Pensador alemão morreu há 120 anos, mas até hoje sua obra continua atual. Nietzsche faleceu antes de alcançar a fama e acabou tendo algumas de suas ideias apropriadas por nazistas e fascistas.
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"Eu não sou um homem, sou dinamite! ", escreveu sem modéstia Friedrich Nietzsche em sua autobiografia Ecce Homo. E, de fato, o filósofo alemão colocou muita lenha na fogueira das tradições de pensamento do Ocidente. "Deus está morto e nós o matamos", é umas das muitas citações, ainda que abreviadas, com as quais Nietzsche se tornou mundialmente famoso – e famigerado – na história da Filosofia.
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 1844 num presbitério protestante na aldeia de Röcken, no estado da Saxônia-Anhalt. Mais tarde, começou a estudar Teologia protestante em Bonn, porém, acabou mudando para a Filologia Clássica. Após uma temporada em Leipzig, ele foi para Basel, onde, com apenas 25 anos, tornou-se professor de Linguística Clássica na universidade da cidade. Mas por volta de 1875 problemas de saúde o forçaram a abandonar o ensino. A partir de então, Nietzsche passou a escrever e a se dedicar à Filosofia.
Com O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (1872), Nietzsche, então com 27 anos, disparou seu primeiro golpe. Na obra, ele uniu sua admiração pelo filósofo pessimista Arthur Schopenhauer com a que tinha pelo compositor Richard Wagner, que conheceu durante sua estada em Leipzig. Nietzsche ficou tão fascinado pelo músico que passou a ver nele o seu salvador.
Neste livro, Nietzsche já havia delineado o cerne de seu pensamento. Em cerca de 100 páginas e 25 capítulos sucintos, ele discorre sobre sua visão cultural de mundo a partir de seus estudos da cultura grega, seu amor pela música e apreço por Schopenhauer e Wagner. O linguista expressa uma profunda desconfiança de qualquer fidedignidade de palavras e textos: "Existem apenas interpretações, nenhum fato", diz uma de suas frases famosas. Essa não foi a única crítica fundamental da linguagem que mais tarde seria entusiasticamente retomada pelos pensadores pós-modernos.
Portanto, não é surpreendente que o filósofo explosivo também tenha abordado a palavra religião "cristianismo". Tal crítica à religião culmina na polêmica acirrada de O Anticristo, no qual ele, em suma, responsabiliza o cristianismo e a teologia por todos os males do Ocidente.
Especialistas advertem, porém, sobre considerar Nietzsche um anticristão. Pelo contrário, tudo indica que o filósofo queria salvar o cristianismo com seu ajuste de contas. Mas este é outro exemplo da abordagem robusta do pensador, que mostrou com seus escritos – como ele próprio intitulou numa de suas obras – "Como filosofar com um martelo".
Fama póstuma
Teria o radicalismo de seus escritos sido um produto do avanço de doenças mentais e neurológicas? De fato, o filósofo sofreu de enxaquecas severas por muitos anos. Uma doença do estômago também o incomodava e mais tarde ele quase ficou cego – possivelmente por causa de uma sífilis não curada.
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Após ter enviado mais e mais cartas e anotações com traços de megalomania, Nietzsche foi internado em clínicas psiquiátricas, primeiro em Basel e depois em Jena. Dos 45 anos em diante (1889), ele sofreu de uma doença mental que o incapacitou para o trabalho e negócios, tendo passado o resto da vida sob os cuidados da mãe e depois da irmã. Ele morreu aos 55 anos em 25 de agosto de 1900.
Friedrich Nietzsche não chegou a tomar conhecimento da fama alcançada no início da década de 1900. Sua obra, tão brilhante e diversa quanto seus leitores póstumos, foi administrada por sua irmã e única herdeira, Elisabeth-Förster-Nietzsche. Aparentemente, em parte por ignorância, em parte deliberadamente, ela conduziu uma publicação bastante seletiva dos escritos.
Assim, o Expressionismo descobriu o poder linguístico de Nietzsche e celebrou em particular o livro Assim falou Zaratustra. Mais tarde, tanto nazistas como fascistas, especialmente o ditador italiano Benito Mussolini, iriam se valer de conceitos como "moralidade do senhor" e "vontade de poder". Na Alemanha do pós-guerra, Nietzsche carregava para muitos a mácula da extrema direita.
Foram os filósofos da Itália e da França que redescobriram Nietzsche, como os existencialistas Jean-Paul-Sartre e Albert Camus. Posteriormente, pensadores como Jacques Derrida ou Gilles Deleuze também evocaram o pensamento do alemão. "Na mina deste pensador, pode-se encontrar todo tipo de metal", disse o filósofo italiano e coeditor das obras de Nietzsche, Giorgio Colli (1917-1979).
Helenismos e latinismos no alemão
Para muitas palavras de origem grega ou latina, há na língua alemã também um termo de raiz germânica. Além de enriquecer o idioma, isso facilita a compreensão e mostra "porque só é possível filosofar em alemão."
Foto: Michael Zaschka/gemeinfrei
"Astrologie" é "interpretação das estrelas"
Muitas vezes, a língua alemã contém um termo correspondente de origem germânica para uma palavra com raiz grega ou latina, os chamados helenismos. Como, por exemplo, para "Astrologie" ou astrologia, que na língua germânica também pode ser chamada de "Sterndeutung", de "Stern" = estrela e "Deutung" = interpretação. Ou seja, para os alemães, "Astrologie" é a "interpretação das estrelas".
Foto: Fotolia/Noel Powell
"Melancholie" é "dor do mundo"
Muitos desses helenismos chegaram ao alemão através do latim, e a partir daí foram transformados, muitas vezes por cientistas ou artistas, numa linguagem germanizada e pictórica, o que facilitou a compreensão por uma parcela maior da população. Um exemplo é o termo "Weltschmerz" ou "dor do mundo", cunhado pelo poeta Jean Paul (1763-1825) para descrever o estado da melancolia.
Foto: imago/emil umdorf
"Labyrinth" é o "jardim da perdição"
Em alemão, para o termo "Labyrinth" ou labirinto também pode ser usada a palavra "Irrgarten", do verbo "irren" = estar errado, perder-se; e "Garten" = jardim. Nesse caso, um labirinto seria então algo como um "jardim da perdição".
Foto: Fotolia/leungchopan
"Spital" é "casa de doentes"
No alemão falado na Suíça e na Áustria, a palavra usada para hospital é "Spital", mas na Alemanha, o termo usado é "Krankenhaus", de "Kranken" = doentes e "Haus" = casa, ou seja, uma "casa de doentes". É bom lembrar que na língua germânica, a palavra "Hospital" também existe, mas ela é hoje usada em partes da Alemanha para definir um asilo de idosos ou doentes.
Foto: Getty Images/China Photos
"Telefon" é "falador de longe"
Muitas vezes, na formação por justaposição, a palavra germânica recupera o significado inicial do termo grego, como em "Telefon" ou telefone. Em grego, "tele" é longe, e "fon" = voz, tom. Embora seja um termo antigo, ainda hoje se escutam senhores ou senhoras de idade usando em vez de "Telefon" a palavra "Fernsprecher", de "fern" = longe, e "Sprecher" = falador, aparelho que fala.
Foto: Museum für Kommunikation Berlin
"Onomatopöie" é "pintura do som"
Talvez boa parte dos alemães não saiba o que a figura de linguagem "Onomatopöie" ou onomatopeia significa, mas certamente a maior parte deles sabe o que é uma "Lautmalerei", de "Laute" = som, tom e "Malerei" = pintura. Assim, para um nativo da língua germânica, uma palavra como miau não é nada mais que uma "pintura do som".
A partir, sobretudo, do Renascimento muitos textos gregos e latinos foram traduzidos para o alemão, e a invenção da imprensa por Gutenberg possibilitou que tais escritos fossem lidos por uma parcela maior da população. Nada mais óbvio que facilitar a sua compreensão. Assim uma palavra como "Kalligrafie" (caligrafia) se tornou "Schönschrift", de "schön" = belo e "Schrift" = escrita.
Foto: picture-alliance/dpa
"Patriarchat" é "domínio dos pais"
Assim como no inglês, muitas vezes o uso de helenismos ou latinismos em alemão denota maior escolaridade, ou algumas vezes talvez maior presunção. De qualquer forma, para os que não preferirem usar o termo "Patriarchat" ou patriarcado, há também a palavra justaposta "Väterherrschaft", de "Väter" = pais e "Herrschaft" = domínio. Para um alemão, patriarcado nada mais é que o "domínio dos pais".
Foto: picture-alliance/dpa
"Xenophobie" é "hostilidade ao estrangeiro"
Uma palavra que volta regularmente aos noticiários é "Xenophobie" ou xenofobia, o seu uso, no entanto, é mais frequente na forma germanizada: "Fremdfeindlichkeit". De "Fremd" = estranho, estrangeiro; e "Feindlichkeit" = hostilidade, animosidade. Embora helenismos existam até mesmo antes que seu correspondente germânico, tais palavras são muitas vezes chamadas de "estrangeiras" pelos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
"Epitaph" é "inscrição na tumba"
Talvez nem toda criança saiba o que é um "Epitaph" ou epitáfio, mas todos podem compreender quando se fala em "Grabinschrift", de "Grab" = tumba e "Inschrift" =inscrição, ou seja, uma "inscrição na tumba". Aparentemente, o uso de uma linguagem pictórica remonta a algo bastante atávico, como faziam nossos antepassados indígenas, mas isso talvez explique "por que só é possível filosofar em alemão."