Autoridades investigam a possibilidade de o acidente com o ATR da Voepass ter sido causado por acúmulo de gelo na aeronave. Especialistas apontam que falha em sistemas de proteção podem ter consequências sérias.
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A formação de gelo é uma das principais hipóteses na investigação do acidente com o ATR-72 da Voepass, que caiu em Vinhedo, no interior de São Paulo, e resultou na morte de todas as 62 pessoas a bordo – incluindo quatro tripulantes.
Segundo uma análise do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o avião voou entre oito e dez minutos dentro de uma zona crítica para a formação de gelo, o que pode ter afetado o desempenho da aeronave. Além disso, o avião havia passado por uma região de ventania intensa e grande variação de temperatura.
Especialistas ouvidos pela DW, porém, afirmam que "a formação de gelo é algo comum na aviação". De acordo com Jozué Vieira Filho, diretor e professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), os aviões comerciais são preparados para condições extremas como a formação de gelo durante o voo.
As aeronaves, de acordo com Vieira Filho, "têm um sistema antigelo nas partes que não podem congelar" e um sistema de degelo que atua quando há acúmulo de água congelada em determinadas áreas da fuselagem – como as asas, por exemplo. "O avião tem detector para informar o piloto que está tendo condição de gelo. Então assim, é completamente normal voar numa situação de gelo", assegura.
O professor da Faculdade de Engenharia Aeronáutica da Universidade de São Paulo (USP) James Waterhouse ressalta que os sistemas antigelo e de degelo começaram a ser desenvolvidos nos aviões desde a Segunda Guerra Mundial.
"Esses dois sistemas são fundamentais hoje em dia para todo e qualquer avião comercial. Não existe um avião comercial que esteja certificado a voar que não tenha um sistema de degelo, a não ser monomotores, aviões muito pequenos", acrescenta Waterhouse.
Precaução em países muito frios
Em países onde o inverno é muito rigoroso – o que não é o caso do Brasil –, os aviões passam por um processo de descongelamento antes da decolagem. Isso porque, segundo os especialistas, os sistemas antigelo e de degelo são mais eficientes durante o voo.
"Os aviões comerciais têm um sistema de degelo bastante eficiente para o voo, mas eles não são tão eficientes na fase de decolagem. Então, esses aviões recebem um tratamento de degelo durante o inverno. Antes da decolagem, eles tomam um banho de glicol para degelar a fuselagem. E aí, uma vez que eles estão no ar, o sistema de degelo do próprio avião é eficiente, então você cobre uma brecha", exemplifica Waterhouse.
O que acontece se os sistemas antigelo falharem?
Durante o voo, uma falha nos sistemas antigelo e de degelo pode ter consequências sérias para a operação, afetando, entre outros, a aerodinâmica da aeronave. "A primeira consequência é o aumento de peso, porque, afinal, a água gelada pesa", afirma Waterhouse.
"Depois o gelo tem uma característica de aumentar muito o atrito do avião com o ar, então ele vai diminuindo a velocidade, ficando difícil dos motores tracionarem o avião na mesma velocidade", afirma Waterhouse, que acrescenta que o gelo reduz a sustentação do avião e "pode também bloquear os instrumentos".
O professor Josué Vieira Filho recorda que uma aeronave ATR – modelo semelhante ao envolvido na tragédia em Vinhedo – sofreu um acidente há 30 anos, nos Estados Unidos. Na época, as investigações indicaram que o motivo foi o acúmulo de gelo nas asas. Após esse episódio, as autoridades da aviação implementaram melhorias na regulação e no sistema antigelo dos ATRs.
Aviões como os modelos ATR 72, que voam com velocidades menores e em altitudes mais baixas e mais propensas à formação de gelo, possuem dois sistemas para lidar com esse aspecto, um elétrico antigelo, que protege pára-brisa e sensores, e um pneumático de degelo, no qual câmaras de borrachas instaladas nas asas e no estabilizador horizontal inflam com ar quente para quebrar o gelo. Procedimento padrão, esse sistema precisa ser acionado manualmente.
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Gelo pode contribuir para um acidente aéreo
Em um cenário de falha nos sistemas do avião, a água congelada pode "contribuir para um acidente" aéreo, segundo Vieira Filho. "Porém, o gelo não derruba um avião", ressalta.
"De fato, em condições de gelo, você pode ter problemas até nos sistemas de antigelo e de degelo, que podem não funcionar. Mas assim, o problema foi no avião. Não que o gelo o derrubou de fato, não é um fator que vai ser determinante. É contribuinte", explica Vieira Filho.
Já Waterhouse afirma que o gelo pode provocar a queda de um avião. "Existem dezenas de acidentes mundiais causados pela formação de gelo. Aliás, todos os anos o gelo provoca quedas e acidentes de aviões, geralmente aviões menores, mas em aviões grandes também já provocou muitos acidentes gravíssimos fatais, outros não", argumenta.
Waterhouse diz ainda que, se houver qualquer falha no sistema antigelo ou de degelo, ou se esses sistemas não forem ligados, "o gelo será o principal fator contribuinte" para um acidente e "vai provocar a queda do avião".
Causas de acidentes aéreos no mundo
Em um relatório de setembro do ano passado, a Boeing – uma das maiores fabricantes de aeronaves no mundo – apresentou as principais causas de acidentes aéreos fatais entre 2013 e 2022. Sem especificar se o gelo foi ou não um fator agravante nesses casos, o relatório revela a "perda de controle durante o voo" como a principal ocorrência, com mais de 750 acidentes.
Em seguida, aparece a "falha ou mal funcionamento de sistemas ou componentes não relacionados ao motor" (158); "saídas da pista na decolagem ou pouso" (134); e situações "ligadas ao combustível" (71).
Tragédias aéreas que chocaram o mundo
O avião é um dos meios de transporte mais seguros do mundo, mas desastres aéreos, quando acontecem, costumam envolver um grande número de vítimas. Relembre acidentes dos últimos 70 anos que entraram para a história.
Foto: picture-alliance/C. Daughty
Tragédia mata time base da seleção italiana
Há 70 anos, em 4 de maio de 1949, o avião que levava o time do Torino, então tetracampeão italiano, após um amistoso contra o Benfica, em Lisboa, se chocou contra a Basílica de Superga, em Turim. O acidente matou as 31 pessoas a bordo, incluindo 18 jogadores e cinco integrantes da comissão técnica. O Torino era considerado a melhor equipe de futebol do mundo e formava a base da seleção italiana.
Foto: picture-alliance/dpa
Milagre após 73 dias perdidos nos Andes
Em 13 de outubro de 1972, 45 pessoas – jogadores de um clube de rugby e familiares –partiram de Montevidéu em um avião da Força Aérea Uruguaia rumo ao Chile. A aeronave caiu nos Andes, causando na hora a morte de 12 pessoas e de outras 17 nos dias seguintes. No entanto, 16 homens sobreviveram a 73 dias na neve e foram resgatados após dois deles terem deixado o acampamento para pedir socorro.
Foto: AFP/Getty Images
O maior número de vítimas da aviação
Em 27 de março de 1977, um Boeing 747 da KLM vindo de Amsterdã colidiu com um Jumbo da PanAm que partiu de Los Angeles na pista do aeroporto de Los Rodeos, em Tenerife, nas Ilhas Canárias. A explosão matou 583 pessoas, o maior número de vítimas fatais da história da aviação. Os aviões tinham sido desviados para Los Rodeos devido a um ataque a bomba no aeroporto de Las Palmas, em Gran Canária.
Foto: Getty Images/AFP
Bomba derruba aeronave no Oceano Atlântico
A explosão de uma bomba no compartimento de cargas de um Boeing 747 causou a queda do vôo 182 da Air India no Oceano Atlântico, em 23 de junho de 1985, quando ele sobrevoava a costa da Irlanda, na rota entre Montreal e Nova Déli. As 329 pessoas a bordo morreram. O ataque foi vinculado a extremistas sikhs.
Foto: Getty Images/AFP/A. Durand
O maior número de vítimas em um único avião
O acidente com o maior número de vítimas a bordo de um único avião aconteceu com o voo 123 da Japan Airlines, que fazia a rota entre Tóquio e Osaka. O Boeing 747-SR46 colidiu com o Monte Takamagahara, a 100 quilômetros de Tóquio, em 12 de agosto de 1985. Entre os 520 mortos estava o famoso cantor Kyū Sakamoto. Quatro mulheres sobreviveram, sendo duas delas crianças.
Foto: picture alliance/dpa/Toshiki Ohira
Avião atinge espectadores de show aéreo
Três aviões da esquadrilha acrobática italiana Flechas Tricolores (Frecce Tricolori) se chocaram em pleno voo durante um show de acrobacias aéreas na base militar americana em Ramstein, no sudoeste da Alemanha, em 28 de agosto de 1988. Um dos jatos caiu sobre a multidão de espectadores, matando 70 pessoas e deixando mais de mil feridas.
Foto: picture-alliance/dpa/Füger
Choque causa morte de crianças e adolescentes
Uma colisão entre um Tupolew 154 da companhia russa Bashkirian Airlines, que vinha de Moscou, e um jato da empresa alemã DHL, que viajava do Bahrein a Bruxelas, matou 71 pessoas na noite de 1º de julho de 2002 sobre a cidade de Überlingen, na Alemanha, às margens do Lago de Constança. Entre as vítimas, estavam 49 crianças e adolescentes que viajavam de férias para a Espanha.
Foto: AP
Colisão mata 154 no Brasil
Um choque no ar com um jato Legacy provocou a queda de um Boeing da Gol em 29 de setembro de 2006, a 692 quilômetros de Cuiabá (MT), matando as 154 pessoas a bordo. O voo 1907 havia saído de Manaus, faria escala em Brasília e seguiria para o Rio. O Legacy, que viajava para os Estados Unidos quando bateu, conseguiu pousar na Serra do Cachimbo, no Pará. As sete pessoas a bordo saíram ilesas.
Foto: Força Aérea Brasileira/Divulgação
Acidentes mortais da Latam
Em 17 de julho de 2007, um Airbus A320 da Latam (antiga TAM) que vinha de Porto Alegre não conseguiu parar na pista de Congonhas, atravessou uma avenida e colidiu com um prédio da TAM Express, causando 199 mortes (187 a bordo e 12 em solo). Onze anos antes, um Foker 100 que seguia para o Rio havia caído 24 segundos depois de decolar de Congonhas, matando as 96 pessoas a bordo e três em solo.
Foto: AP
Brasileiros na tragédia da Air France
Em 31 de maio de 2009, um Airbus 330-203 da Air France que fazia a rota Rio de Janeiro-Paris caiu no Atlântico, matando as 228 pessoas a bordo, sendo 59 brasileiros. Partes da fuselagem e corpos foram encontrados quase dois anos depois. A investigação concluiu que a causa foi uma combinação de erros dos pilotos com problemas ocorridos por congelamento nos sensores de velocidade.
Foto: picture-alliance/dpa
Míssil russo derruba Boeing na Ucrânia
Um míssil russo abateu o voo MH17 da Malaysia Airlines, causando a queda do Boeing 777 que sobrevoava a Ucrânia, em 17 de julho de 2014. As 298 pessoas a bordo morreram, a maioria holandesas – o voo havia partido de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur. Os investigadores concluíram que o míssil Bouk-Telar foi disparado de uma brigada antiaérea em Kursk, na Rússia, perto da fronteira com a Ucrânia.
Foto: imago/Itar-Tass
Acidente causado por piloto da Germanwings
Uma tragédia em 24 de março de 2015 chocou a Alemanha. Um Airbus A320 da Germanwings que fazia a rota Barcelona-Düsseldorf caiu nos Alpes Franceses, matando os 144 passageiros e seis tripulantes. O desastre foi causado intencionalmente pelo copiloto, Andreas Lubitz, que omitiu da companhia tendências suicidas. Andreas trancou o piloto fora da cabine e chocou a aeronave contra as montanhas.
O presidente da Polônia Lech Kaczynski morreu em 10 de abril de 2010, quando o Tupolev 1954 em que ele estava caiu perto do aeroporto de Smolensk, na Rússia, matando também outras 96 pessoas, entre elas autoridades do primeiro escalão do governo. A comitiva polonesa viajava para a Rússia para participar de uma cerimônia em memória ao massacre de prisioneiros poloneses na Segunda Guerra Mundial.
Foto: AP
Tragédia da Chapecoense
Em 28 de novembro de 2016, o avião da LaMia que levava o time da Chapecoense, dirigentes e jornalistas caiu quando voava de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para Medellín, na Colômbia, matando 71 das 77 pessoas a bordo. A equipe disputaria a final da Copa Sul-Americana contra o colombiano Atlético Nacional. A investigação revelou uma série de erros, como falta de combustível.