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PolíticaFrança

Governo Macron escorrega cada vez mais para a direita

30 de novembro de 2020

Mais poderes para a polícia, mais restrições para os manifestantes: a política de Paris parece se confundir cada vez mais com a da extrema direita. Aparentemente, uma manobra eleitoral. Mas a resistência popular cresce.

Grupo de manifestantes com cartazes em Paris
Protestos em Paris reuniram pelo menos 45 mil manifestantes de diversas camadas sociaisFoto: Lisa Louis/DW

Desde o início da pandemia de covid-19, manifestações de massa são uma raridade na França tão afeita a protestar. Apesar disso, no sábado (28/11), entre 133 mil e 500 mil cidadãos foram às ruas em mais de 70 diferentes cidades.

Pelo menos é o que indicam as informações da polícia e dos próprios manifestantes. Estes resistem contra uma proposta de lei, em especial seu controvertido Artigo 24, o qual proíbe a divulgação de imagens em que policiais sejam nitidamente identificáveis, caso isso possa resultar em danos psíquicos ou físicos para eles.

"Quem não tem nada a ser reprovado, nada tem a esconder", é a mensagem do estudante de medicina Santiago KadeyanFoto: Lisa Louis/DW

A assim chamada lei de segurança é um dos diversos projetos jurídicos que implicariam um curso ainda mais à direita por parte do governo Emmanuel Macron. Oficialmente, o presidente justifica a medida com a proteção dos agentes: afinal de contas os ataques violentos contra eles vêm crescendo há anos.

Porém cresce também a resistência a tal curso governamental. Manifestantes como o estudante de medicina residente de Paris Santiago Kadeyan, de 19 anos, contra-argumentam que os vídeos são o único meio de defesa contra os excessos da polícia.

"Essa lei dá à polícia ainda mais autoridade e meios financeiros, e também o direito de empregar drones em manifestações. Ao mesmo tempo, restringe as nossas possbilidades de nos defendermos das agressões partindo deles. Isso só vai levar a ainda mais violência policial."

A importância de filmar operações policiais foi confirmada recentemente, em dois episódios independentes: na noite de 22 de novembro, agentes desmantelaram com brutalidade um acampamento de refugiados no centro de Paris. Apenas quatro dias mais tarde, divulgou-se que um produtor musical negro fora gravemente espancado, antes de ser preso. Graças a as ações terem sido filmadas, os policiais envolvidos são agora alvos de inquérito.

Temores pela liberdade de imprensa

Os pelo menos 45 mil manifestantes de Paris provinham de todas as classes sociais e grupos profissionais: professores, psicólogos, estudantes – e também jornalistas, os quais temem que a lei acarrete restrições à liberdade de imprensa.

Nesse ínterim, foi acrescentado ao polêmico artigo que proíbe a filmagem de polciais um parágrafo prevendo explicitamente que o dispositivo não deve prejudicar "o direito legítimo de informar o público". Isso não tranquiliza a jornalista Adeline Quéraux, que trabalha para um grande jornal parisiense.

"Estou preocupada que esse regulamento venha a limitar o nosso trabalho em caráter duradouro", comenta. Ela, que frequenta manifestações desde criança, teve receios neste sábado, pela primeira vez. "Temo a violência, impera um clima tão agressivo, no momento, sem qualquer reserva. O governo escorrega cada vez mais para a direita."

As restrições para os representantes da imprensa que noticiem sobre manifestações populares já haviam sido endurecidas no começo de setembro, com a exigência de que os jornalistas se credenciem, a fim de poder exercer seu trabalho durante protestos, mesmo em espaços públicos.

Além disso, o governo Macron está elaborando uma lei contra o islamismo radical, a fim de controlar associações muçulmanas com mais rigor e limitar fortemente a educação domiciliar. Outra lei proíbe protestos nos campus universitários, embora os estudantes tenham sempre desempenhado um papel importante nos movimentos de protesto franceses.

Deputada Cécile Rilhac, do LREM de Macron, quer fundar um partido mais de esquerdaFoto: Assemblée nationale

"Lei e ordem também são valores da esquerda"

Para o sociólogo Sebastian Roché, diretor de pesquisa do instituto federal CNRS, as leis mais recentes reforçam uma tendência que ele já observa desde a eleição do atual presidente, em 2017.

"Macron foi eleito como candidato da esquerda e da direita, e tinha um programa eleitoral muito equilibrado. Mas até o momento ele aplicou principalmente uma política conservadora, e agora chegamos a um ponto de virada: ele perdeu praticamente todos os seus eleitores de tendência esquerdista. Ele segue agora uma política muito dura, baseada em lei e ordem, penas mais severas, e mais polícia e mais vagas nas prisões."

Bruno Cautrès, do Centro de Pesquisa Política da Universidade Science Po, de Paris, critica que o chefe de Estado de 42 anos só esteja atentando para um aspecto da necessidade de segurança do eleitorado. "Os franceses querem segurança, mas também no sentido social; eles se preocupam com o funcionalismo público e o desemprego. Macron tem que abordar também isso, se quer ter uma chance no próximo pleito, em 2022."

Jean-Baptiste Moreau, deputado e porta-voz do partido governista A República em Marcha (LREM), nega que o governo esteja pendendo para a direita. "Lei e ordem, enfim, não são exclusivamente valores de direita, também eleitores de tendência esquerdista os almejam."

"Afinal de contas, sem segurança não há liberdade. Além disso, não podemos simplesmente relegar essas temáticas ao Reagrupamento Nacional (RN), de extrema direita, temos que encontrar para a questão as nossas próprias soluções, que são menos radicais."

Tudo, menos Macron?

Contudo o descontentamento parece crescer também entre os deputados do LREM. Cécile Rilhac é um dos dez membros da maioria parlamentar contrária à lei de segurança. Outros 30 membros do partido de Macron se abstiveram de votar. Em janeiro, o dispostivo poderá ser debatido no Senado, mesmo que até lá o governo tenha mudado ou retirado o Artigo 24, devido à pressão crescente.

"Estamos numa encruzilhada e temos que mostrar ao governo que existe uma linha vermelha, não devemos escorregar ainda mais para a direita", reivindica a deputada Rilhac. "Senão, em breve vamos ser como o RN." Juntamente com alguns outros colegas do LREM, ela está criando um novo partido mais de esquerda para o pleito parlamentar de 2022 – mesmo que a sigla siga pertencendo ao bloco político de Macron.

Na opinião do sociólogo Roché, contudo, pode ser que a estratégia de Macron funcione nas eleições de 2022, sob uma condição: "Ele tem boas chances de reeleição, se, num segundo turno, se confrontar com a líder do RN, Marine Le Pen."

"No entanto, se os partidos de esquerda e verdes conseguirem propor um candidato comum, este poderá ser o adversário de Macron. Aí o resultado não estaria tão claro, mesmo porque, até o momento, Macron fez pouca política de tendência esquerdista."

Com o estudante Kadeyan, entretanto, o chefe de Estado em exercício teria poucas chances. Em 2022 o jovem votará pela primeira vez em um pleito presidencial. Se já pudesse votar em 2017, teria escolhido Macron no segundo turno, a fim de bloquear Le Pen. Porém agora não agiria mais assim.

"Macron tem ainda dois anos para provar que possui empatia e decência humana básica. Caso contrário, numa constelação assim eu vou entregar um voto em branco."

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