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Governo nomeia missionário para chefia de índios isolados

5 de fevereiro de 2020

Pastor e ex-missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias trabalhou em missão americana de evangelização de indígenas na Amazônia. Entidades haviam repudiado indicação, que envolve um dos setores mais sensíveis da Funai.

Indígenas no Vale do Javari, no Amazonas
No continente americano, o Brasil é o país com maior número de registros de povos indígenas isoladosFoto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Brazil's National Indian Foundation Photo

Apesar das críticas, o governo de Jair Bolsonaro nomeou nesta quarta-feira (05/02) o pastor e ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias como coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados, da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União e assinada pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luiz Pontel, que é o número dois na pasta comandada pelo ministro Sergio Moro. A Funai responde a esse ministério.

Segundo o portal G1, a nomeação só foi possível graças a uma alteração no regimento interno da Funai, realizada na semana passada pelo presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier da Silva, permitindo que pessoas fora do quadro da administração pública assumissem o cargo.

Antes dessa mudança, a coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados era regida pelas Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), o que obrigava a nomeação de um servidor público concursado para o cargo de coordenador-geral.

Lopes Dias é ligado à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização missionária fundada nos Estados Unidos e conhecida entre organizações indígenas por forçar o contato com grupos que escolheram viver em isolamento e tentar evangelizá-los.

O pastor trabalhou "por mais de uma década" junto à entidade americana, segundo ele próprio informou. De acordo com a imprensa brasileira, Lopes Dias atuava como missionário evangelizando indígenas na região da terra indígena Vale do Javari, no Amazonas.

Com uma área de cerca de 8,5 milhões de hectares, a Vale do Javari faz fronteira com o Peru e é a segunda maior demarcação indígena do Brasil, atrás somente da Yanomami, que tem 9,6 milhões de hectares. Ela concentra um grande número de registros de povos indígenas isolados.

Nomeação alarmou entidades

A movimentação para nomear um missionário à frente da coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados – considerado um dos setores mais sensíveis da Funai justamente por cuidar de populações indígenas vulneráveis – já vinha sendo criticada desde a semana passada, tendo diversas entidades ligadas ao movimento indígena se pronunciado contra a decisão.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das principais ONGs do setor, chegou a afirmar que, se a nomeação de um ex-missionário da Missão Novas Tribos do Brasil se concretizasse, genocídio e etnocídio seriam cometidos.

Missionários ligados à MNTB, que atua na evangelização de indígenas na Amazônia desde os anos 1950, teriam histórico ruim na região.

"O contato forçado foi feito através de mentiras, violência e ameaças de morte. Em outras investidas de contato para nos evangelizar, nos ofereceram presentes para atrair e nos enganar, muitas vezes esses presentes estavam contaminados com doenças, o que levou muitos de nossos parentes à morte", afirmava a nota da Coiab.

Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a nomeação segue a linha adotada pela Funai desde que Xavier da Silva, delegado da Polícia Federal indicado pela bancada ruralista, assumiu a presidência do órgão.

"A Funai segue com mais este ato atentando contra os direitos dos povos indígenas, desmontando o órgão indigenista federal e uma política de não contato com povos indígenas isolados iniciada em 1987, e que tem reconhecimento internacional", manifestou-se a Apib por meio de nota.

A União dos Povos Indígenas do Javari (Univaja) classificou a intenção da nomeação como "estúpida e irresponsável do atual presidente do órgão", que age para beneficiar "setores retrógrados, como o fundamentalismo evangélico e o agronegócio".

"A atuação missionária nas aldeias tem sido nociva tanto quanto as doenças, pois causa desorganização étnica, social e cultural dos povos indígenas. No Javari, os missionários nos dividiram em quem era de Deus e quem era do Diabo, isso para os isolados significa a completa extinção", afirmou a nota de repúdio da Univaja.

Por sua vez, a ONG Survival International, que defende os direitos dos povos indígenas ao redor do mundo, disse que nomear um missionário evangélico para comandar o departamento de índios isolados seria um "plano genocida".

"É como colocar uma raposa no galinheiro. É uma agressão, uma declaração de que eles querem entrar em contato com povos indígenas isolados à força, o que os destruirá. [...] É um plano genocida para a destruição total dos povos mais vulneráveis do planeta cuja sobrevivência está agora em risco", afirmou Sarah Shenker, ativista da Survival International, em nota.

Em 31 de janeiro, a Defensoria Geral da União (DPU) chegou a pedir que a presidência da Funai explicasse a possível nomeação de um ex-missionário para a chefia de índios isolados.

Servidores da Funai também expressaram preocupação. "É um cenário horrível, escatológico. Os servidores estão adoecendo. E quem denuncia esses abusos é ameaçado pela própria Funai com processos, etc. É um terror", disse um servidor do órgão, que pediu para não ter o nome revelado, em entrevista por telefone à DW Brasil.

Indígenas isolados do Brasil

No continente americano, o Brasil é o país com maior número de registros de povos indígenas isolados. Segundo a Funai, há atualmente cerca de 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal. O órgão informa que esses números podem variar conforme a evolução dos trabalhos indigenistas em curso realizados pela própria fundação.

Desde a chegada dos portugueses, esses grupos escolheram viver longe das demais sociedades. Muitos, que fugiram das condições impostas por colonizadores e missionários, buscaram refúgio em locais remotos na Amazônia, onde permanecem até os dias atuais.

Em vigor desde 1987, a política de não contato respeita o direito à autodeterminação dos povos indígenas. Um órgão específico dentro da Funai foi criado para aplicar esse direcionamento, e resultou nas Frentes de Proteção Etnoambiental, bases que têm objetivo de monitorar e proteger a área habitada pelos grupos isolados.

EK/dw/ots

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