Desligamento de reatores de usina nuclear francesa renova temores quanto à resistência de instalações na Europa a terremotos e enchentes e à possibilidade de um desastre semelhante ao ocorrido no Japão.
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A agência de segurança nuclear da França ordenou recentemente o desligamento dos quatro reatores da usina nuclear de Tricastin, no sul do país, onde as condições de segurança eram há anos sendo consideradas inadequadas. Os motivos seriam a possibilidade de um cenário parecido com o que gerou o acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, em março de 2011.
Logo após Fukushima, as usinas nucleares da França e de toda a União Europeia (UE) foram submetidas a testes rigorosos, para avaliar sobretudo os riscos de terremotos e enchentes. Já naquela época, a Agência de Segurança Nuclear (ASN) francesa identificou dois locais particularmente vulneráveis: as usinas de Tricastin e a de Fessenheim, na fronteira com a Alemanha, próxima a Freiburg.
Um relatório da ASN de dezembro de 2011 afirmava que, em caso de terremoto, a segurança em Tricastin estaria seriamente ameaçada, cita reportagem do correspondente Jürgen Döschner publicada pelo portal alemão tagesschau.
O local não estava adequadamente protegido para um possível rompimento de diques e as consequentes inundações. A operadora da usina foi incumbida de reforçar as represas próximas ao canal de água para resfriamento até, no máximo, o fim de 2014. Mas, aparentemente, não houve progresso.
Há poucas semanas, a operadora da usina, a empresa estatal EDF, relatou riscos elevados na resistência a terremotos das represas, levando a ASN a ordenar, no final de setembro, o desligamento dos quatro reatores da planta.
"Enchentes podem levar a um derretimento dos quatro reatores da usina nuclear de Tricastin", afirmava explicitamente um comunicado da agência.
Fukushima na Europa?
"Nesse comunicado me surpreendeu que a autoridade de supervisão nuclear francesa tenha declarado, com enorme clareza. que há risco de derretimento nuclear em Tricastin", afirmou à emissora pública alemã ARD o especialista em segurança de reatores nucleares Manfred Mertins. "É um fato inédito que as autoridades francesas se expressem de modo tão claro."
O comunicado da ASN praticamente confirma a possibilidade de ocorrência um cenário semelhante ao de Fukushima em pleno coração da Europa: um acidente com um reator nuclear causado por enchentes resultantes de um terremoto que provocam o derretimento de reatores.
Esse cenário não se aplicaria apenas a Tricastin. Há um a quantidade considerável de plantas nucleares na França em que os canais de água para resfriamento estão acima dos níveis das usinas.
Segundo Mertins e outros especialistas, a usina de Fessenheim, na fronteira franco-alemã, está no topo da lista. A resistência a terremotos das represas no local também é alvo de questionamentos. O próprio governo federal alemão defende o fechamento das instalações.
Quase desastre em 1999
A França já enfrentou situação semelhante muito antes do desastre nuclear no Japão. No dia 27 de dezembro de 1999, uma combinação de maré alta no Atlântico e fortes ventos do furacão Lothar fizeram com que as águas no estuário da Gironda transbordassem pelos diques e inundassem parte da usina nuclear de Blayais, no oeste do país.
As vias de acesso ao local ficaram bloqueadas enquanto cerca de 90 mil metros cúbicos de água inundavam as instalações dos reatores. Uma parte do fornecimento externo de energia entrou em colapso. O sistema de refrigeração de emergência falhou em dois reatores, assim como diversas bombas de drenagem. Por pouco não houve um acidente nuclear em grande escala.
O incidente em Blayais jogou luz sobre uma realidade de todas as usinas nucleares: a necessidade de muita água para refrigeração. Por esse motivo, as usinas são, geralmente, localizadas próximas a mares, rios, lagos ou canais. Em caso de tsunamis, chuvas fortes, terremotos ou falhas nos diques, a água pode se tornar um fator de alto risco, como ficou claro no episódio de Fukushima.
O caso de Blayais também demonstra como as condições climáticas extremas podem trazer riscos às usinas nucleares, tendo em vista a possibilidade de que as tempestades e ventos fortes venham a aumentar em razão das mudanças climáticas.
Não se sabe ainda quando os reatores da usina de Tricastin serão reativados. A operadora EDF calcula que isso ocorra no início de novembro. Os especialistas, porém, acham pouco provável.
RC/ots
A resistente fauna de Chernobyl
Trinta anos de contaminação radioativa não expulsaram os animais que habitam ao redor do antigo reator nuclear que explodiu em 1986. Um fotógrafo bielorrusso documentou a vida na região desabitada por humanos.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Quando os humanos se foram
Trinta anos após o desastre de Chernobyl, na antiga União Soviética, grandes áreas ao longo da usina nuclear, nos territórios que hoje são da Ucrânia e Belarus, ainda estão desertas por medo das consequências de longo prazo de um vazamento nuclear. Em vez de casas e edifícios, reaparecem águias, lobos, veados e outros animais.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Inóspito para humanos
Diferentes tipos de animais foram vistos no local, como esta raposa na foto tirada pelo fotógrafo bielorrusso da agência de notícias Reuters, Vasily Fedosenko, responsável por esta série de imagens. Segundo a agência, a ministra ucraniana do Meio Ambiente, Hanna Vronska, informou que "as pessoas não podem viver lá, é impossível, nem mesmo nos próximos 24 mil anos."
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Evacuados e realocados
O acidente ocorreu em 26 de abril de 1986, quando um experimento fracassado na usina nuclear na localidade de Pripyat levou a uma explosão no reator número 4, que fora construído somente três anos antes do desastre. Uma imensa quantidade de material radioativo foi liberada na atmosfera, espalhando-se para o resto da Europa. Mais de 350 mil pessoas foram evacuadas e realocadas entre 1986 e 2000.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Consequências pouco claras
Os pesquisadores continuam divididos sobre as implicações do desastre na flora e fauna da região, especialmente considerando a contradição entre os efeitos negativos da radiação e as conseqüências positivas da ausência humana. No entanto, parece que não se pode conter a natureza, como demonstra esta manada de bisões perto do vilarejo de Dronki, em Belarus.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Vilarejos abandonados
Reportagem de 2014 transmitida pelo programa "60 minutes", principal noticiário da emissora americana CBS, mostrou as ruínas quase intocadas de Pripyat, cidade abandonada na fronteira entre a Ucrânia e Belarus e que antes abrigava 50 mil pessoas. Aqui se veem restos de edifícios agrícolas perto do vilarejo bielorrusso de Pogonnoe, na declarada faixa de exclusão de 30 quilômetros.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Implicações de longo prazo
Muitas pessoas temem os efeitos de longo prazo para a saúde, provocados por tal ambiente radioativo. Em março, a Prêmio Nobel bielorrussa Svetlana Alexievich disse à DW: "todos os amigos que perdi nos últimos dez anos morreram de câncer. E não passa um dia em que eu não escuto de alguém que adoeceu ou morreu."
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Ninguém é imune
Um lobo olha para a câmera no vilarejo abandonado de Orevichi, em Belarus. Ainda que muitas espécies de plantas, flores e animais continuem a povoar a área em torno do reator nuclear, sabe-se que a taxa de mortalidade entre eles é maior que a média, e que eles sofrem de tumores e outras complicações. O impacto da radiação parece variar por espécie.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Perigo por séculos
"Foi bastante óbvio que padrões de deformação tenham prevalecido muito mais em áreas de alta contaminação", explicou o biólogo Timothy Mousseau à DW, após passar anos coletando insetos, aves e ratos mutantes da região de Chernobyl e Fukushima, no Japão. "Muitas áreas vão permanecer perigosas por séculos, ou até milênios", acrescentou. Aqui, alces são vistos perto de Dronki.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Efeitos em Belarus
Uma águia pousa sobre o telhado de uma escola no vilarejo abandonado de Tulgovichi, a cerca de 370 quilômetros ao sudeste de Minsk. A antiga república soviética de Belarus recebeu por volta de 70% da precipitação radioativa do acidente. Mais de 20% das terras agrícolas do país foram contaminadas.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Números pouco concludentes
Trinta anos depois, números precisos sobre casos de câncer causados pelo desastre de Chernobyl e pela contaminação indireta ainda não são concludentes. A quantidade de mortes atribuídas diretamente à explosão é de 31, mas até agora não há um quadro compreensível ou mesmo um consenso sobre o método usado para contabilizar os impactos na saúde.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
De uma geração a outra
O exame de animais, como este pica-pau visto perto do vilarejo de Babkhin, levou cientistas a acreditar que os efeitos da radiação são passados tanto através da cadeia alimentar quanto de uma geração a outra. Testes em animais provenientes da região de Chernobyl apontaram para um aumento das taxas de tumores, catarata e defeitos neurológicos, como tamanhos menores de cérebro.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Grande incerteza
Alguns pesquisadores acreditam que várias espécies encontradas hoje ao redor da área de Chernobyl não estavam lá antes do desastre. No entanto, essas suposições não foram confirmadas e, em sua maioria, os cientistas são cautelosos sobre tais declarações.