Saída ocorre após divulgação de dados recordes de desmatamento na Amazônia em junho. Coalizão de ONGs aponta que caso demonstra que governo ainda está tentando intervir no instituto.
Anúncio
O governo Bolsonaro exonerou nesta segunda-feira (13/07) a coordenadora-geral de Observação da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse departamento é responsável pelos sistemas Deter e Prodes, que monitoram o avanço do desmatamento da Amazônia.
A retirada de Lubia Vinhas do cargo foi publicada no Diário Oficial em portaria assinada pelo ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia).
A exoneração pouco menos de uma semana depois que o Inpe divulgou mais um número negativo sobre a devastação da Amazônia, apontando que em junho o bioma registrou o maior número de alertas de desmatamento desde 2015. Os dados ainda apontaram que o desmatamento na Amazônia brasileira aumentou pelo 14º mês consecutivo.
Quando considerados os seis primeiros meses de 2020, o desmatamento aumentou 25% em relação ao mesmo período do ano passado, para 3.069 km².
A alta do desmatamento ocorreu apesar da Operação Verde Brasil 2, lançada pelo governo federal em maio e que enviou militares para o combate ao desmatamento e focos de incêndio na Amazônia. Inicialmente programada para durar um mês, a operação foi prorrogada até 6 de novembro.
No início de julho, o Inpe já havia apontando que a região teve o mês de junho com maior número de queimadas em 13 anos. Foram registrados 2.248 focos de incêndio, o que representou um aumento de 19,6% em relação a junho de 2019.
Ainda nesta segunda-feira, após questionamento por parte de veículos de imprensa, o Inpe publicou em seu site uma longa nota em que afirma que a ex-coordenadora Vinhas foi remanejada para outro cargo. De acordo com a nota, ela passará a ser "chefe da Divisão de Projeto Estratégico". Segundo o Inpe, essa área "tratará da implementação da nova Base de Informações Georreferenciadas ("BIG") do INPE, uma demanda do Ministro Pontes".
"Esta, por sinal, é a área primária de formação e expertise da Dra. Lubia Vinhas", informou o Inpe.
Entre ONGs e jornalistas especializados na área ambiental, a saída de Vinhas da coordenação de Observação da Terra provocou comparações com o caso do ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão, exonerado em 2019 após se envolver em um embate público com o presidente Jair Bolsonaro acerca dos dados de desmatamento da Amazônia. À época, Bolsonaro contestou os números que apontavam para um crescimento alarmante da destruição da floresta. O caso ajudou a alimentar a escalada de críticas internacionais sofridas pelo Brasil na condução do combate ao desmatamento, que ganhou contornos de crise diplomática em agosto de 2019, quando a Amazônia registrou um aumento significativo de queimadas.
Após a exoneração de Vinhas, o secretário-executivo da rede Observatório do Clima, Marcio Astrini, afirmou que o episódio sinaliza que o governo ainda está tentando intervir no Inpe.
"Não é segredo para ninguém desde o ano passado que o governo deseja intervir no Inpe. A demissão ruidosa de Ricardo Galvão impediu isso, mas a exoneração de Lubia Vinhas pode ser um indicativo de que o plano nunca foi abandonado. Que isso ocorra em plena aceleração do desmatamento, quando o governo precisa conter ameaças de desinvestimento, é sinal de que Bolsonaro parece estar tratando as preocupações do agronegócio e dos investidores como trata as dos brasileiros aterrorizados pelo coronavírus", disse, por meio de nota.
"Infelizmente, para o presidente e o ministro Marcos Pontes, há vários outros sistemas de monitoramento da Amazônia operando. Como no caso da tentativa de esconder dados da Covid, qualquer investida contra o Inpe já nasce condenada a fracassar."
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.