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Esporte

Futebol alemão de luto pelo goleiro do "Wembley-Tor"

7 de janeiro de 2020

A carreira de Hans Tilkowski foi marcada pelo mais polêmico gol fantasma da história, que abriu caminho para o triunfo da Inglaterra na Copa de 1966. Mas seria injusto reduzir sua trajetória ao famoso Gol de Wembley.

O goleiro Hans Tilkowski no momento do famoso Gol de Wembley, na final da Copa de 1966
O goleiro Hans Tilkowski no momento do famoso Gol de Wembley, na final da Copa de 1966Foto: picture-alliance/dpa

Wembley-Tor é uma palavra que foi incorporada à língua alemã logo depois da Copa do Mundo de 1966 e se refere ao mais polêmico gol fantasma da história do futebol mundial. O Gol de Wembley, como passou a ser conhecido desde então, aconteceu na final da Copa, entre Inglaterra e Alemanha. Até hoje é um dos lances mais célebres e discutidos na história do esporte.

Na Alemanha, um protagonista é imediatamente lembrado quando o assunto vem à tona. Trata-se de Hans Tilkowski, excepcional goleiro da seleção alemã, que até o fim de sua vida, repetia à exaustão: "A bola não entrou."

Tilkowski morreu domingo último, aos 84 anos, em Herne, sua cidade natal, perto de Dortmund. Queira ou não, sua carreira ficou indelevelmente marcada por aquele gol de Geoff Hurst, aos 11 minutos da prorrogação – gol esse que abriu caminho para o triunfo da Inglaterra por 4 a 2.

Anos mais tarde, Tilkowski e Hurst se tornaram amigos. Recentemente tiveram um encontro no moderníssimo Wembley Stadium e tiveram que ouvir pela enésima vez a pergunta que não pode calar: afinal, aquela bola entrou ou não entrou?

Certamente foi a pergunta mais ouvida pelo goleiro, e ele até cunhou uma resposta padrão, sem dar maiores explicações, que, desde então, acabou se tornando o seu bordão: "A bola não entrou."

Conversando com jornalistas há alguns anos, ele disse, com aquele seu sorriso maroto característico: "Se eu tivesse cobrado um marco (moeda alemã da época) cada vez que alguém vinha com essa pergunta, teria ficado milionário."

Fato é, que a moderna tecnologia atualmente à disposição aplicada à cena do Wembley-Tor provou por A+B que, de fato, a bola não ultrapassou por inteiro a linha do gol. Tilkowski estava certo.

Seria injusto, porém, reduzir a trajetória do goleirão ao momento mais infeliz de sua brilhante e obstinada carreira. Tilkowski veio de uma família de operários da região do Ruhr e experimentou desde a mais tenra idade as privações impostas à classe trabalhadora. Seu pai, durante décadas, trabalhou duro e sob condições extremamente insalubres nas minas de carvão da região para que a família tivesse condições mínimas de viver com alguma dignidade.

A carreira do goleiro começou a deslanchar mesmo no Westfalia Herne, clube do oeste da Alemanha que chegou a disputar a fase final do campeonato alemão em 1959 e 1960. Ficou sete anos defendendo as cores do time de sua cidade natal  antes de se transferir para o Borussia Dortmund em 1963, no qual ficou até 1967.

Foi no clube aurinegro que Tilkowski obteve suas maiores conquistas. Em 1965 venceu a Copa da Alemanha, além de ter sido eleito Melhor Jogador do Ano pelos jornalistas esportivos alemães.

Em 1966, conquistou com o Borussia Dortmund a Recopa, depois de vitória surpreendente em Glasgow sobre o Liverpool por 2 a 1, triunfo esse obtido em grande parte também pelo desempenho fora de série de Tilkowski. Foi o primeiro título levantado por um time alemão na história das copas europeias.    

Exaurido por essa final europeia no começo de maio daquele ano, o Borussia Dortmund perdeu fôlego nas últimas três rodadas da Bundesliga e acabou cedendo o título de campeão ao 1860 Munique.

Em meados de 1970, Tilkowski pendurou as chuteiras e tentou por alguns anos a sua sorte como técnico. Dirigiu times como Werder Bremen, 1860 Munique, Nuremberg, Saarbrücken e AEK Atenas, mas nunca foi feliz no ofício.

Após 26 anos de carreira (15 como jogador e 11 como técnico), encerrou sua relação profissional com o futebol em 1981 e, na ocasião, fez uma constatação amarga sobre o esporte das multidões: "O mundo do futebol altamente profissionalizado não é o meu mundo. Cada vez mais o dinheiro determina quais decisões devem ser tomadas no campo esportivo. As exigências financeiras de muitos jogadores são desproporcionais ao seu rendimento apresentado em campo. Se eu continuar neste negócio, acabarei tendo uma úlcera, porque vou precisar engolir muito sapo. Prefiro ir embora."

Desde 1982, Tilkowski se dedicou incansavelmente a obras caritativas. Passou a organizar inúmeras ações sociais. Um dos pontos altos dos seus projetos beneficentes foi realizado no Westfalenstadion de Dortmund em 1989, com o jogo entre uma seleção do Ruhr e uma seleção internacional. Foram arrecadados naquela noite mais de 300.000 marcos alemães doados posteriormente ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Calcula-se que com seus eventos caritativos, Tilkowski tenha conseguido angariar mais de um milhão de euros para ONGs alemãs e internacionais, empenhadas na missão de dar uma resposta às necessidades das crianças e contribuir para o seu desenvolvimento.

Em Herne, sua cidade natal, onde viveu até o fim da vida, uma escola pública leva o seu nome desde 2008. 

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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