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Günter Grass é inspiração para escritores brasileiros

Karina Gomes13 de abril de 2015

Com ironia e originalidade, Nobel de Literatura alemão influenciou autores como Lya Luft e Milton Hatoum. Inovação, estilo e engajamento político daquele que instou Alemanha a não esconder passado servem de referência.

Foto: picture-alliance/dpa/Gambarini

O último livro do escritor alemão Günter Grass foi Grimms Wörter (Palavras de Grimm, em tradução livre), publicado em 2010 e ainda não traduzido no Brasil. No final da obra, o Nobel de Literatura se vale de palavras do poeta barroco Andreas Gryphius para caracterizar a morte como "marco fronteiriço de todo poder, meta final de toda aspiração".

"Considero o livro uma despedida. É uma espécie de testamento literário", diz Marcus Mazzari, professor de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, autor de um livro e de ensaios sobre a obra de Günter Grass. O autor morreu aos 87 anos nesta segunda-feira (13/04), em Lübeck, na Alemanha.

Seu romance de estreia, O tambor (1959), renovou a literatura alemã no pós-guerra. Em meio ao rastro de destruição, o protagonista Oskar Matzerath – um menino interno de um hospício – se recusa a crescer e a entrar na sociedade dos adultos.

"Grass tem uma certa ironia muito sutil. O livro teve um enorme impacto sobre mim pela imaginação, ousadia e originalidade do autor. Minha admiração por Grass foi e continua sendo imensa", disse à DW Brasil a escritora brasileira Lya Luft, que traduziu quatro romances de Grass, entre eles, Um Campo Vasto (Editora Record), que satiriza a reunificação alemã.

De todos os autores alemães que traduziu, entre eles Bertold Brecht e Thomas Mann, Grass sempre ocupou posição de destaque para Luft. "A principal influência dele reside na inovação, no estilo, na franqueza e em críticas sutis ou claras a certos establishments."

Grass propôs uma forma peculiar de recontar histórias e, assim, rompeu com um dos mais importantes aspectos da tradição literária alemã: o romance de formação, iniciado por Goethe. No gênero, apresenta-se em detalhes o desenvolvimento físico, moral, psicológico e político do personagem.

"O protagonista [de O tambor] Oskar Matzerath tocando o tambor em meio ao burburinho geral do mundo lá fora e da alma aqui dentro é uma das maiores ironias ao universo cultural e filosófico da tradição alemã", exemplifica o escritor e tradutor Marcelo Backes, doutor em Germanística e Romanística pela Universidade de Freiburg.

"A implacável crítica à tradição mais prestigiosa do romance alemão também se revela, do ponto vista político, como uma poderosa 'literatura de advertência'", observa Mazzari.

Essa quebra de estrutura narrativa também é percebida de forma indireta no romance realista Dois Irmãos (2000), do escritor brasileiro Milton Hatoum.

Polêmico e criticado

Premiado com o Nobel de Literatura em 1999, Grass sempre foi engajado politicamente. O escritor era a favor de ideias de esquerda, defendeu refugiados e se posicionou sobre guerras em todo o mundo. Seu principal papel como observador crítico foi instar a Alemanha a não esconder o passado nazista.

Mas o escritor, considerado um ícone moral da Alemanha, revelou seu próprio segredo apenas em 2006, na autobiografia intitulada Nas Peles da Cebola. Aos 17 anos, Grass foi recrutado pela Waffen-SS, uma organização paramilitar ligada ao partido nazista. "Isso pesava sobre mim", disse ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung.

A revelação provocou duras críticas, com adjetivos como "hipócrita". "Achei patética a reação à 'revelação'", afirma Luft. "Provavelmente não havia outro caminho nem saída naquele momento. Ele próprio se declarou assombrado com a repercussão. Considero uma indignidade."

Em 2012, o poema O que deve ser dito rendeu a Grass acusações de antissemitismo. No texto, ele diz que Israel coloca em risco a precária paz mundial e acusa o país de planejar um ataque atômico preventivo contra o Irã.

"Alguém que pertenceu à SS tem direito de fazê-lo? Em meio ao burburinho, esqueceram-se de que ele também criticou a Alemanha por fornecer submarinos às forças israelenses", avalia Backes. "Grass gostava da polêmica e achava que era parte da atividade de escritor interferir no destino político do mundo e assumir o papel de consciência da nação."

Para Luft, o engajamento político e a dedicação à literatura sempre formaram uma unidade, "o que lhe dá ainda mais destaque".

A polêmica que Grass e sua obra provocariam em todo mundo ficou evidente já numa das primeiras resenhas sobre O tambor. O jovem escritor teria con­quistado "o direito de ser execrado como um escândalo satânico ou então enaltecido como escritor de primeira grandeza", escreveu Hans Magnus Enzensberger, um grande intelectual alemão.

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