Ministro do Exterior da Alemanha Ocidental Hans-Dietrich Genscher foi fundamental na libertação de milhares que se refugiaram em embaixadas de seu país no Leste Europeu, antes da queda do muro de Berlim.
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Prólogo
Verão de 1989: alemães-orientais se voltam contra o Estado e buscam refúgio nas embaixadas da República Federal da Alemanha (RFA) na Hungria, Polônia e Tchecoslováquia, assim como na Representação Permanente (StäV) em Berlim Oriental. No início eram alguns poucos, mais tarde, centenas, e ao final, milhares tentando emigrar para a Alemanha Ocidental.
Para a RFA, tratava-se de um ato legítimo, uma vez que, nos termos da Lei Fundamental do país, todos eram cidadãos alemães. Na Hungria, reinava um governo socialista reformista, enquanto o país se aproximava de um colapso econômico. O governo em Budapeste adotava novos rumos, portanto a fronteira entre o país e a Áustria mal era vigiada.
Em 11 de setembro, dezenas de milhares de alemães-orientais mudam de lado, atravessando a até então intransponível Cortina de Ferro. Os guardas da fronteira húngara simplesmente marcavam presença. O dirigente da República Democrática Alemã (RDA), Erich Honecker, e seu governo estavam aterrorizados.
Também os dirigentes tchecoslovacos pensavam e agiam segundo a lei antiga: Assim como para a liderança da RDA, as ocupações das embaixadas eram ilegais para os governantes em Praga. O consenso em torno do império de Moscou se desmoronava.
Naquele fim de verão de 1989, ninguém era capaz de avaliar as dimensões dos assim chamados "protestos com os pés". Entretanto, uma pessoa pressentia o significado do que estava a ocorrer: o ministro do Exterior da RFA, Hans-Dietrich Genscher, que fugira jovem da RDA para o Ocidente.
Primeiro ato: Nova York, 27 de setembro de 1989
A Assembleia Geral da ONU era uma oportunidade ideal para o ministro alemão-ocidental conversar com seus homólogos da União Soviética, Alemanha Oriental e Tchecoslováquia sobre a situação cada vez mais dramática nas embaixadas. Apenas em 8 de setembro, 117 cidadãos da Alemanha comunista haviam deixado a StäV. Não lhes fora prometido poderem deixar o país em breve, apenas impunidade e a possibilidade de retornar ao trabalho.
Desde então, a Representação Permanente da RFA em Berlim Oriental estava fechada, o que aumentava a pressão sobre as embaixadas em Varsóvia, Budapeste e Praga. A RDA esperava do governo de Helmut Kohl, em Bonn, que fechasse as três representações diplomáticas, enviando assim um sinal para os eventuais aspirantes a emigrante.
O responsável pelas embaixadas era Genscher – ou "Genshman", como era chamado informalmente. Ele rejeitou categoricamente o fechamento, ordenando, ao contrário, a admissão, acomodação e manutenção dos cidadãos da RDA nesses locais. A essa altura, milhares haviam acorrido às três embaixadas.
Em 27 de setembro, uma quarta-feira, num jantar com seu homólogo na Alemanha Oriental, Oskar Fischer, Genscher fez duas sugestões: as autoridades do lado comunista poderiam emitir vistos de viagem e carimbar os passaportes dos cidadãos da RDA nas embaixadas. A segunda opção era permitir que os exilados passassem de trem do lado oriental ao ocidental. Fischer prometeu informar Honecker a respeito no fim de semana. Tarde demais, rebateu Genscher.
28 de setembro
No dia seguinte, Genscher e Fischer conversam novamente ao telefone. Nas embaixadas, especialmente em Praga, as condições de higiene se tornavam cada vez mais insuportáveis. Fischer promete transmitir as propostas de Genscher a Berlim Oriental. Genscher também conversa em Nova York com o ministro do Exterior da Tchecoslováquia, mas este não se compromete.
À tarde, Genscher pede uma reunião pessoal com o ministro soviético do Exterior, Eduard Shevardnadze. Chamado à embaixada soviética, o alemão não tem um carro à sua disposição. Um veículo da polícia de Nova York, com sirene e luzes azuis ligadas, o leva até Shevardnadze.
Uma vez lá, o ministro do Exterior descreve para seu colega soviético a situação caótica nas embaixadas. "Há crianças também?", pergunta Shevardnadze. "Muitas." "Vou ajudá-lo", é a resposta. Na mesma noite, Genscher assegura o apoio dos chefes de diplomacia dos Estados Unidos, James Baker, e da França, Roland Dumas.
29 de setembro
No caminho para o aeroporto, Genscher recebe uma ligação em nome do ministro do Exterior da Alemanha Oriental, Oskar Fischer: no dia seguinte, haverá informações importantes para ele vindas da Representação Permanente da RDA em Bonn. Fischer pedira para lhe transmitir uma mensagem ao colega ocidental: "Sempre vale a pena conversar com o senhor."
30 de setembro
Na sede do governo em Bonn, Hans-Dietrich Genscher e o ministro do Interior Rudolf Seiters recebem a informação de que Berlim Oriental optou pela segunda alternativa, a viagem de trem através do país, para os que queiram deixar a RDA.
O chefe da diplomacia vai mais além e exige pessoal de bordo de alta classe, como medida para reforçar a confiança dos cidadãos da Alemanha Oriental.
"Os refugiados não confiam no senhor", comentou o ministro ocidental ao chefe da representação permanente da RDA, Horst Neubauer. Genscher e Seiters pedem para ir juntos no trem. O representante de Berlim Oriental tem que conferir mais uma vez com seu governo, e pouco depois a permissão é dada.
Pouco antes da partida de Genscher e Seiters rumo a Praga, entretanto, Neubauer anuncia que a promessa de Berlim Oriental foi parcialmente revogada: os dois não vão poder viajar junto. A tensão cresce.
Segundo ato: Palácio Lobkowitz, duelo às 18h58
Ao chegar à embaixada de Bonn em Praga, Genscher entra outra vez em contato com Neubauer, que mantém a negativa de Berlim Oriental. Apenas duas autoridades da Alemanha Ocidental poderão viajar em cada um dos trens.
Às 18h58, Genscher se dirige à sacada da embaixada e pronuncia a meia frase mais famosa da história recente da Alemanha. "Queridos compatriotas, viemos aqui para dizer-lhes que a partida de vocês no dia de hoje..." O resto é abafado pelos gritos de júbilo dos refugiados.
Às 19h30 o primeiro grupo deixa o histórico Palácio Lobkowitz. Apenas três minutos mais tarde, a agência de notícias ADN, da Alemanha Oriental, divulga um comunicado do Ministério do Exterior da RDA, afirmando que os ocupantes ilegais das embaixadas da Alemanha Ocidental haviam sido deportados por questões humanitárias.
Às 20h50, o primeiro trem deixa Praga rumo a Dresden. Outros quatro partiriam a cada duas horas. O destino final era Hof, na Baviera.
Terceiro ato: Estação de Hof, plataforma 8, 1º de outubro
São 06h14 quando os primeiros 1.200 alemães orientais descem na plataforma 8 da estação de Hof, na fronteira entre os estados da Baviera (lado ocidental) e Saxônia (oriental). Entre os passageiros, estão muitas crianças. Cerca de 6 mil cidadãos chegaram ao local em 1º de outubro de 1989. Todos sem passaportes, tomados pelas autoridades da RDA durante a viagem. Uma multidão de voluntários e jornalistas os recebe na estação.
Alguns milhares de alemães-orientais haviam protestado contra seu governo, num "voto com os pés". Seis semanas mais tarde, caía o muro de Berlim. "As horas na embaixada alemã em Praga contam entre as mais tocantes da minha vida", diria Hans-Dietrich Genscher mais tarde, ao relembrar o episódio. "Foi pura emoção."
A 13 de agosto de 1961, guardas da Alemanha Oriental começaram a fechar com arame farpado e concreto a fronteira que separava as partes oriental e ocidental de Berlim, bem como Berlim Ocidental da Alemanha Oriental.
Foto: AP
RDA é hoje pura nostalgia
Diante do Museu de Checkpoint Charlie e fantasiado de guarda de fronteira da RDA, o berlinense Wolfgang Kolditz carimba – com um carimbo postal original da Alemanha comunista – os cartões e lembranças comprados pelos turistas, dez anos após a queda do Muro. Naquele local esteve o mais famoso posto de controle, conhecido em todo o mundo através de inúmeros filmes sobre espionagem e a Guerra Fria.
Foto: AP
Onde foi?
Hoje, pouco resta da histórica muralha que separou dois Estados alemães por tanto tempo.
Foto: DW
Os 'pica-paus' do Muro
Depois do dia 9 de novembro de 1989 foi apenas uma questão de meses até que o Muro desaparecesse inteiramente da paisagem de Berlim. Ficaram famosos na época os chamados 'pica-paus' do Muro: berlinenses e turistas que, armados de martelo e cunha, arrancaram pedaços da muralha para guardar de lembrança. Por muito tempo, lojas de suvenires em Berlim ofereceram lascas de concreto com um duvidoso 'certificado de autenticidade'.
Foto: AP
A dança sobre o Muro
No dia 10 de novembro de 1989, berlinenses orientais e ocidentais confraternizaram-se com uma verdadeira dança sobre o Muro, que deixara de ser uma barreira desde a noite anterior. Ao fundo, o Portão de Brandemburgo – o símbolo de Berlim. Com as fronteiras abertas, milhares de cidadãos alemães orientais viajaram imediatamente à parte ocidental da Alemanha, para fazer compras, visitar parentes e amigos ou simplesmente para satisfazer a curiosidade pessoal.
Foto: AP
A confusão histórica
Durante uma entrevista coletiva no dia 9 de novembro de 1989, o jornalista e membro do politburo do SED – Partido Socialista Unificado – Günter Schabowski, interpretou erroneamente um comunicado oficial do governo da Alemanha Oriental, anunciando a abertura das fronteiras entre as duas partes da Alemanha. Poucas horas depois, a pressão popular fez com que a guarda de fronteiras da RDA abrisse o Muro de Berlim.
Foto: dpa
O fim de uma carreira
Poucas semanas após as festividades comemorativas do 40º aniversário da República Democrática Alemã, o chefe de Estado e de partido Erich Honecker foi destituído de todas as suas funções. A pressão dos protestos populares e as fugas em massa da RDA fizeram com que os comunistas mais jovens ainda tentassem salvar o regime, depondo a liderança conservadora. A rebelião palaciana não trouxe o efeito desejado: os protestos continuaram, culminando com a queda do Muro de Berlim.
Foto: dpa
A festa final
Com a presença do convidado especial – o chefe de Estado e de partido da União Soviética, Mikhail Gorbachev – foi comemorado no dia 7 de outubro de 1989 o 40º aniversário da República Democrática Alemã. Para irritação da liderança comunista da RDA, Gorbachev advertiu para a urgência de reformas no país.
Foto: dpa
Plataforma para pichações
Em toda a sua extensão, o Muro de Berlim tornou-se uma plataforma de pichações no lado ocidental. Com lemas políticos ou meros desenhos, milhares de berlinenses e de turistas lançaram mão dos aerossóis para deixar uma mensagem colorida sobre o concreto. Como a profecia que se vê na foto: 'Berlim ficará livre do Muro'.
Foto: AP
Propaganda dos dois lados
Em outubro de 1964, foi posto um cartaz (à esq.) no lado oriental de Berlim com os dizeres: 'Acordos sobre salvo-condutos são melhores que provocações'. Poucos dias depois, foi afixada nas proximidades a resposta ocidental: 'O Muro continuará sendo uma provocação, mesmo com salvo-condutos!'.
Foto: AP
A fuga com um balão
Na noite de 16 para 17 de setembro de 1979, duas famílias da Alemanha Oriental lograram uma fuga sensacional. Os casais Strelzik e Wetzel, com seus quatro filhos em idade entre dois e 15 anos, conseguiram cruzar a fronteira em direção à Alemanha Federal a bordo de um balão de ar quente, que eles próprios construíram às escondidas, durante meses de trabalho. O balão pousou de madrugada em Naila, na Baviera, sem chamar a atenção dos guardas de fronteira.
Foto: dpa
Um túnel por baixo do Muro
No final de 1963, um grupo reunido pelo ator Wolfgang Fuchs, do qual fazia parte o estudante Klaus-Michael von Keussler (foto), iniciou a construção de um túnel sob o Muro de Berlim. Durante dez meses foi escavado um subterrâneo de 145 metros de extensão, 80 centímetros de altura e numa profundidade de até 12 metros. Nos dias 3 e 4 de outubro de 1964, um total de 57 pessoas conseguiu fugir da RDA, antes que a polícia descobrisse e fechasse o túnel, no dia seguinte.
Foto: dpa
A última oportunidade
No dia em que foi iniciada a divisão de Berlim, o domingo 13 de agosto de 1961, e nos dias subsequentes registraram-se cenas dramáticas como a da foto. Uma mulher tenta saltar da janela de uma casa do lado oriental para fugir para a parte ocidental de Berlim. Um policial tenta puxá-la de volta, enquanto berlinenses ocidentais procuram apoiá-la na fuga, que acaba obtendo êxito. Nas semanas seguintes, esta casa – como outras na linha fronteiriça – foi demolida, abrindo espaço para a construção do Muro.
Foto: dpa
A morte junto ao Muro
Cenas espetaculares de fuga acompanharam o Muro de Berlim em toda a sua história. Algumas com final feliz, outras com um desfecho trágico. A primeira vítima fatal foi o jovem Peter Fechter, em 17 de agosto de 1962. Atingido pelos disparos da guarda de fronteiras da RDA, Fechter agonizou durante 50 minutos na chamada 'terra de ninguém', falecendo pouco depois de ser recolhido pela polícia alemã oriental.
Foto: AP
Hora da opção
No dia 15 de agosto de 1961, o soldado alemão-oriental Conrad Schumann foi destacado para controlar a linha divisória na rua Bernauer, marcada por arames farpados, pois o Muro ainda não estava pronto. Schumann jogou fora o fuzil e pulou sobre o arame farpado, passando para o lado ocidental. A cena foi fotografada por jornalistas que acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos em Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa/R.Jensen
Pedra sobre pedra
Depois do fechamento das ruas de Berlim, selando a divisão da cidade a partir de 13 de agosto de 1961, o governo comunista da Alemanha Oriental ordenou a construção do Muro. Vigiados de perto pelos soldados do chamado Exército Popular Nacional (NVA), os operários demoliram os prédios localizados na linha divisória, construindo uma muralha e um campo minado em seu lugar.
Foto: AP
O símbolo isolado
O símbolo arquitetônico de Berlim, o Portão de Brandemburgo, ficou inteiramente isolado com a construção do Muro. O acesso a ele só era possível a partir do lado oriental da cidade, ficando reservado às autoridades policiais, militares e aos próceres do regime comunista. Hoje, a área circunvizinha do Portão de Brandemburgo é novamente uma das mais movimentadas e freqüentadas da capital alemã.
Foto: AP
Kennedy visita o Muro
Em junho de 1963, quase dois anos depois da construção do Muro, o presidente norte-americano John F. Kennedy visitou Berlim para informar-se sobre a divisão da cidade. Acompanhado pelo então prefeito Willy Brandt (ao centro) e pelo chanceler federal alemão Konrad Adenauer (à direita), Kennedy foi aclamado pela população de Berlim Ocidental.
Foto: AP
Uma fortaleza
Partes do Muro de Berlim tinham o aspecto de uma verdadeira fortaleza: com pista para o transporte de soldados e guarita para controlar as ocorrências nos dois lados da linha divisória. Além da muralha, uma 'terra de ninguém' com campo minado e cerca de arame farpado impedia o acesso ao Muro, no lado oriental.
Foto: AP
Tanques cara a cara
Nas semanas que se seguiram à construção do Muro de Berlim, a Guerra Fria atingiu um dos seus momentos mais dramáticos. A tensão entre os EUA e a União Soviética podia ser vista claramente no posto de controle da rua Friedrich, o chamado Checkpoint Charlie, no centro de Berlim: tanques americanos e soviéticos permaneceram durante dias, frente a frente, à espera de um comando de ação militar.
Foto: AP
O idealizador do Muro
Ninguém desejava uma muralha de pedra e concreto armado mais do que Walter Ulbricht, o chefe de Estado da República Democrática Alemã (RDA). Ele precisava dela para impedir o êxodo de milhares de pessoas para o outro Estado alemão, a República Federal da Alemanha. A União Soviética não apoiou com muita convicção a 'muralha antifascista' de Ulbricht. Não obstante, a fronteira de 155 quilômetros cercando Berlim Ocidental sedimentou a divisão alemã durante 28 anos.