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Fronteiras culturais x políticas

Jefferson Chase (sv)24 de abril de 2008

Durante um simpósio organizado pelo Instituto Goethe, o historiador Konrad Jarausch explica, em entrevista à DW-WORLD.DE, por que os alemães se debruçam tanto sobre questões ligadas à cultura.

Programa do simpósio sobre cultura e nação: Schiller ao lado de um extintor de incêndioFoto: Spohler / Laif

Nascido em Magdeburg em 1941, Konrad Jarausch estudou nos EUA, onde foi professor de História Alemã em várias universidades. Até recentemente, ocupou também o cargo de diretor do Centro de Pesquisa de História Contemporânea da Universidade de Potsdam, na Alemanha.

Jarausch fala à DW-WORLD sobre um encontro que acontece durante três dias em Berlim, e tenta redefinir o conceito antiquado e nacionalista de kulturnation (literalmente: nação cultural).

DW-WORLD.DE: A palavra kulturnation é praticamente intraduzível para outros idiomas. Como você explicaria o conceito àqueles que não falam alemão?

Konrad Jarausch: A palavra conota uma nação definida mais pela proximidade cultural do que por um sistema político. Cultura é, obviamente, um termo complexo, que se estende desde a literatura, a arte e, especialmente no caso alemão, também a música, até hábitos como "o que fazer no Natal", quais canções você canta e todo esse tipo de coisa.

O conceito originou-se nos séculos 18 e 19 entre um grupo de políticos alemães, deixando implícito que a nação alemã dominada pela Prússia, em 1870, seria a culminação necessária de um desenvolvimento cultural.

Konrad Jarausch: libertar o debate do ranço nacionalistaFoto: ZZF

Sim, como você indicou, as raízes da palavra estão realmente no fim do século 18, num renascimento cultural, que tem realmente a ver com as elites e a nobreza, com seus olhares voltados para a França, e com o início de um movimento contrário, que enfatizava a língua alemã como idioma comum, criando uma literatura clássica em oposição à cultura francesa.

A primeira fase deste renascimento cultural foi cosmopolita e aberta. O problema começou cem anos mais tarde, quando já havia um Estado nacional, e o conceito começou a ser usado para chegar às pessoas que falavam o alemão ou tinham antecedentes alemães no Leste Europeu, na América Latina e no Meio Oeste norte-americano.

No universo anglo-americano, a cultura não é vista com uma conexão tão próxima do Estado-nação. O Terceiro Reich tirou proveito desta idéia. Está na hora de os alemães deixarem essa obsessão e essa fetichização da cultura?

O uso da língua não é congruente com as fronteiras políticas. Para uma pessoa cuja língua é o inglês isso não é um problema devido à história da Inglaterra, com todas suas antigas colônias. E porque as pessoas que falam inglês estão acostumadas a usar seu idioma como uma espécie de língua franca.

Mas se você voltar à Europa, os franceses, por exemplo, fizeram esforços consideráveis para que todas as pessoas da França continental falassem francês, incluindo os alsacianos, que queriam ser franceses politicamente, mas não culturalmente.

Ou seja, esse é mais um problema da Europa continental, onde se partia do princípio de que as fronteiras idiomáticas e culturais deveriam coincidir com as fronteiras políticas. Essa noção só criou problemas no século 20 e exerceu um papel importante nas duas Guerras Mundiais.

Cultura e nação: tema de debateFoto: AP

Hoje, há pessoas que falam alemão na Áustria, Suíça, numa pequena parte da Bélgica e alguns diriam que também em Luxemburgo. E penso que, uma vez compreendida a diferença, o conceito não precisa carregar essa conotação desagradável.

Durante a divisão da Alemanha, entre 1949 e 1989, escritores progressistas como Günter Grass, por exemplo, usavam a língua para enfatizar que o Leste e o Oeste alemães ainda mantinham algo em comum. Nesse caso, o idioma serviu como uma espécie de parêntese cultural, o que tornou possível a unificação do país em 1990. O que o assunto requer é uma abordagem sofisticada e não-nacionalista.

Há alguns anos, falou-se muito sobre a necessidade de uma leitkultur (cultura dominante), da qual os imigrantes deveriam também fazer parte. Qual é a diferença entre leitkultur e kulturstaat, um Estado cultural?

A noção de leitkultur implica que essa cultura pode ser também [formada por] outras culturas. A questão é: o que todas as pessoas que vivem nessa versão encolhida de um Estado-nação alemão, que foi refundado em 1990, têm que ter em comum? A suposição da esquerda sempre foi a de que seria suficiente estar subordinado a uma mesma Constituição.

O problema é que, quando se está vivendo numa espécie de mundo diferente, como um bairro em que a maioria das pessoas fala turco em Berlim, assistindo à TV turca e lendo jornais turcos, você é um algo como um ser extraterritorial. Essas pessoas se excluem. Elas não conseguem emprego e acabam formando uma nova classe social baixa. Ou seja, estamos falando aqui de estratificação social e oportunidades perdidas.

A questão é: o que deverá ser incluído na leitkultur? Eles têm que cantar Noite Feliz ao pé da árvore de Natal? Ou é suficiente se entenderem a Constituição, tratarem as mulheres como seres humanos e dominarem suficientemente bem o alemão, a ponto de se integrarem na economia do país?

É difícil definir fronteiras. Os conservadores querem estender o conceito de leitkultur, a fim de germanizar as pessoas que consideram estrangeiros. Acho que a esquerda começou a entender que há uma dimensão cultural da cidadania, que tem que ser aliada à questão da compreensão ou não dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição. A base do debate, acredito, é até onde deve ir essa dimensão cultural.

O simpósio que acontece no Instituto Goethe leva a algum resultado concreto? Ou são apenas discussões entre personalidades da área cultural?

Fatih Akin, diretor alemão de origem turcaFoto: picture-alliance / KPA Archival Collection

(Risos) Isso também faz parte, mas acredito que a discussão entre as personalidades do setor podem levar a uma mudança na compreensão comum da cultura. O Instituto Goethe representa a cultura alemã no exterior, mas definir o que significa essa cultura tem se tornado cada vez mais difícil. A definição turística de "canto tirolês, lederhose e cerveja" é apenas um reflexo do bavarianismo e não tem muito a ver com o que é realmente a Alemanha.

No passado, o Instituto Goethe desenvolveu uma inteligente estratégia de representar a diversidade da Alemanha, um país que não é homogêneo, nem tem uma cultura nacional facilmente compreensível, mas apresenta, antes de mais nada, uma gama que vai do folclore até os filmes contundentes de diretores como o turco-alemão Fatih Akin.

Eles também tentaram representar vozes críticas dentro da Alemanha e não apenas aquele tipo de autocongratulação, encontrável nas brochuras sobre uma Alemanha hi-tech, e mostrando o Estado do bem-estar social alemão como sendo melhor do que qualquer outro lugar do mundo.

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