Frankenstein: o que a cultura pop errou, e Del Toro acertou
10 de novembro de 2025
Por mais de dois séculos, Frankenstein, da britânica Mary Shelley, é conhecido como o monstro que não morre – incessantemente revivido, remendado e enviado de volta, cambaleando, para dentro da cultura. A parábola básica é perene: um cientista talentoso, mas míope, brinca de Deus, criando vida a partir de partes de corpos reanimados. Horrorizado por sua própria criação, ele a abandona, e a "criatura" rejeitada torna-se o monstro que a sociedade teme que ela seja.
A roupagem monstruosa de Frankenstein se mostrou flexível o suficiente para sobreviver a todo tipo de lente, desde os filmes cult de monstros dos anos 1930 estrelados pelo britânico Boris Karloff até sitcoms e desenhos infantis. Essas produções moldaram o que a maior parte do que o público pensa saber sobre o personagem, que difere de suas características originais narrada no romance de Shelley em 1818.
Já Frankenstein, do diretor de Guillermo del Toro, estrelado por Oscar Isaac e Jacob Elordi, disponível na Netflix, é mais fiel a Shelley do que a maioria das versões cinematográficas de seu mito monstruoso: a simpatia pela criatura é colocada em primeiro plano e o alerta contra o homem se passar por Deus é o tema central. Mas ainda existem lacunas entre Frankenstein, o romance, e suas representações populares.
Como Hollywood reprogramou o monstro
Como os conhecedores da história sabem, Frankenstein não é o nome do monstro, mas sim do cientista que lhe dá vida – Victor Frankenstein. No romance original, Victor não é um "doutor" ou um barão em um castelo, mas um estudante obstinado de "filosofia natural".
Na versão de Shelley, a criatura tampouco é o brutamontes resmungão reprogramado pelos filmes, mas um autodidata articulado que ensina a si mesmo inglês e filosofia moral após encontrar uma cópia do livro de poema épico Paraíso Perdido, de John Milton.
Os elementos mais icônicos da história de Frankenstein, quais sejam, a ressurreição com um raio (com Victor Frankenstein gritando "Está vivo!!!"), a pele verde, os parafusos no pescoço, o andar desajeitado, são invenções posteriores do palco e da tela.
A maioria deles pode ser rastreada a dois filmes de monstros da Universal dirigidos por James Whale, Frankenstein (1931) e A Noiva de Frankenstein (1935), estrelados pelo inimitável Boris Karloff, como o bruto trôpego, e Elsa Lanchester, como sua relutante companheira. Os filmes de Whale estabeleceram a aparência, o som e a teatralidade laboratorial que todos ainda esperam de um filme de Frankenstein.
As muitas vidas de Frankenstein
Ao longo dos séculos, desde o romance de Shelley publicado anonimamente como Frankenstein: ou O Prometeu Moderno, a criatura passou por infinitas reinterpretações.
A Hammer Films britânica nos deu uma série de remakes em Technicolor da história de Frankenstein, de A Maldição de Frankenstein (1957) até Frankenstein e o Monstro do Inferno (1974), que retratavam a criatura como mais trágica do que aterrorizante e o megalomaníaco Barão Frankenstein (geralmente interpretado por Peter Cushing) como o verdadeiro vilão.
Paralelamente aos filmes de terror, vieram as sátiras e paródias. Há a comédia pastelão Abbott e Costello encontram Frankenstein (1948); o extravagante
The Rocky Horror Picture Show (1975), com Tim Curry como Dr. Frank N. Furter, e O Jovem Frankenstein (1974), de Mel Brooks, uma sequência incessante de piadas que consegue ser ao mesmo tempo afetuosa e irreverente em seu tratamento do cânone de monstro.
Na TV, ganhou projeção nos anos 1960 a sitcom Os Monstros, da CBS, que transformou a criatura de Frankenstein em Herman Munster, um pai suburbano bondoso, embora atrapalhado.
Já na franquia de desenho animado Hotel Transilvânia, o monstro de Shelley já havia se tornado "Frank", um ajudante fofinho, transformando a angústia existencial em entretenimento familiar.
Ironicamente, alguns dos filmes que mais se aproximam da obra original de Shelley não são anunciados como filmes de Frankenstein. A Mosca (1986), de David Cronenberg, em que um cientista torna-se ele próprio o monstro, é uma representação gráfica e sangrenta do alerta de Shelley contra os excessos científicos. Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton, foca na criatura excluída, evocando os temas de empatia e abandono do romance. E Pobres Criaturas (2023), de Yorgos Lanthimos, reformula o mito sob uma lente feminista, com uma mulher reanimada (Emma Stone, em performance vencedora do Oscar) reivindicando agência, ecoando a influência da mãe de Shelley, a pioneira feminista Mary Wollstonecraft.
Recuperando a criatura de Shelley
O Frankenstein de Del Toro se insere diretamente na linhagem de cineastas que tentam restaurar a intenção original de Mary Shelley. Fiel em espírito, se não em cada detalhe, sua versão retorna às raízes da história: não um conto de horror, mas de criação, rejeição e responsabilidade moral.
Não surpreende que o diretor de Hellboy (2004) e A Forma da Água (2017) esteja do lado do monstro. Seu épico de duas horas e meia coloca em primeiro plano a simpatia essencial do romance pela criatura, tratando-a não como uma abominação, mas como um ser senciente nascido em um mundo que não pode aceitá-lo.
Tematicamente, Del Toro se alinha às preocupações de Shelley: o perigo da criação desenfreada, a arrogância do domínio humano e a profunda solidão do excluído. Como Shelley, ele lê a tragédia como uma história de abandono, de um pai que não consegue amar aquilo que criou. Não à toa, o Victor Frankenstein interpretado por Oscar Isaac tem seus próprios problemas com o pai, transmitindo esse trauma à sua criação profana.
Já Jacob Elordi entrega uma performance reveladora como uma criatura bondosa e inocente que passa a compreender o lado mais sombrio da humanidade. Del Toro não deixa de prestar homenagem às adaptações anteriores, com referências às explosões de loucura do cientista criador.
Na prática, o Frankenstein de Del Toro não reinventa o mito, mas revive seu núcleo moral em uma era tomada pela inteligência artificial, engenharia genética e decisões algoritmicas. Ao eliminar a narrativa exagerada da criação monstruosa, ele retorna à questão central de Shelley: o que acontece quando a ambição humana e o progresso técnico superam a empatia?