles estão claramente em outra liga", como o armazenamento de dados. "Devemos nos concentrar em nossos próprios pontos fortes, como, na França, tecnologias que combinam IA com robótica."