G7 fracassa em convencer EUA a ampliar retiradas de Cabul
25 de agosto de 2021
Washington alega risco de ataques, caso permanência no Afeganistão seja estendida. Grupo de nações se limita a dar alertas ao Talibã e fala em "assegurar passagem" aos que queiram deixar o país, sem apresentar plano.
Anúncio
Os demais líderes dos países que integram o grupo do G7 – que inclui as sete nações mais industrializados do mundo – fracassaram ao tentar convencer o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a prolongar o prazo final para a retirada de milhares de pessoas que aguardam uma chance de fugir do país, após a tomada de poder pelo Talibã.
Nesta terça-feira (27/08), Biden afirmou a seus colegas no encontro virtual do G7 que os EUA estão "em marcha" para completar sua retirada até 31 de agosto.
Segundo a Casa Branca, um plano de contingência está em elaboração, caso esse prazo – estabelecido pelos próprios americanos – não possa ser cumprido. O Talibã, por sua vez, já deixou claro que rejeita qualquer ampliação de prazo.
Biden também informou que completar a retirada até o final do mês vai depender de uma "coordenação contínua" com o Talibã, para garantir o acesso das pessoas ao aeroporto de Cabul, onde a situação ainda é de caos.
A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse que Biden justificou a manutenção do prazo ao alertar para um risco cada vez maior de um ataque por parte de militantes de uma célula ligada ao "Estado Islâmico" (EI) ao aeroporto de Cabul.
Em uma pouco enfática demonstração de unidade, os líderes do G7 chegaram a um acordo sobre as condições para reconhecer e lidar com um futuro governo afegão liderado pelo Talibã.
EUA controlam as decisões
Entretanto, era palpável a decepção, após não conseguirem convencer Biden sobre a necessidade de estender as operações em Cabul para permitir que milhares de americanos, europeus, afegãos e cidadãos de outros países pudessem ser retirados.
O encontro virtual reuniu líderes de Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão e Estados Unidos, além da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, do Conselho Europeu, Charles Michel, do secretário-geral da ONU, António Guterres e da Otan, Jens Stoltenberg.
Como o Talibã se financia?
02:28
A reunião desta terça-feira serviu não apenas para selar o fim de 20 anos de intervenção do Ocidente no Afeganistão, mas também para comprovar que são os americanos, e não os europeus, que têm o poder de decisão no que diz respeito à situação no país da Ásia Central.
Em uma vaga declaração conjunta divulgada após o encontro, os líderes afirmaram que a prioridade imediata é "garantir a remoção segura de nossos cidadãos e dos afegãos que estiveram ao nosso lado e contribuíram com nossos esforços nos últimos 20 anos, além de assegurar uma passagem segura para fora do Afeganistão”.
Mas, faltou esclarecer de que forma seria possível garantir a segurança dos que desejam deixar o país, sem a ajuda de forças militares externas.
O G7 afirmou que as lideranças afegãs serão "julgadas por suas ações, não por suas palavras", em referência a alertas dados anteriormente para que o Talibã não reimponha um regime repressor, como ocorreu entre 1996 e 2001, até a intervenção militar dos EUA.
Anúncio
Alemanha amplia ajuda humanitária
"Reafirmamos que o Talibã será responsabilizado por suas ações em evitar o terrorismo, em questões de direitos humanos e , particularmente, dos direitos das mulheres, meninas e minorias, assim como pela busca por uma solução para a inclusão política no Afeganistão", diz o texto.
"A legitimidade de um futuro governo dependerá da abordagem a ser adotada para o cumprimento de suas obrigações internacionais e dos compromissos para assegurar a estabilidade”.
Os países do G7 asseguraram que continuarão comprometidos com o Afeganistão e apoiarão as Nações Unidas a coordenarem a ajuda humanitária na região.
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, disse que apesar de as conversas não resultarem em uma nova data para o fim das retiradas, foi extensamente discutida a possibilidade de um aeroporto administrado por civis em Cabul ser utilizado após 31 de agosto.
A Alemanha aumentou para 500 milhões de euros o valor de sua ajuda humanitária para a região, após já ter prometido outros 100 milhões de euros destinados à ajuda emergencial para refugiados dentro e fora do Afeganistão, através de organizações humanitárias.
Talibã quer evitar "fuga de cérebros"
Também nesta terça-feira, o Talibã pediu aos seus cidadãos que não deixem o país, e reforçou sua rejeição a uma extensão do prazo para a evacuação dos estrangeiros.
Um porta-voz do grupo alertou os EUA para que deixassem de retirar do país os "especialistas afegãos", como engenheiros e médicos. "Precisamos do conhecimento deles. Eles não podem ser levados para outros países", afirmou.
Desde 14 de agosto, quando o Talibã tomou Cabul, até esta terça-feira, os EUA removeram em torno de 58 mil pessoas do Afeganistão, incluindo mais de 4 mil americanos. Milhares de pessoas também foram retiradas por países europeus como Alemanha, França e Reino Unido.
rc (AP, Reuters, DPA)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.