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Governo egípcio eleva repressão contra Irmandade Muçulmana

Diana Hodali (fc)27 de dezembro de 2013

Nem na época do ditador Hosni Mubarak os fundamentalistas islâmicos do Egito foram tão perseguidos como hoje. Depois de proibida, Irmandade Muçulmana é incluída na lista de grupos terroristas.

Foto: picture-alliance/AP

O ex-presidente egípcio Mohamed Morsi está preso. O chefe de seu governo, Hashim Kandil, acaba de ser levado à prisão. Praticamente toda a liderança da Irmandade Muçulmana já está encarcerada. Eles são acusados de homicídio de manifestantes, traição à pátria e terrorismo. Alguns processos já estão em andamento, outros ainda sendo preparados. Além disso, a organização está proibida de fato por um veredicto judicial de setembro último.

Agora, o governo interino apoiado pelos militares foi mais longe – mais, até, do que o ex-ditador Hosni Mubarak, em seu longo regime –, ao declarar a Irmandade Muçulmana "organização terrorista". Essa classificação, de acordo com Günter Meyer, do Centro de Estudos Árabes da cidade alemã de Mainz, se alinha à série de medidas visando neutralizar a força política da organização.

Fundada em 1928, a Irmandade Muçulmana era considerada, até pouco tempo atrás, a força política mais bem organizada do Egito e parecia ter alcançado o ápice do poder político com a eleição de seu candidato Morsi como presidente da nação, no primeiro pleito após a queda de Mubarak.

"Reação ao terrorismo"

De acordo com fontes governamentais, a decisão seria uma resposta ao atentado a bomba da última terça-feira (24/12), diante de um prédio da polícia na cidade de Mansura, no Delta do Nilo, que matou 16 pessoas e feriu mais de 100.

Processo no Cairo contra membros da Irmandade MuçulmanaFoto: Reuters

Embora um grupo fundamentalista islâmico denominado Ansar Bait Al-Makdis, que atua no Sinai, tenha reivindicado a autoria, o vice-primeiro-ministro e ministro da Educação Superior Hossam Eissa responsabilizou a Irmandade Muçulmana pelo atentado.

"O governo nunca vai sucumbir ao terrorismo da Irmandade Muçulmana, que já ultrapassa os limites morais, religiosos e humanos”, afirmou Eissa, numa declaração oficial nesta quarta-feira. De acordo com ele, todos que participem das ações da organização ou sejam membros serão punidos penalmente.

O Partido da Constituição, fundado pelo ex-vice-presidente Mohamed ElBaradei, igualmente responsabilizou os membros da Irmandade pelo ataque. O movimento Tamarod, que no início do ano mobilizara contra Morsi, saudou a resolução do governo, embora ressalvando que ela chega com atraso.

Terrorismo não se restringe ao Sinai

O ataque em Mansura foi o mais grave desde a deposição de Mohamed Morsi por um golpe militar, em 3 de julho de 2013. Até então, o terrorismo islamista estava basicamente restrito à região do Sinai, mas isso é coisa do passado, comenta Günter Meyer. Pois nesta quinta-feira também houve um ataque a um ônibus em Nasser City, subúrbio do Cairo, com cinco feridos.

O Ansar Bait Al-Makdis afirmou ter realizado o ataque em Mansura para vingar "o sangue derramado de muçulmanos inocentes", vítimas de um "regime de renegados". Com isso, o grupo ligado à Al Qaeda se referia às medidas radicais das forças de segurança após a deposição de Morsi, e aos mais de mil manifestantes mortos nos conflitos.

Pretextos do governo e apoio da população

As autoridades não conseguiram, até agora, apresentar qualquer prova definitiva de uma ligação entre o grupo terrorista do Sinai e a Irmandade Muçulmana. Segundo relatou à Deutsche Welle Samy Magdy, jornalista que trabalha no Cairo para o portal de notícias Masrawi, o governo alega que, durante a presidência de Morsi, teriam sido interceptadas algumas conversas entre membros da Irmandade Muçulmana e o Ansar Bait Al-Makdis. A partir dessas escutas, teria se evidenciado que as duas organizações mantêm ligações estreitas.

De acordo com o especialista em assuntos árabes Meyer, contudo, a suposta reação ao ataque a bomba em Mansura seria, no fim das contas, um pretexto para seguir investindo contra os membros da Irmandade Muçulmana e os radicais salafistas.

Local do ataque a bomba em MansuraFoto: Reuters

"Com a proibição da Irmandade Muçulmana, muitos de seus seguidores militantes foram para a clandestinidade", informou o especialista em Egito. A medida só resultará num aumento continuado do número daqueles que se dedicam a luta armada.

Relatórios apontam a existência de cinco centros de treinamento na região do deserto da Líbia, próximo à fronteira com o Egito e no Sudão. Nestes, militantes da Irmandade Muçulmana, vindos do Egito, e salafistas preparam atentados. "Lá deve haver até mil membros da Irmandade", estima Günter Meyer.

Além disso, continuaria havendo na sociedade egípcia um grande apoio à Irmandade e, portanto, um considerável potencial de recrutamento. Entretanto, os membros da organização seguem desmentindo qualquer ligação com grupos terroristas.

Resistência continua

O ministro egípcio de Assuntos Sociais, Ahmed El-Borai, declarou que as manifestações da Irmandade Muçulmana seriam ilegais, e prometeu clemência a todos que se retirarem agora da organização.

Contudo, na quinta-feira, seus membros foram novamente às ruas em passeata. "Os protestos vão continuar, mesmo com as prisões e mortes”, afirmou Ibrahim El-Sayed, membro do partido Liberdade e Justiça, da Irmandade Muçulmana. “Essa decisão é insignificante para nós."

Dentro da Irmandade, alguns já consideram recorrer à Justiça contra sua classificação como organização terrorista. "O primeiro-ministro não tem direito de declarar a Irmandade Muçulmana grupo terrorista, já que nenhuma lei lhe confere poder para tal”, afirma Amr El-Shalakany, professor de Direito da Universidade Americana no Cairo, em entrevista ao portal de notícias online Al-Ahram. Mesmo o Artigo 86, invocado pelo governo, não lhe daria legitimação para tal, e a decisão pode ser simplesmente anulada através de um recurso à Corte Administrativa.

Por outro lado, Mohammed El-Damati, um defensor da Irmandade Muçulmana, explica que a decisão terá efeito psicológico, e ele conta com o aumento da hostilidade em público contra seus membros. Após o atentado em Mansura, residentes chegaram a atacar as instalações da organização islâmica.

Apoiadores de Morsi prometem continuar protestosFoto: Khaled Desouki/AFP/Getty Images

Violência no Egito pode escalar

A classificação oficial da Irmandade como organização terrorista aumenta as possibilidades de repressão: já foram congeladas as verbas de diversas organizações não governamentais suspeitas de colaborar com os fundamentalistas.

Com isso, o governo tenciona cortar uma das maiores forças da organização: seu engajamento beneficente. "As frentes ficaram mais acirradas", explica o jornalista Samy Magdy. "No momento, não há nenhuma esperança de aproximação entre o governo e a Irmandade."

A nova Constituição do Egito, recém formulada, será votada em 14 e 15 de janeiro de 2014. Tanto os militares como o governo desejam um bom andamento desse processo. "Devemos contar com um agravamento da situação no Egito", prevê Günter Meyer.

A partir de agora, as forças de segurança podem agir arbitrariamente contra a Irmandade Muçulmana. "E isso, com certeza, não vai contribuir para o avanço em direção a uma sociedade civil e a um status quo democrático", conclui o especialista.

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