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Governo edita nova portaria sobre aborto em caso de estupro

24 de setembro de 2020

Ministério da Saúde retira alguns pontos controversos, mas mantém essência do texto anterior. Portaria continua exigindo que médicos comuniquem a polícia caso atendam vítimas que desejem interromper gestação.

Cartazes de protesto em favor do direito ao aborto legal no Rio de Janeiro
Protesto em favor do direito ao aborto legal no Rio de Janeiro, em agostoFoto: Reuters/P. Olivares

O Ministério da Saúde publicou nesta quinta-feira (24/09) uma nova versão da portaria que aborda o procedimento de aborto nos casos em que a gravidez ocorre em decorrência de estupro. 

O novo texto foi divulgado um dia antes de o Supremo Tribunal Federal começar a julgar os questionamentos feitos a uma portaria publicada anteriormente pela pasta, no fim de agosto, que estabeleceu parâmetros que causaram indignação em grupos de defesa dos direitos humanos, como a previsão de que os médicos informassem às gestantes vítimas do crime de estupro sobre a possibilidade de ver o feto no ultrassom.

Este último ponto foi retirado do texto publicado nesta quinta. Mas o ponto central do texto anterior continua valendo: a exigência de que os médicos informem previamente a polícia caso atendam alguma gestante que procure um procedimento de aborto legal em caso de estupro. Neste caso, houve apenas uma mudança cosmética. A palavra "obrigatoriedade" sumiu, e o texto passou a estabelecer que os médicos "devem comunicar o fato à autoridade policial responsável".

O novo texto também prevê que os médicos tenham que agir para "preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial ou aos peritos oficiais, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime".

Desde 2005, as normas para a prática do aborto em casos de estupro desobrigavam as vítimas de apresentar Boletim de Ocorrência para realizar o procedimento.

Além da questão do ultrassom, outro ponto do texto anterior que foi excluído envolve o termo de consentimento que deve ser assinado pelas vítimas que buscarem o procedimento.

Ele já era obrigatório antes da portaria de agosto, mas o Ministério da Saúde havia adicionado ao termo uma lista de possíveis complicações decorrentes do aborto, sem que apresentar um contexto específico.

Todos esses pontos da portaria publicada de agosto foram interpretados por grupos de defesa dos direitos humanos como uma forma de intimidar vítimas de estupro e satisfazer a base ultrarreligiosa que apoia o governo. 

Esta versão acabou sendo alvo de duas ações no STF. Uma delas foi apresentada pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross). A outra, por cinco partidos de oposição – PT, PCdoB, PSB, PSOL e PDT.

Ao publicar a nova versão, o governo explicitou que quer tentar esvaziar o julgamento marcado para sexta-feira, já que a nova portaria revoga o texto anterior. O governo Jair Bolsonaro já tentou esse tipo de manobra antes, com decretos envolvendo a flexibilização do acesso a armas e a demarcação de terras indígenas. Nos dois casos, as tentativas foram julgadas inconstitucionais.

Em sua conta no Twitter, a antropóloga Debora Diniz, uma das referências nacionais sobre o tema do aborto, afirmou que a nova portaria representa "uma chacota com o STF pelo jogo de palavras". "O dever do médico de comunicar a polícia ficou ainda pior: agora há referência legal para intimidar os médicos", afirmou. 

A portaria anterior havia sido editada dias após uma polêmica gerada pelo caso de uma criança de 10 anos, que engravidou após ser vítima de seguidos estupros desde os 6 anos. Fanáticos religiosos e antiaborto tentaram impedir a menina de interromper a gravidez e chegaram a organizar um protesto em frente ao hospital onde a vítima foi atendida. Ela ainda precisou viajar para outro estado para ter acesso ao procedimento após médicos se recusarem a fazê-lo.

A criança teve também seu nome divulgado em redes sociais pela extremista Sara Giromini, conhecida pelo nome Sara Winter.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, há suspeita de que o vazamento da identidade para a extremista tenha partido do círculo da ministra Damares Alves, que comanda a pasta da Família e é conhecida pelas suas posições ultrarreligiosas. Giromini já trabalhou para o ministério. Ainda segundo a publicação, a ministra chegou a oferecer privilégios para o Conselho Tutelar da cidade onde a vítima vive com o objetivo de convencer seus membros a se juntarem aos esforços de barrar o aborto. A ministra nega que tenha tentado prejudicar a criança. 

A portaria de agosto também marcou mais um episódio em que o presidente inseriu sua agenda particular no Ministério da Saúde. Com o general Eduardo Pazuello no comando da pasta, Bolsonaro não tem encontrado dificuldades para forçar a pasta a adotar procedimentos duvidosos como a promoção da cloroquina e a publicidade dos "curados" da pandemia, em contraste com os dois titulares anteriores da pasta, Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta, que se opuseram às investidas do presidente. 

JPS/ots

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