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Fuga de senador boliviano para o Brasil leva à demissão de Antonio Patriota

Ericka de Sá, de Brasília27 de agosto de 2013

Saída do ministro das Relações Exteriores foi motivada por desgaste causado pela crise diplomática com a Bolívia. Patriota vai trocar de cargo com representante do Brasil na ONU, Luiz Alberto Figueiredo Machado.

Foto: REUTERS

O diplomata Antonio Patriota deixou o cargo de ministro das Relações Exteriores na noite desta segunda-feira (26/08). Ele agora será o representante brasileiro nas Nações Unidas, em Nova York, cargo até então ocupado por Luiz Alberto Figueiredo Machado, de 58 anos, que volta ao Brasil para assumir o cargo de chanceler.

A troca foi anunciada por meio de nota oficial publicada pelo Palácio do Planalto após uma reunião de cerca de uma hora entre a presidente Dilma Rousseff e Patriota.

A versão oficial é de que Dilma aceitou "pedido de demissão" de Patriota, a quem a presidente agradeceu "a dedicação e o empenho" durante os mais de dois anos como representante da política externa brasileira.

Novo ministro

Luiz Alberto Figueiredo Machado estava no posto em Nova York desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, quando atuou como negociador-chefe. Diplomata com mais de 30 anos de carreira, Figueiredo já atuou em postos em Washington, Santiago e Paris e, nos últimos anos, se dedicou especialmente a ambientais. Em 2007, ele foi negociador-chefe de reunião da ONU sobre mudanças climáticas, em Bonn.

Patriota teve conversa de 50 minutos com a presidente Dilma RousseffFoto: Reuters

De acordo com informações do Itamaraty, Figueiredo já está a caminho de Brasília, onde deve chegar nesta terça-feira. A cerimônia de posse e passagem de comando ainda não têm data para acontecer.

Mal-estar diplomático

A troca no comando da diplomacia brasileira aconteceu como consequência do mal-estar causado pela viagem ao Brasil do senador boliviano Roger Pinto Molina, que estava há 15 meses asilado na embaixada brasileira em La Paz. Ele havia pedido asilo na representação diplomática brasileira alegando ser perseguido pelo governo do presidente boliviano Evo Morales.

Este, por sua vez, argumenta que o pedido de asilo de Molina foi feito para que ele não precisasse responder, na Justiça, a "crimes de danos econômicos ao Estado", calculados em pelo menos US$ 1,7 milhões. O governo boliviano aponta que Molina responde a mais de 14 processos e foi condenado a um ano de prisão em um deles.

Morales não deu um salvo-conduto para que Molina deixasse a Bolívia (permissão para transitar pelo país latino-americano sem temores de ser preso).

Iniciativa de diplomata brasileiro

Acompanhado de Eduardo Saboia, encarregado de Negócios do Brasil na Bolívia, Molina chegou ao Brasil no sábado, em uma operação posta em prática por iniciativa do diplomata brasileiro.

Por meio de nota oficial divulgada no domingo (25/08), o Ministério de Relações Exteriores negou ter conhecimento do caso. O comunicado oficial também anunciava a abertura de inquérito para adoção de eventuais medidas administrativas e disciplinares contra Saboia, que foi afastado do cargo nesta segunda.

Luiz Alberto Figueiredo Machado será o novo ministro das Relações Exteriores do BrasilFoto: Cleide Kloxk

Apesar de orientado a não conversar com jornalistas, o diplomata brasileiro assumiu publicamente a responsabilidade pela ação. Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, ele disse que "havia risco iminente à vida e à dignidade" do senador boliviano, que estaria doente e falava em suicídio.

"Havia uma violação constante, crônica de direitos humanos, porque não havia perspectiva de saída, não havia negociação em curso e havia um problema de depressão que estava se agravando. Tivemos que chamar um médico e ele começou a falar de suicídio, ele dizia constantemente que queria que nós o tirássemos de lá e advogados dele também dizendo isso", afirmou o diplomata brasileiro, durante a entrevista.

Quebra de hierarquia

O governo boliviano classificou o caso como "grave" e avalia as próximas ações. Para chegar ao Brasil, Molina teria saído da Bolívia em um carro da embaixada brasileira, com escolta de fuzileiros navais, e percorrido 1.600 quilômetros até a cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

De lá, o senador viajou até Brasília em avião cedido pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro, Ricardo Ferraço, que disse também ter sido motivado por questões humanitárias a decidir ajudar o colega boliviano.

Doutor em História das Relações Internacionais, o professor da Universidade de Brasília (UnB), Pio Penna, avalia o episódio como "ousadia" do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, caso venha a ser confirmada sua versão. "Ele precisa agir de acordo com instruções que ele recebe do Brasil, a não ser que fosse um caso em que ele tivesse que decidir sem ter tempo de consultar seu superior, o que não era o caso porque ele [Molina] estava há 15 meses na Embaixada", disse à DW.

A deterioração do estado de saúde do senador Molina também foi apontada pelo senador brasileiro Ricardo Ferraço como fato determinante para a transferência. Em conversa com a DW, Ricardo Caldas, pós-doutor em Estudos Latino- Americanos e professor da Universidade de Brasília, avaliou que a iniciativa do diplomata brasileiro reflete uma situação extrema em que provavelmente se encontrava a sede representação brasileira em La Paz. "A embaixada tinha se tornado um local de risco. Ele [Saboia] era o responsável pela embaixada e tomou aquela atitude porque já havia um risco aos funcionários dele também", avaliou.

Sem abalo das relações Brasil-Bolívia

A ministra de Comunicação boliviana, Amanda Dávila, descartou mal-estar entre os dois países e culpou setores "ultraconservadores" de estarem tentando gerar uma crise diplomática a partir do caso, segundo relatou a agência oficial de notícias da Bolívia, ABI.

Presidente boliviano Evo Morales cogitou pedir extradição de senador oposicionista MolinaFoto: Reuters

Dávila disse que as relações Brasil-Bolívia se mantêm em tom de "absoluta cordialidade e respeito" e que o presidente Evo Morales seguirá expressando "seu afeto e todo seu respeito" à presidente Dilma Rousseff e ao governo brasileiro.

Para o professor Pio Penna, é preciso tratar o caso com cautela, mas ele descarta que o episódio venha a tomar proporções maiores, uma vez que as relações entre Brasil e Bolívia são "antigas e fortes".

O respeito ao asilo, na avaliação de Penna, é "muito comum na história dos países do Cone Sul, onde já existe uma tradição".

Brasil e Bolívia estiveram envolvidos em outro imbróglio diplomático quando torcedores do Corinthians foram presos na cidade boliviana de Oruro após a morte do jovem boliviano Kevin Espada, durante uma partida entre o clube brasileiro e os bolivianos do San José, válido pela Taça Libertadores da América.

O Itamaraty atuou diretamente no caso, que foi encerrado no início deste mês, com a libertação dos torcedores que estavam presos desde fevereiro deste ano.

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