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Futebol e política se misturam sim senhor

2 de junho de 2020

Em vez de punir jogadores que se manifestaram em campo após a morte de George Floyd, a Federação Alemã de Futebol deveria reconhecer que a luta contra o racismo é infinitamente maior do que regras disciplinares.

"Justiça por George Floyd": Jadon Sancho, do Dortmund, exibiu camiseta após marcar gol contra o Paderborn
"Justiça por George Floyd": Jadon Sancho, do Dortmund, exibiu camiseta após marcar gol contra o PaderbornFoto: Reuters/L. Baron

Era um jogo sem muita importância. Dificilmente haveria manchetes nos jornais e chamadas nas home pages dos grandes portais noticiosos. Afinal, quem se interessaria por um confronto entre Borussia Dortmund e Paderborn, o lanterna da Bundesliga, já com destino certo rumo à segunda divisão?

O New York Times, em sua edição online do último domingo, se interessou. Estampou a imagem de Jadon Sancho, jogador aurinegro, bem no alto da página. Não foi pelos três gols que marcou, mas porque tirou a camisa do clube e mostrou ao mundo inteiro o que constava na sua camiseta de baixo: "Justice for George Floyd."

A excepcional atuação de Sancho foi relegada a um plano secundário por conta de um gesto solidário contra o racismo visto pela TV por quiçá milhões de torcedores ao redor do planeta. Achraf Kahimi, seu colega de time, protestou da mesma forma.

Marcos Thuram, do Borussia M'Gladbach, se ajoelhou no gramado após marcar seu primeiro gol contra o Union Berlim, emulando o gesto do jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que em 2016, durante a execução do hino nacional dos Estados Unidos, se ajoelhou para protestar contra a opressão sofrida pelos negros e a violência da polícia americana. 

Weston McKennie, jogador norte-americano do Schalke 04, durante o segundo tempo da partida de sua equipe contra o Werder Bremen no último fim de semana, ostentava uma braçadeira com dizeres que reverberam nas redes sociais: "Justice for George Floyd." Na sua conta do Twitter escreveu: "Sinto-me muito bem ao utilizar minha plataforma com o objetivo de chamar a atenção de todos para um problema que existe há tanto tempo [o racismo]."

Esses quatro jogadores da Bundesliga fizeram a coisa certa logo depois de terem visto a ação premeditada de um policial em Minneapolis que, durante intermináveis nove minutos, pressionou seu joelho contra o pescoço de Floyd, provocando sua morte por asfixia.

Fizeram a coisa certa, porque na Alemanha, nos Estados Unidos, no Brasil e em tantos outros países mundo afora, o racismo é um dos grandes problemas que afligem a sociedade.

A Bundesliga e a Federação Alemã de Futebol fazem campanhas oficiais pelo menos uma vez por ano com os próprios jogadores para sensibilizar a opinião pública com temas referentes a racismo, integração e tolerância. Cultivam a imagem do bom mocismo, mas ao mesmo tempo fecham os olhos quando se trata do desrespeito sistemático aos direitos humanos no Catar, país-sede da próxima Copa do Mundo e copatrocinador do Bayern de Munique. 

Cabe lembrar ainda que os dirigentes do futebol alemão moveram mundos e fundos junto a políticos de todos os níveis com o objetivo de obter a autorização governamental para o reinício do campeonato, que foi interrompido em meados de março por conta do covid-19. Não hesitaram em fazer política através de um poderoso lobby do futebol poucas vezes visto na história recente do Parlamento alemão.     

Agora chega a notícia de que o Comitê de Controle Disciplinar da Federação Alemã de Futebol vai se reunir nos próximos dias para definir se cabe punição aos jogadores por terem infringido a regra que proíbe qualquer manifestação política durante uma partida de futebol.

Em vez de aplaudir o gesto dos jogadores por terem se engajado na luta por um valor universal, o da igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza, a cartolagem abre um inquérito mesquinho para eventualmente punir os atletas. É o mesmo tipo de mesquinharia do juiz quando mostra um cartão amarelo ao jogador porque comemorou seu gol tirando a camisa.

A Federação Alemã de Futebol faria bem se finalmente reconhecesse que todo e qualquer movimento contra o racismo é infinitamente maior do que as regrinhas dos manuais disciplinares de um jogo de futebol escritos pelos burocratas de plantão.

Lembrando Camões: "Cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta!"

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