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Fukushima poderia ter causado 30 anos de caos, diz ex-premiê

Gabriel Dominguez (av)11 de março de 2016

Tragédia de março de 2011 mudou radicalmente opinião que o então primeiro-ministro Naoto Kan tinha sobre a energia nuclear. "Ela é a forma mais perigosa de produção, e o risco é grande demais", afirma em entrevista à DW.

Naoto Kan era chefe de governo do Japão na época da catástrofe de FukushimaFoto: Imago/Xinhua

Em 11 de março de 2011, um terremoto de magnitude 9 e o subsequente tsunami causaram sérios danos aos reatores da usina nuclear Fukushima-Daiichi, no litoral leste do Japão. No dia seguinte começaram uma série de explosões e incêndios, com vazamento de material radioativo, forçando a evacuação num raio de até 30 quilômetros, com o desalojamento de cerca de 200 mil pessoas.

Na sequência do desastre, o país inicialmente se afastou da produção termonuclear de eletricidade. Há cerca de um ano, contudo, o primeiro-ministro Shinzo Abe anunciou a intenção de voltar a ligar gradativamente os reatores do país.

Naoto Kan, do Partido Democrático do Japão (DPJ), era o primeiro-ministro japonês quando a tragédia aconteceu. Ele permaneceu no cargo de 8 de junho de 2010 a 2 de setembro de 2011. Em entrevista exclusiva à DW, ele revela como a catástrofe alterou a visão que tinha da energia atômica e dos perigos que ela envolve.

"Considero a energia nuclear a forma mais perigosa de produção de energia, e o risco é grande demais para se continuar empregando essa técnica." Em nível nacional e internacional, Kan se empenha em propagar sua defesa das fontes renováveis, numa luta em que a reforma energética em curso na Alemanha serve como exemplo e inspiração.

DW: O que o Japão deveria ter aprendido com o desastre nuclear de Fukushima, e o que aprendeu de fato?

Naoto Kan: Infelizmente tenho a impressão de que nem os especialistas japoneses nem a população tiraram lições suficientes da catástrofe. Se o acidente tivesse tido proporções apenas um pouco maiores, teria sido preciso evacuar os habitantes num raio de 250 quilômetros, por um longo prazo. Isso afetaria a área de Tóquio e, portanto, 50 milhões de pessoas. Danos tão colossais normalmente só ocorrem depois de uma derrota bélica avassaladora.

Porém muitos especialistas e cidadãos japoneses fecham os olhos diante desse enorme risco: eles ou não querem pensar no assunto, ou querem esquecê-lo o mais depressa possível. Esse é o clima generalizado.

Como a crise de Fukushima alterou sua visão da energia nuclear e seus riscos, em especial num país exposto a abalos sísmicos como o Japão?

Antes da catástrofe, eu acreditava que, no Japão, não fosse possível um acidente atômico grave, pois a nossa tecnologia é muito avançada. Eu achava que bastava lidar com ela de maneira cuidadosa. No entanto houve o grave acidente com os reatores de Fukushima, e mais de 200 mil pessoas tiveram que ser evacuadas. Bastaria a gravidade ter sido um pouquinho maior para precipitar o país no caos pelos próximos 20 a 30 anos.

A catástrofe de Fukushima

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O acidente mudou minha visão fundamentalmente. Considero a energia nuclear a forma mais perigosa de produção de energia, e o risco é grande demais para se continuar empregando essa técnica. Eu tento propagar esse ponto de vista da melhor forma possível, dentro e fora do país.

O que acha do plano de Abe de recolocar em funcionamento os reatores nucleares no Japão? O país está pronto para esse passo?

Sou contra a reativação dos reatores japoneses. Por um lado, pelo fato de ainda não terem sido devidamente investigados os motivos exatos do acidente de Fukushima e suas vastas consequências. Por outro lado, com a retomada da energia termonuclear aumenta o perigo de um novo acidente.

Há no Japão uma alternativa real para a energia nuclear, neste momento?

No momento não se produz nenhuma energia atômica, e no entanto estamos suficientemente abastecidos com eletricidade. A produção energética parte hoje principalmente do petróleo e gás natural, mas, no longo prazo, seria possível uma reorientação para as fontes renováveis, como a solar ou eólica.

Em seguida à catástrofe atômica, eu encaminhei uma lei de apoio às energias alternativas, que prevê preços fixos para o fornecimento à rede da eletricidade produzida de forma alternativa. Depois disso cresceu enormemente o número dos fornecedores comerciais dispostos a produzir energias alternativas. Por isso estou convencido de que, dentro de dez anos, seremos capazes de produzir tanta ou mais eletricidade do que antes, com as usinas atômicas.

Local do desastre nuclear é hoje um dos canteiros de obras mais perigosos do mundoFoto: CC BY-SA 2.0/IAEA/David Osborn

Diz-se que o lobby atômico japonês tem forte influência sobre a política e a mídia. Qual é sua opinião a respeito?

Antes da catástrofe de Fukushima, muitos japoneses acreditavam que a energia atômica fosse barata e segura. Contudo agora ficou óbvio que as centrais nucleares são perigosas, e seus custos, altos em relação a outras formas de energia.

Na verdade, essa constatação deveria bastar para que se abandone a energia atômica. Contudo a indústria do setor não estava disposta a renunciar aos privilégios e margens de lucro que tinha até então, e influenciou políticos e mídia através de campanhas. Assim, hoje, mais da metade do povo japonês é a favor do abandono da energia nuclear, mas não a maioria dos deputados no Parlamento. Eu quero mudar isso, e me engajo contra o poder do lobby atômico.

As medidas de segurança contra catástrofes naturais nas usinas japonesas foram aprimoradas? Como vê o problema do depósito definitivo para os resíduos atômicos?

Foram adotadas medidas de segurança adicionais contra catástrofes naturais. Por exemplo, a elevação dos geradores de emergência, que em Fukushima estavam localizados baixo demais; ou a construção de muros de proteção mais altos. Mas isso não basta, em absoluto. Pois uma das causas da catástrofe de Fukushima foi o colapso do abastecimento de eletricidade externo. Hoje em dia ainda pode acontecer, a qualquer momento, que postes de alta tensão tombem, devido a terremotos.

Japão retoma produção de energia nuclear

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No Japão não há planos nem resoluções quanto ao um depósito definitivo de lixo atômico. Os bastões de combustível irradiados são geralmente armazenados em piscinas de estocagem nas proximidades dos reatores. O espaço nelas está apertado, e a questão do depósito final não foi esclarecida. Pode-se comparar a situação a uma moradia sem instalações sanitárias. Portanto, mesmo que se reativasse a usina, não haveria como eliminar os resíduos nucleares.

A Alemanha empreendeu uma reforma energética radical, depois de Fukushima, decidindo abandonar a energia nuclear. O Japão pode aprender algo com alemães, na transição da fonte termonuclear para as renováveis?

A afirmativa do lobby, de que a energia nuclear seria menos custosa do que o petróleo ou o gás natural, é inegavelmente falsa. Hoje, muitos especialistas também já admitem isso. Computadas as indenizações por acidentes ou os custos do depósito final, ela é mais cara que as fontes fósseis.

Peritos inspecionam usina Daiichi em abril de 2013Foto: CC BY-SA 2.0/ Greg Webb / IAEA

Semelhante à Alemanha, também no Japão a tecnologia para extração de energias renováveis está muito desenvolvida. Mas, infelizmente, só 20 anos depois da Alemanha nós estabelecemos tarifas fixas para a energia alternativa distribuída na rede. Isso foi em seguida à catástrofe de Fukushima.

Entretanto, nos mais de três anos desde então, já foram requeridas licenças para funcionamento de usinas alternativas e instalações eólicas e fotovoltaicas com capacidade total de 70 milhões de kilowatts/hora. Ou seja: nós começamos atrasados, mas queremos nos voltar para as fontes renováveis.

A Alemanha é um modelo com que podemos aprender: nela, muitos cidadãos participam da produção e desenvolvimento de energias renováveis, o que deu respaldo à política para decidir o abandono da energia termonuclear. Por esse motivo, quero saber mais sobre como os alemães chegaram a essa convicção e, por fim, a essa decisão.

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