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Artes

6 de março de 2009

Duas mostras paralelas expõem vertentes distintas da obra de Gerhard Richter: uma retrospectiva de sua pintura abstrata em Munique e uma seleção de seus 'portraits' em Londres.

Obras do pintor alemão na National Portrait GalleryFoto: picture alliance / Photoshot

Aos 77 anos, o alemão Gerhard Richter é um dos mais importantes artistas plásticos do país. No início de fevereiro último, a Sotheby's leiloou sua obra Troisdorf por nada menos que 2,4 milhões de euros, estabelecendo mais um recorde na valorização astronômica da obra do artista.

E a celebração de seus trabalhos no mercado internacional não para por aí: na última quinta-feira (05/03), foi inaugurada na National Portrait Gallery a mostra Gerhard Richter Portraits, que reúne pela primeira vez 35 obras feitas pelo artista no decorrer das últimas quatro décadas.

Entre estas, está, por exemplo, Ella, portrait feito em 2007 de sua filha mais jovem e exibido pela primeira vez ao público. Da série de retratos íntimos que compõem a mostra londrina ainda fazem parte Ema – Akt auf einer Treppe (Emma – Nu sobre uma escada), retrato de sua primeira mulher, bem como três portraits de sua segunda esposa, a escultora Isa Genzken, em que a mesma é retratada de costas, e uma série de oito obras que mostram sua terceira e atual mulher, Sabine Moritz. Todos fiéis a seus modelos, sejam estes extremamente exatos, meio borrados ou até mesmo com arranhões trazidos pelo tempo de conservação.

Ligação com a tradição da pintura

Em entrevista à emissora de televisão ARD, o artista conta que resistiu, de início, à ideia da exposição, tendo levado um certo tempo para convencer a si mesmo de que ela deveria realmente acontecer. Principalmente porque Richter não acredita que as obras expostas sejam portraits, tendo sido "quase instruído [pelos curadores] de que se tratam, realmente, de portraits. Ou de que se pode pelo menos chamá-los assim".

Associações históricas e familiares nos retratosFoto: picture alliance / Photoshot

Embora a vertente figurativa represente apenas uma pequena parte do total de aproximadamente três mil obras de Richter que circulam no mercado internacional, os portraits talvez sejam os mais pessoais. "Eles mostram um pouco da minha ligação com a tradição da pintura", diz o artista à emissora ARD. Para o curador Paul Moorhouse, Die Lesende (A Leitora), por exemplo, de 1995, é uma inegável homenagem ao pintor Vermeer (Johannes Vermeer, 1632-1675). E Ema – Akt auf einer Treppe uma clara referência ao Nu Descendo a Escada (1912), de Marcel Duchamp.

Referências históricas

Além dos portraits da mulher, filha e ex-mulheres, outro clássico entre os trabalhos de Richter é Tante Marianne (Tia Marianne), em que se vê uma jovem sorridente com um bebê de um ano. A obra foi composta a partir de uma foto na qual o bebê é o próprio artista com um ano de idade e a menina, sua tia Marianne Schönfelder, que sofria de distúrbios psiquiátricos e foi assassinada pelos nazistas após ter sido compulsoriamente esterilizada aos 27 anos de idade.

"Conhecendo este fundo histórico, é imediata a associação com outras obras da exposição, como Herr Heyde, feita pelo artista em 1965 a partir de uma foto divulgada pela imprensa da detenção de Werner Heyde, responsável pelo programa de eutanásia dos nazistas, do qual Marianne Schönfelder foi vítima", observa o diário alemão Süddeutsche Zeitung.

Intencionalmente banais

Para os curadores, "ao omitir as identidades das pessoas retratadas e questionar as relações entre elas, os portraits feitos pelo artista possibilitam um raro olhar sobre a forma como vemos o mundo". Richter iniciou a pintura de portraits e obras "copiadas" de fotografias em 1962, quebrando com isso, naquele momento, sua tradição abstrata. O uso da fotografia como base para a pintura "libertava o artista do processo artístico convencional de escolha de motivos, cor, composição e expressão", segundo a curadoria da mostra de Londres.

Artista começou a se dedicar a 'portraits' a partir da década de 1960Foto: picture alliance / Photoshot

A partir de 1964, o artista começou também a usar antigos álbuns de fotografia de sua própria família para criar suas obras. Mas não importa se retiradas de fotos impressas em jornais ou de imagens amadoras e domésticas, as pinturas feitas pelo artista são "intencionalmente banais", apontam os curadores, "chamando a atenção para a inescrutável natureza da aparência".

Ao apresentar seus retratados em situações corriqueiras, mas mesmo assim enigmáticas, o artista explicita a inabilidade do observador de compreendê-las, numa metáfora da dificuldade (ou impossibilidade) do ser humano de compreender a si mesmo.

Obra permeada pelo acaso

Enquanto os visitantes da National Portrait Gallery se detêm nas tentativas de decifrar as referências e associações dos retratos feitos pelo artista, a Haus de Kunst em Munique traz a mesma exposição que passou pelo Museu Ludwig de Colônia: uma retrospectiva de trabalhos abstratos de Richter – uma vertente que compõe a maior parte da obra do artista.

Nas palavras do curador Ulrich Wilmes, a exposição não tem como princípio expor as pinturas abstratas do autor em série, o que seria de qualquer forma difícil, uma vez que a constituição de grande parte de suas obras é permeada pelo acaso, pelo livre arbítrio e pela destruição.

Festejado nos quatro cantos do planeta, o artista costuma ser lacônico em suas entrevistas, já tendo até mesmo abandonado um programa de entrevistas na televisão, após ouvir a primeira pergunta e sem dizer uma só palavra.

Para o correspondente da emissora Bayerischer Rundfunk em Londres, a impressão que fica ao ver tanta celebração em torno do artista é a de que "as hordas de críticos e historiadores da arte, cujos textos sobre Gerhard Richter enchem bibliotecas inteiras, talvez dispendam muito tempo com as causas e os porquês de sua obra. E este homem talvez simplesmente pinte por prazer e, por sorte, genialmente bem".

Autora: Soraia Vilela

Revisão: Roselaine Wandscheer

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