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Golpe contra Morsi abre novo período de incerteza no Egito

Kersten Knipp (av)4 de julho de 2013

Ruptura do processo democrático apenas um ano após eleição expõe força dos militares e ameaça levar partidários do presidente deposto à radicalização. Dúvida é se Exército realmente agirá em defesa do interesse do povo.

Foto: Getty Images

As pessoas se abraçam, agitam a bandeira nacional, confraternizam-se com os soldados. Muitas atiram-se ao chão para agradecer a Alá e assim celebram seu triunfo político: os militares depuseram o primeiro presidente democraticamente eleito do Egito. O transbordamento de sentimentos de vitória se espalhou até aos jornais liberais do Egito, que há meses criticavam a trajetória do agora deposto chefe de Estado.

Mohammed Morsi não reconheceu os sinais do tempo, escreve, por exemplo, o diário Al-Youm al-Sabi. Ele nem percebeu a autoconfiança fortalecida dos jovens, nem registrou as advertências que vinham se acumulando nas últimas semanas e dias. Nem mesmo a renúncia de seis membros de seu gabinete, na terça-feira (02/06), o havia abalado.

Começos democráticos

Alegria no Cairo, após a quedaFoto: Getty Images

E, no entanto, Morsi foi o primeiro presidente egípcio eleito de forma livre. Do ponto de vista histórico, ele simboliza a vitória da revolução de janeiro de 2011, que culminou na queda do ditador Hosni Mubarak.

No segundo turno do pleito presidencial, em junho de 2012, ele venceu por maioria absoluta, com 51% dos votos. Na qualidade de presidente legitimado democraticamente, Morsi tomou logo no início do mandato decisões que angariaram o apoio de muitos egípcios – e não só entre seus próprios adeptos.

Já no mês seguinte à eleição, ele ordenou que o Parlamento – dissolvido pouco antes por uma sentença do Tribunal Constitucional – retomasse suas atividades. Em seguida, anistiou quase 600 presos políticos do regime Mubarak. Em agosto, através de um decreto presidencial, cerceou o poder dos militares.

Todas essas atitudes contaram com a aprovação também daqueles que hoje estão entre os opositores de Morsi. Ainda no ano passado, ele criticou o regime de Bashar al-Assad na Síria, que não recuava diante de nenhum meio para esmagar a insurreição no país.

Interpretação peculiar de democracia

Morsi também cometeu, porém, uma série de erros. Em novembro, promulgava uma emenda constitucional garantindo a seus próprios decretos incontestabilidade diante da Justiça. Desse modo, esvaziava em grande parte a divisão dos poderes, numa medida que recebeu severas críticas, também internacionais.

O presidente ligado à Irmandade Muçulmana igualmente deliberou que nem a câmara alta do Parlamento nem a Assembleia Constituinte pudessem ser dissolvidas pelo Tribunal Constitucional. Sobre essa base, impôs uma nova Constituição nacional que – do ponto de vista de seus adversários – preparava o solo para uma islamização do Egito. Ao mesmo tempo, sobretudo representantes da cena cultural acusavam perseguições e chicanas por parte do promotor-geral Talaat Abdallah.

De um modo geral, aponta o cientista político Christian Achrainer, da Sociedade Alemã de Política Externa (DGAP, na sigla original), a política praticada por Morsi levou pouco em consideração os interesses de seus adversários. "Morsi e a Irmandade Muçulmana fizeram muitas propostas à oposição e falaram em diálogo e cooperação. Mas eram propostas bem pouco convictas."

Manifestação diante do palácio presidencialFoto: Reuters

Como comentou Achrainer à DW, o ex-presidente interpretava os princípios democráticos de forma bastante idiossincrática. "Naturalmente Morsi foi eleito democraticamente. Mas democracia significa mais do que votar de tantos em tantos anos. Em vez disso, precisa-se tentar integrar todas as vozes da sociedade e satisfazer a todos os cidadãos. E isso não se deu."

Temor de violência

Agora, as Forças Armadas reagiram a esse estado de coisas depondo Mohammed Morsi. E no momento ainda não é possível prever como essa decisão vai afetar o futuro do país.

A cientista política Maha Azzam, do centro de pesquisas britânico Chatham House, teme sobretudo as consequências negativas. Para os partidários de Morsi, defensores de uma aplicação estrita dos princípios islâmicos, o golpe de Estado transmitiu a mensagem de que, embora eles tenham se atido às regras do jogo, os militares não lhes permitiram manter-se no poder.

Para demonstrar aonde pode levar tal procedimento, Azzam evoca o exemplo da Argélia. Lá, os fundamentalistas também foram derrubados, após sua vitória eleitoral democrática, do início da década de 1990. O resultado foram vários anos de guerra civil, com mais de 100 mil mortos.

No Egito não vai necessariamente acontecer o mesmo. "Mas se os islamistas notarem que seus adversários não estão dispostos a lhes ceder espaço e se, além disso, contarem com o apoio maciço de seus seguidores, então é de se temer que alguns deles vão se radicalizar, rejeitando o processo democrático, como um todo."

Christian Achrainer também teme que a queda de Morsi venha a ter efeitos perigosos. O poder militar decidiu-se em favor de um dos partidos: "Agora talvez se tenha pacificado um dos lados, mas em contrapartida encolerizou-se o outro, ao extremo. A meu ver, esse passo só vai exacerbar ainda mais as tensões".

Morsi apostou na própria permanência, até o último minutoFoto: Reuters

Militares de volta

Outra fonte de insegurança é como as forças militares vão se comportar nas semanas e meses por vir. E a dúvida é se as Forças Armadas agirão como defensoras dos interesses nacionais ou apenas dos próprios.

Em seu editorial, o jornal árabe publicado em Londres Al-Hayat lembra o papel político dos militares egípcios, o qual, a seu ver, nem sempre foi democrático. Pelo contrário: foram eles que ajudaram os regimes anteriores a reprimirem as liberdades políticas, assim como a encarcerar os oposicionistas.

Assim, o Al-Hayat faz um balanço bastante soturno do golpe de Estado contra Morsi: "Os custos de suportar Mohammed Morsi por outros três anos teriam sido preferíveis ao fato de que, agora, os militares voltarão a desempenhar um papel político".

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