Natural de Danzig, onde a Segunda Guerra começou, irmã Hyazinth foi recrutada aos 16 anos pelos nazistas. Entre ameaças e atrocidades vividas, ela se apoiou na fé católica. Mas teme, hoje, ao saber que ainda há nazistas.
Irmã Maria Hyazinth, nascida Bronja KatulskiFoto: Kloster Arenberg
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"Joguem fora os seus uniformes, ponham roupas civis, a guerra acabou!" Bronja Katharina Katulski dormia numa barraca nos limites de Leipzig, em 1945, quando o chefe do acampamento a alarmou com essas palavras. As supervisoras de serviço haviam fugido, ouviam-se soldados chegando: os americanos haviam alcançado a cidade. "Tinha gente morta pelo chão", revê, claramente, sete décadas depois.
A jovem de 20 anos e suas companheira haviam sido recrutadas como servidoras civis de guerra. Sua função era registrar e anunciar a presença de aviões inimigos, substituindo os soldados mobilizados para o front. Até pouco antes, elas haviam trabalhado a 500 quilômetros dali, em Bergisch Gladbach, perto de Colônia.
No entanto, durante um dos violentos bombardeios que vivenciaram, em pânico, foram se esconder no abrigo aéreo. No dia seguinte, um oficial da Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas, falou de deserção, ameaçando-as: "Vocês deviam ser colocadas no paredão e fuziladas!" Como punição, foram transferidas para Leipzig. No trem a caminho, presenciaram novos bombardeios.
Na manhã seguinte à chegada dos americanos, as servidoras civis queriam escapar do acampamento o mais rápido possível. O chefe ainda permitiu que levassem roupas e cobertores em suas bicicletas, que poderiam trocar com os camponeses por alimentos, e assim atravessar os próximos dias.
No entanto, numa alameda, Bronja e uma amiga logo toparam com os soldados inimigos. Eles lhes tomaram tudo, até suas bolsinhas com os últimos pertences pessoais.
Sustentada pela fé
"Ficamos bem felizes de eles não nos levarem consigo", comenta. O fim da Segunda Guerra Mundial representava para ela, por um lado, a alegria ao pensar na família – mas também medo, devido às circunstâncias caóticas. Embora sentindo-se aliviada com o fim dos alarmes de bombas, "a gente estava destruída. Só não fiquei louca porque o bom Deus ainda me segurou".
Sem parentes, conhecidos, conhecimentos do local ou quaisquer posses, em abril de 1945 Bronja se viu perdida em Leipzig. No ano seguinte, entrou para o convento da Ordem das Dominicanas de Arenberg, e adotou o nome irmã Maria Hyazinth. Suas cartas à família voltavam todas com o carimbo "Destinatário desconhecido".
Apesar das traumáticas vivências de guerra, a nonagenária olha com gratidão a própria biografia. Mais nova de cinco irmãos, ela vinha de uma família católica de Danzig (hoje Gdansk, Polônia), na costa do Mar Báltico.
Também na então cidade livre do Reich, os nacional-socialistas passaram a ditar o tom a partir de sua vitória eleitoral em maio de 1933. Irmã Hyazinth se inclina, como quem conta um segredo, ao revelar que à noite o pai, mestre-alfaiate, sempre escutava as rádios estrangeiras "com um cobertor grosso em cima da cabeça, para nenhum que som escapasse". Desse modo, ele sabia que a guerra ia chegar. "Ele nos dizia: "Vocês precisam rezar muito.'"
Ataque à central de correios em Danzig, 28 de setembro de 1939Foto: ullstein bild
Família esfacelada
Em 1º de setembro de 1939, a guerra começou com o ataque das tropas nazistas à Polônia, na península de Westerplatte, nas cercanias de Danzig. Bronja, então com 14 anos, voltava com a mãe e os irmãos da missa da manhã.
A cidade estava em polvorosa, algumas pessoas, sobretudo judeus, eram arrancadas de suas casas e levadas embora em caminhões. A família localizou o pai num desses veículos. "Alguém o tinha denunciado, por não sermos nazistas."
Os detidos foram levados para uma escola e lá espancados. As famílias judaicas gritavam, "e nós também", relembra. Um amigo do pai, que passara a servir à SS, a famigerada organização paramilitar nazista, interveio em seu favor, mencionando que ele lutara pela Alemanha na Primeira Guerra. O mesmo podia ser dito, aliás, de muitos judeus, mas o argumento de nada lhes valera.
O pai acabou sendo libertado, ainda que coberto de hematomas. Mesmo quem não fora deportado sentia a pressão crescente do regime nazista sobre os contrários a sua ideologia. A escola católica em que Bronja estudava foi fechada, padres mais críticos eram perseguidos ou até assassinados.
Trabalho para o regime nazista
Os homens da cidade foram enviados para o front. Meninas como Bronja eram forçadas a trabalhar na casa de um dos soldados. Aos 16 anos, ela foi convocada para Reichsarbeitsdienst (RAD), serviço compulsório nazista, em que os adolescentes também eram ideologicamente treinados.
Ela nunca mais veria seus pais. A mãe morreu totalmente subnutrida em Danzig, pouco depois do fim da guerra, das sequelas do cólera; o pai, pouco mais tarde. Porém tudo isso a irmã Maria Hyazinth só ficou sabendo em 1949, quando seu irmão retornou da prisão na Rússia e mandou procurá-la.
Cartão postal de Danzig (Gdansk) e foto de Bronja Katulski com o uniforme do RADFoto: DW/Andrea Grunau
Depois de servir ao RAD numa grande fazenda, em vez de ser dispensada, como esperava, Bronja foi enviada a Hannover para o serviço civil à Wehrmacht. A 800 quilômetros de casa, ela teve que trabalhar numa fábrica subterrânea de munição.
Ela se lembra dos prisioneiros de guerra italianos que, famintos, remexiam os latões de lixo. Ao notar que Bronja lhes dava o próprio pão com manteiga, um soldado a ameaçou: "Se você fizer isso de novo, eu a denuncio!" Depois disso, passou a só alimentar os presos depois que os soldados haviam sido rendidos.
Violência contra mulheres
Em 1945, após o perigoso encontro com os soldados americanos em Leipzig, ela e a amiga se perguntaram: e agora? A outra queria arriscar a volta para casa, mas para Bronja Katulski a empreitada era perigosa demais, e ela procurou abrigo numa igreja católica.
O pároco a apresentou à família de um médico, de cujos filhos tomava conta, em troca de casa e comida, primeiro no campo, depois em Leipzig. Em meados de 1945, os militares soviéticos substituíram os americanos naquela cidade do Leste Alemão.
Era um tempo de violência contra mulheres e meninas, o medo de estupros era grande, lembra-se a irmã Maria Hyazinth. No campo, um soldado de ascendência católica a protegia. Mais tarde, em Leipzig, um soldado russo a perseguiu por toda a cidade. Ela se refugiou em casa, mas ele tocou a campainha.
Por sorte, medindo com apenas 1,50 metro de altura, ela conseguiu subir numa despensa de mantimentos e se esconder. "Quase sufoquei", lembra. Mas o russo não a encontrou e ela escapou ilesa, assim como a esposa do médico e as crianças.
Contudo nem todas tiveram a mesma sorte na época: uma conhecida sua ficou grávida após ser violentada. Ela teve o bebê, "mas era sempre muito infeliz". Também a tia de Bronja foi estuprada com tamanha violência que quase morreu de hemorragia.
Leipzig ao fim da Segunda GuerraFoto: picture-alliance/dpa
Nazistas, ontem e hoje
A freira nonagenária lembra que seu maior medo nem era dos soldados estrangeiros: "Os alemães também seriam capazes de colocar no paredão a nós, meninas", enfatiza.
Ela evita assistir filmes sobre a Segunda Guerra, que a deixam triste demais. "Mesmo tendo chegado a esta idade, são coisas que uma pessoa não pode esquecer."
Entre suas piores lembranças, ela conta as aulas de doutrinação política durante o Reichsarbeitsdienst: leituras de Minha luta, de Adolf Htiler, versos de canções patrióticas como "hoje a Alemanha nos pertence, amanhã, o mundo todo".
A irmã Maria Hyazinth procurou sempre ignorar aquela "loucura" que ouvia, e rezava. Mas o medo volta quando, hoje, ela escuta e lê "que há nazistas, novamente".
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
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1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
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1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
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1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.