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PolíticaFrança

França terá segundo turno entre Macron e Le Pen

11 de abril de 2022

Líder francês termina 1º turno na liderança, mas pesquisas indicam que duelo com extremista Marine Le Pen em 24 de abril será mais difícil que em 2017, provocando apreensão sobre o futuro da segunda maior economia da UE.

Emmanuel Macron e Marine Le Pen
Emmanuel Macron e Marine Le Pen. França volta às urnas no dia 24 de abrilFoto: AFP/Getty Images

Emmanuel Macron e a extremista de direita Marine Le Pen vão se enfrentar no segundo turno das eleições presidenciais francesas. Com 97% dos votos apurados, Macron aparece com 27,6% dos votos, e Le Pen, 23,4%.

O independente de esquerda Jean-Luc Mélenchon ficou em terceiro lugar, com 21,9%, após passar os últimos dias pregando "voto útil" para barrar a presença de Le Pen no segundo turno. Em quarto lugar ficou o independente de extrema direita Éric Zemmour, com 7%, seguido de Valérie Pécresse, da direita tradicional, que conquistou 4,8% dos votos. Cinco pulverizadas candidaturas de esquerda, entre ecologistas e anticapitalistas, receberam cerca de 13% dos votos.

A escolha dos franceses de levar Macron e Le Pen ao segundo turno repete o duelo do pleito de 2017, que havia marcado a ascensão meteórica de Macron para a Presidência francesa como o mais jovem ocupante do cargo na história. O duelo ainda coloca mais uma vez frente a frente duas visões opostas sobre o futuro da França, a identidade do país e seu espaço na União Europeia (UE).

Para Macron, que busca um segundo mandato – algo que um presidente francês não consegue desde 2002 –, o duelo final será uma espécie de plebiscito sobre seus últimos cinco anos de governo e um teste para o centro político francês se apresentar mais uma vez como uma muralha viável contra a extrema direita.

Pró-europeu e reformista, Macron tem como vantagem apresentar bons números de crescimento econômico. Por outro lado, acumula críticas pela falta de medidas para conter a queda do poder aquisitivo dos franceses – tema que dominou a campanha e se aprofundou com os efeitos da guerra na Ucrânia, mas que remonta aos protestos dos "coletes amarelos" de 2018.

Para Marine Le Pen, o duelo do segundo turno deve ser o teste final da viabilidade de sua estratégia de "normalização", iniciada antes mesmo do pleito de 2017, que deixou em segundo plano aspectos mais explícitos da sua agenda de extrema direita e focou mais temas sociais – em alguns casos se apropriando de pautas de esquerda. Mas críticos observam que as mudanças são apenas cosméticas, e que o velho extremismo xenófobo e anti-UE de Le Pen e seu grupo permanece o mesmo.

Os resultados ainda indicam que a eventual conquista do apoio de eleitores de esquerda, dispersados em seis candidaturas de esquerda no primeiro turno, vai ser decisivo para ambos os candidatos no segundo turno.

Déjà vu

O pleito tem sido marcado por uma sensação de déjà vu. Foi a terceira vez que Le Pen e Mélenchon se apresentaram como candidatos. E também a terceira vez que um candidato de extrema direita passa para o segundo turno, disparando alertas em Bruxelas e reavivando o temor que a segunda maior economia do bloco possa ser comandada por uma extremista anti-UE.

Macron, que capturou a eleição de 2017, apresentando-se como um jovem independente com um discurso otimista pró-europeu, também já não pôde contar com a vantagem de se apresentar como uma novidade no sistema político.

E novamente partidos tradicionais de esquerda e direita, que por décadas dominaram a política francesa e se alternaram no poder, agonizaram nas urnas, assim como ocorreu em 2017, ficando mais uma vez de fora do segundo turno. Combinados, o Partido Socialista (PS) e Os Republicanos conquistaram menos de 7% dos votos neste domingo.

O pleito também voltou a ocorrer em meio a um cenário externo tumultuado. Em 2017, eram acontecimentos recentes como o "Brexit" e a eleição de Donald Trump nos EUA que forneciam apreensão adicional. Desta vez, o pano de fundo é formado pelos efeitos ainda persistentes da pandemia e a guerra de agressão russa na Ucrânia.

Propaganda dos candidatos. Pleito deste ano foi marcado pela apatia de parte do eleitoradoFoto: Julien Mattia/Le Pictorium/MAXPPP/dpa/picture alliance

Os desafios de Macron no segundo turno

Mas as semelhanças param por aí. Segundo pesquisas, ao contrário do que ocorreu cinco anos atrás, Macron terá mais dificuldades para vencer o segundo turno.

A maioria das pesquisas sobre a segunda rodada divulgadas nesta semana aponta que o atual presidente conta apenas com entre dois e seis pontos de vantagem sobre Le Pen.

Um levantamento realizado pelo instituto brasileiro Atlas Político, por sua vez, ganhou destaque nesta semana na imprensa ao apontar que Macron estaria até mesmo um ponto atrás da rival.

Um cenário muito diferente de 2017, quando Macron aparecia confortavelmente mais de 25 pontos acima da extremista nas simulações de segundo turno. No final, Macron venceu com mais de 32 pontos de vantagem.

Eleitores de Jean-Luc Melénchon podem ser decisivos para frear a extrema direita no segundo turnoFoto: Thomas Samson/AFP/Getty Images

Abstenção

Cerca de 49 milhões de eleitores estavam habilitados a votar neste domingo. A participação eleitoral foi estimada em 74%, com 26% de abstenção, segundo pesquisa Ipsos/Sopra Steria divulgada pelo canal France 24. Foi a segunda maior taxa de não comparecimento da história do primeiro turno presidencial, um sinal de apatia de parte significativa do eleitorado.

Em 2017, 22,2% dos eleitores deixaram de comparecer às urnas na primeira etapa. O recorde foi registrado no primeiro turno de 2002, quando 28,4% não votaram, um desinteresse que contribuiu para que Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, passasse para o segundo turno, marcando a primeira passagem bem-sucedida de um candidato da extrema direita para a etapa seguinte da corrida presidencial.

A hora de um novo "cordão sanitário"?

Com a repetição do duelo Macron e Le Pen já surgem apelos para a formação de um "cordão sanitário" para apoiar Macron no segundo turno e frear a extrema direita, assim como ocorreu em 2002, quando o establishment francês e diferentes espectros políticos se uniram em peso para apoiar o então presidente de direita Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen.

Em 2017, um movimento semelhante foi lançado para apoiar Macron contra Marine Le Pen, mas já evidenciava rachaduras, num presságio das dificuldades que aguardam o presidente neste segundo turno de 2022. A vantagem de Macron naquele pleito havia sido 16 pontos percentuais abaixo do resultado obtido por Chirac contra Jean-Marie Le Pen.

A quinta colocada neste primeiro turno, Valérie Pécresse, dos Republicanos, já declarou neste domingo apoio a Macron no segundo turno – seguindo o exemplo de François Fillon, que em 2017 disputou a presidência pela sigla e se apressou em apoiar Macron.

Jean-Luc Mélenchon, populista de esquerda, por sua vez, pediu a seus eleitores que não votem em Le Pen. "Sabemos em que nunca iremos votar (...) Nem um único voto deve ir para a senhora Le Pen", afirmou após a divulgação da boca de urna, contudo sem pedir que seus apoiadores votassem em Macron – a mesma estratégia adotada por ele em 2017.

Mas parte do seu eleitorado sinaliza que vai se comportar de maneira diferente de 2017. Naquele pleito, 36% dos eleitores de Mélenchon escolheram se abster ou votar nulo/branco no segundo turno; 53% votaram em Macron e 11% se distanciaram da esquerda para votar em Le Pen.

Desta vez, a proporção de eleitores de Mélenchon que contemplam votar extrema direita pode passar de 20%, segundo levantamentos. Já a abstenção/brancos/nulos nesse eleitorado arrisca ultrapassar 50%.

Partidos tradicionais agonizam

O primeiro turno também foi marcado mais uma vez pelo naufrágio das urnas de duas legendas tradicionais de esquerda e direita da França: o Partido Socialista (PS) e Os Republicanos.

O PS, que foi representado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, amargou apenas 1,7% dos votos. Um resultado ainda pior que o de Benoît Hamon, que obteve 6,36% no pleito de 2017, quando a legenda penou por causa da impopularidade do então presidente François Hollande. Em uma campanha marcada pela fragmentação da esquerda, Hidalgo teve dificuldades em fazer sua campanha decolar, apesar da vitrine oferecida pela prefeitura da maior cidade da França.

Entre os Republicanos, o resultado foi apenas um pouco melhor. A candidata da legenda Valérie Pécresse conseguiu 4,8% dos votos. Bem abaixo dos 20,01% obtidos por pelo candidato François Fillon no pleito de 2017.

Sucessores do antigo União por um Movimento Popular – a legenda dos ex-presidentes Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy –, os Republicanos penaram nesta campanha no campo congestionado dos candidatos de direita. A presença dos extremistas Le Pen e de Zemmour na corrida também tornou ineficaz a estratégia de Pécresse de fazer acenos para eleitores mais radicais em temas de imigração.

Macron: mais cinco anos?

Apesar de não demonstrar a mesma força eleitoral de outrora, Macron, do partido A República em Marcha, entrou na corrida com algumas armas para tentar conquistar um segundo mandato, algo que nenhum presidente francês consegue desde 2002. A economia é seu principal argumento para convencer o eleitorado de que as reformas de seu mandato estão rendendo frutos.

A França se recuperou mais rápido do que se esperava da pandemia, com um crescimento de 7% em 2021, o maior em 52 anos. Por sua vez, a taxa de desemprego foi a mais baixa em uma década e os investimentos estrangeiros pouco a pouco voltaram a fluir.

Por outro lado, muitos se perguntam se os ganhos econômicos se refletiram no bolso dos cidadãos. Pesquisas entre o eleitorado citam como a principal preocupação a perda de poder aquisitivo decorrente da inflação.

Emmanuel Macron durante o pleito deste domingoFoto: Thibault Camus/Pool/AP/picture alliance

Macron ainda se viu sob críticas ao apresentar recentemente projetos impopulares, como o aumento da idade mínima para aposentadoria dos atuais 62 para 65 anos e reformas na concessão de benefícios de renda mínima pelo Estado. Ainda pesaram sobre seu governo críticas pela contratação maciça de consultorias privadas por meio de contratos milionários, entre elas a empresa americana McKinsey, algo que apenas reforçou a imagem de Macron em alguns setores como um "presidente dos ricos".

Ele ainda entrou tardiamente na campanha, anunciando oficialmente sua candidatura à reeleição no início de março. Nas semanas seguintes, evitou participar de debates com outros candidatos e preferiu buscar protagonismo atuando como um mediador na guerra na Ucrânia, evitando ainda eventos de campanha em contato direto com eleitores.

A estratégia foi inicialmente benéfica para Macron, que conseguiu passar uma imagem de estadista e subir nas pesquisas, mas o efeito logo passou quando os franceses começaram a se mostrar mais preocupados com os efeitos do conflito sobre a economia.

Neste segundo turno, analistas apontam que Macron terá que buscar votos entre eleitores de esquerda para conter Le Pen.

O presidente já vem apostando num discurso de "medo", advertindo sobre os riscos de a extrema direita conquistar o governo. Mas, como mostram as pesquisas, isso pode não ser suficiente. Diante do desafio, Macron já prometeu novas medidas para diminuir o impacto nos preços da energia, cortejando o eleitorado de esquerda.

A vez de Le Pen?

Figura conhecida do eleitorado francês e herdeira de um clã político que há décadas assombra a França, Marine Le Pen entrou em sua terceira disputa tentando passar uma imagem mais moderada, focando em temas sociais, como diminuição dos impostos e aumento de salários e aposentadorias.

O objetivo: aumentar seu apelo junto ao eleitorado, até mesmo entre aqueles que costumavam votar na esquerda. Vários pontos do seu programa neste ano se aproximaram de ideias defendidas pelo esquerdista Melénchon, especialmente na questão da idade de aposentadoria e subsídios para famílias de menor renda.

Em 2017, a campanha de Le Pen havia focado principalmente no combate à imigração e na defesa de um "Frexit".

Marine Le Pen deixa cabine após votar no primeiro turnoFoto: DENIS CHARLET/AFP

Agora, a linguagem usada nas agendas anti-imigração, anti-União Europeia e anti-islã, bandeiras tradicionais de Le Pen, passaram a ser abordadas com um vocabulário menos explicito, em alguns casos adotando a linguagem de defensores do Estado laico e até do feminismo. Com o choque causado pela guerra na Ucrânia, ela ainda tratou de minimizar sua admiração pelo presidente russo, Vladimir Putin, embora seu partido, o Reagrupamento Nacional, tenha por anos cultivado laços próximos com o Kremlin.

Ao longo da campanha, ela chegou a ser ameaçada pela candidatura de Eric Zemmour, um comentarista televisivo que ganhou notoriedade por declarações abertamente xenófobas e por defender uma agenda ainda mais radical que a de Marine Le Pen, atraindo eleitores que se sentiam órfãos do antigo estilo violento de Jean-Marie Le Pen. No ano passado, Zemmour chegou a aparecer à frente de Marine Le Pen em algumas pesquisas.

Mas a ascensão de Zemmour não foi duradoura. O polemista acabou perdendo fôlego em parte por causa da falta de propostas para lidar com a apreensão do público em relação à economia. E no longo prazo, Zemmour, longe de causar danos duradouros a Le Pen, acabou com seu radicalismo aberto por ajudar a normalizar ainda mais a imagem da rival, oferecendo um contraste negativo involuntário. Após a divulgação da boca de urna neste domingo, Zemmour afirmou que apoiará Le Pen no segundo turno.

Críticos de Le Pen apontam que a forma pode ter mudado, mas o conteúdo permanece o mesmo. "Seus fundamentos não mudaram: é um programa racista que visa dividir a sociedade e é muito brutal. É um programa de saída da Europa, embora ela não o diga claramente", afirmou Macron recentemente. "Marine Le Pen mente para as pessoas."

Embora tenham ficado em segundo plano na sua campanha, Marine Le Pen ainda defende deter o que chama de "imigração descontrolada" e "erradicar as ideologias islâmicas". Ela também não esconde que pretende recorrer a ferramentas populistas como referendos para mudar a Constituição, contornando a Assembleia Nacional. Em vez de defender explicitamente tirar a França da UE, ela agora fala em "renegociar tratados" e diminuir as contribuições financeiras do país ao bloco.