Frankfurt celebra a sacerdotisa pop e mito feminino Yoko Ono
16 de fevereiro de 2013Half-a-Wind Show – Eine Retrospektive, em exibição até 12 de maio no museu Schirn Kunsthalle, em Frankfurt, pretende revelar para o grande público o pioneirismo, a combatividade e a eterna capacidade provocadora de Yoko Ono, uma artista plástica que ainda é mais conhecida como a viúva do imortal beatle John Lennon.
Além da mostra, a performance Sky Piece to Jesus Christ, encenada pela orquestra de câmera alemã Junge Deutsche Philharmon, lotou a sala do convento dos dominicanos da cidade nesta quarta-feira (13/02). Trata-se de uma nova montagem da composição apresentada pela primeira vez no Carnegie Hall de Nova York, em 1965, no concerto Fluxorchestra at Carnegie Recital Hall.
A obra é inspirada no compositor e teórico musical norte-americano John Cage, que era chamado de JC ou Jesus Christ nas rodas da vanguarda musical. Yoko conheceu Cage em meados da década de 50, numa leitura sobre zen na Universidade de Columbia. Naquela época, a artista nascida em Tóquio começava a se apresentar em diversas cidades dos Estados Unidos, em eventos promovidos pela Japan Society e nos quais lia poesias próprias e praticava origami.
Humor e carisma
O público já sabia que iria ver algo inusitado no palco do convento. A coragem da artista em montar Sky Piece to Jesus Christ justamente num local voltado à introspecção religiosa e à discrição, despertou o interesse de muita gente para o espetáculo.
Os onze músicos da filarmônica começam a tocar peças eruditas até que adentram o palco oito mulheres, que se dirigem às bandejas colocadas nas laterais, cheias de ataduras de papel. No decorrer do concerto, elas começam a envolver os instrumentistas com as ataduras, "engessando-os" nos braços, na testa, nas pernas, num crescendo que acaba por usurpar os movimentos dos músicos, impossibilitando a execução das peças musicais.
Ao final, todos os integrantes acabam interligados entre si e com seus instrumentos e pedestais, formando um corpo único de impacto cômico. Yoko Ono entra então em cena – ela que a tudo assistia sentada na primeira fila, vestida toda de preto, com chapéu e óculos escuros – e, com a ajuda das oito "enfermeiras", guia pelos braços os músicos, retirando-os do tablado sob os aplausos cúmplices dos espectadores.
"Uma obra que sempre tende à imaterialidade, formada mais por ideias e textos do que por objetos e instalações não é fácil de ser apresentada", afirmou a curadora da exposição, Ingrid Pfeiffer, no material de divulgação distribuído à imprensa. Pfeiffer organizou, ao lado de Max Hollein e Jon Hendricks, um caprichoso catálogo de 208 páginas publicado especialmente para a mostra pela editora Prestel, de Munique.
Encerrada a apresentação musical, Yoko Ono voltou ao palco – com alguma dificuldade de locomoção que contrasta com a voz e o espírito joviais surpreendentes para uma octagenária – para realizar uma action painting: é puro gestualismo, forma de pintura abstrata, de meros sinais gráficos que sugerem letras japonesas sobre a grande tela branca, na caligrafia performática de Yoko Ono, que parece dançar ao pintá-la.
Coletiva (sem) imprensa
O terceiro "número" da noite é outra ideia inusitada: Yoko Ono sentada numa poltrona preta, ao lado de uma mesinha redonda, de frente para os espectadores, que são convidados a fazer perguntas à ela, bastando entrar em fila para isso. Os admiradores mais corajosos não perdem tempo, e as questões, feitas em inglês pelas pessoas, revelam mais uma vez o quanto Yoko está associada a John Lennon: perguntas sobre o memorial de Strawberry Fields erigido a Lennon no Central Park, sobre a perda do ilustre marido, como também outras sui generis, como sobre qual o chá preferido da artista.
O fato de Yoko estar num convento dava-lhe ares de sacerdotisa pop, ela que respondia pacientemente a seu rebanho, quebrando a relação indireta entre artista e público, normalmente filtrada pela imprensa.
Tamanha admiração da plateia alemã foi coroada, ao final da noite, com uma distribuição de cacos de um vaso de cerâmica disponibilizados no "altar" pela artista, que pediu para que as pessoas que levassem seu pedaço para casa voltassem ao mesmo convento em dez anos, para que todos reconstruíssem o vaso juntos. E todos pareciam convictos da volta, em 13 de fevereiro de 2023, com Yoko Ono então prestes a completar 90 anos, num reencontro no país de onde os Beatles começaram sua escalada rumo ao sucesso planetário, de Hamburgo para o mundo.
Um grande mito feminino
A exposição na Schirn Kunsthalle engloba cerca de 200 objetos elaborados por Yoko Ono no período que vai de 1955 até hoje, entre filmes, desenhos, fotos, textos e gravações sonoras. O visitante da mostra vai voltar no tempo, principalmente ao esplendor da contracultura dos anos 60, quando Yoko e Lennon reinavam como o casal mais badalado do universo pop, como uma dupla de militantes incansável e irreverente que propagava o pacifismo em happenings que escandalizavam a imprensa mais tradicional. Era a época de plena vigência das atrocidades norte-americanas na Guerra do Vietnã, quando a artista plástica japonesa e o músico britânico eram os cidadãos mais visados pela polícia dos EUA, país onde viviam.
Os fãs de Lennon irão gostar especialmente dos objetos interativos, como a escada branca de Ceiling Paiting (Yes Painting), de 1966, aos pés da qual o beatle e sua futura musa iriam se conhecer na Indica Gallery, em Londres. Infelizmente o visitante da mostra não pode mais subir os degraus da escada, como na exposição original dos sixties, mas Yoko convida a fazê-lo (por escrito) em sua imaginação.
Outras peças de destaque são a incrível instalação Half-a-Room, que tem móveis e utensílios de uma imaginária casa, todos pela metade, desde o quadro pendurado na parede até o sapato de salto alto da dona, assim como a lata de lixo, as panelas e tudo o mais.
"Yoko Ono é uma figura mística, especial não só na cena das artes plásticas, mas também na música, no movimento pacifista e no feminismo. Todos a conhecem, mas só muito poucos sabem exatamente o quão espetacular é a obra artística que ela conseguiu criar. O aniversário de 80 anos dela nos proporciona a oportunidade ideal para mudar isso", afirmou o diretor da Schirn Kunsthalle, Max Hollein.
É muito curioso notar que, tanto na performance no Convento dos Dominicanos quanto no primeiro dia da retrospectiva em Frankfurt, havia uma presença maciça de espectadoras. Sim, Yoko Ono é um poderoso mito feminino que o tempo não desmanchou.
Autor: Felipe Tadeu
Revisão: Alexandre Schossler