Governo busca apoio no Senado para conter crise política
Fernando Caulyt14 de agosto de 2015
Tática de se se aliar a Renan Calheiros, que até há pouco também integrava a artilharia contra o Planalto e falava em impeachment, é aposta governista para sair do isolamento.
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O governo da presidente Dilma Rousseff obteve uma vitória na sua tentativa de acabar com a crise política ao se aproximar do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Com outros senadores, ele lançou nesta segunda-feira (10/08) a chamada Agenda Brasil, uma lista de 28 propostas, algumas polêmicas, para retomar o crescimento da economia e tentar desviar o foco das ameaças de impeachment da presidente.
O apoio de Renan a Dilma vem no momento em que o governo se vê às voltas com embates políticos com a Câmara dos Deputados, liderada por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e perde apoio entre os deputados federais. A tática de se se aliar a Renan, que até há pouco tempo também integrava a artilharia contra o Planalto e até mesmo articulava o impeachment de Dilma, é uma aposta governista para conter a crise de governabilidade e sair do isolamento.
"Apesar de conter itens polêmicos, a Agenda Brasil aproxima o governo do Senado e é, com certeza, fruto não só do apelo de Michel Temer [vice-presidente da República], como também uma clara demonstração de que parte do PMDB se posiciona no sentido de tentar resolver a crise ou pelo menos aparentar que tenta", afirma a cientista política Christiane Romêo, do Ibmec-RJ. "O marcante é o contraponto que parte do PMDB faz à outra ala do partido, liderada por Cunha."
Ela afirma, ainda, que a viabilidade das propostas da Agenda Brasil vai depender do comportamento do Senado. Embora Renan tenha se colocado ao lado do governo para tentar diminuir a crise, há outros senadores que não aceitam a trégua e consideram fraco o conteúdo da agenda. "O comportamento dos congressistas vai definir o destino das propostas", diz Romêo.
Dilma saudou a agenda e afirmou que as propostas são "muito bem-vindas". Para ela, as sugestões de medidas ajudam o país a discutir saídas para a crise, mesmo que não haja concordância do governo federal com toda a pauta. "Esta, sim, é a agenda positiva para o país. Mostra por parte do Senado uma disposição de contribuir para o Brasil sair mais rápido das suas dificuldades", disse a presidente.
Propostas polêmicas
Inicialmente, a lista com 28 propostas divididas nas áreas "melhoria do ambiente de negócios e infraestrutura", "equilíbrio fiscal" e "proteção social" incluía questões polêmicas para o governo, como a cobrança de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) por faixa de renda, adoção de idade mínima para a aposentadoria e a aceleração do licenciamento ambiental de grandes obras. Algumas propostas até mesmo já estão em tramitação no Congresso.
Dois dias depois de ser apresentada ao Planalto, a lista foi reformulada e ampliada, saltando de 28 para 43 propostas, algumas ainda mais indigestas para o governo Dilma e o PT. A cobrança pelo uso do SUS foi retirada, mas foram incluídas no pacote medidas para a redução de ministérios e cargos comissionados, além da criação de limites para a dívida pública. O fim do Mercosul também foi cogitado, mas a ideia foi removida da lista na noite desta quinta-feira.
"As propostas são inviáveis, pois demandariam um largo tempo de negociação e, sobretudo, uma maior solidez da base do governo no Congresso Nacional", explica Christopher Bahia Mendonça, pesquisador do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo. "O governo pretende trazer para si a ala mais moderada do PMDB, não na tentativa de anular Cunha, mas de torná-lo menos hostil, usando a possível pressão dos caciques do seu próprio partido."
Cunha pede menos holofote e mais ação
Após o encontro entre Calheiros, senadores e os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, senadores disseram que as propostas deverão ser ainda selecionadas. Fontes do governo afirmam que as medidas podem gerar polêmica, mas a agenda teria sido criada com o objetivo de estimular o debate no país.
Apesar da "boa vontade" do governo federal e do Senado, Cunha deixou claro que os projetos de autoria de senadores não vão ter tratamento privilegiado na Câmara dos Deputados e poderão levar até mesmo anos para serem votados. Para ele, o governo deverá assumir a paternidade das propostas e enviá-las ao Congresso com regime de urgência constitucional para forçar uma votação mais rápida.
"Se o Poder Executivo está encampando a agenda que está sendo proposta, então transforme isso em propostas do Executivo para ter uma tramitação mais célere", afirmou Cunha. "Por enquanto estou vendo muito holofote, quero ver ação."
Para o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp, o tempo joga a favor do governo. Segundo o especialista, com o passar do tempo, perde-se a força do movimento do impeachment. E, se não houver, neste domingo, uma reviravolta total e um aumento da temperatura nas ruas contra o governo, a tendência é o impeachment sair da agenda.
"O governo já encontrou um ponto de apoio mínimo no Senado e tenta reconquistar uma base mínima defensiva, independentemente de Cunha, de cerca de 200 deputados federais na Câmara. Assim, o Planalto poderá impedir que o presidente da casa consiga votos suficientes para votar um impeachment contra Dilma caso tenha essa oportunidade", afirmou Costa.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.