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PolíticaPolônia

Governo polonês é criticado por instrumentalizar Holocausto

Jacek Lepiarz
3 de junho de 2023

Em uma tentativa de dissuadir as pessoas de comparecerem a uma manifestação da oposição marcada para domingo, partido governista ultraconservador da Polônia divulgou um vídeo mostrando imagens do campo de Auschwitz.

Auschwitz
Mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas em Auschwitz-BirkenauFoto: Friso Gentsch/dpa/picture alliance

Quase quatro meses antes das eleições parlamentares na Polônia, o nervosismo aumenta no campo do governo ultraconservador do país. O líder da oposição liberal, Donald Tusk, convocou uma manifestação contra o governo no próximo domingo (06/04). Espera-se que mais pessoas saiam às ruas em Varsóvia do que em qualquer outro momento desde o fim do regime comunista em 1989. O Partido Lei e Justiça (PiS), que comanda o governo do país, teme que uma manifestação em grande escala possa marcar uma virada na campanha eleitoral.

Para desencorajar as pessoas a participar da manifestação, o partido do político Jaroslaw Kaczynski e do premiê Mateusz Morawiecki divulgou um vídeo na última quarta-feira. A tática causou indignação na Polônia e no exterior.

O vídeo do PiS exibe a entrada no campo de concentração de AuschwitzFoto: Artur Widak/NurPhoto/picture alliance

Propaganda eleitoral com imagens de Auschwitz

O vídeo mostra a entrada do campo de extermínio de Birkenau e o portão do campo principal de Auschwitz. A inscrição cínica escrita em alemão "O trabalho liberta" é claramente visível acima do portão. Em seguida, o vídeo veicula a informação de que mais de um milhão de pessoas foram assassinadas no campo e que seis milhões de poloneses morreram na Segunda Guerra Mundial. Na sequência, um tuite do jornalista Tomasz Lis, um figura crítica ao PiS, é exibido.

Dois dias antes, ele havia escrito no Twitter que haveria uma "câmara" para os ultraconservadores presidente Andrzej Duda e Jaroslaw Kaczynski. Na Polônia, "câmara" é geralmente entendida como câmara de gás. Lis pediu desculpas e excluiu o tuite. Ele se justificou afirmando que quando se referiu à "câmara", queria dizer uma cela de prisão. No entanto, o PiS aproveitou a oportunidade para atacar a oposição e a convocação da manifestação. Enquanto o logotipo da manifestação de protesto é mostrado no vídeo da eleição, um narrador pergunta: "Você realmente quer seguir esse lema?".

Com o vídeo, o ultraconservador e nacionalista PiS tenta repetir controversas e bem-sucedidas propagandas de outras campanhas eleitorais. Em 2005, uma propaganda do PiS que acusava o avô de Tusk de ser voluntário na Wehrmacht ajudou Lech Kaczynski (irmão de Jaroslaw Kaczynski) a vencer a eleição presidencial. Outras propagandas acusando políticas dos liberais de supostamente empobrecerem a população também desempenharam papel decisivo no sucesso do PiS nas últimas eleições parlamentares. No entanto, o mais recente vídeo de campanha vem sendo considerado contraproducente.

Onda de indignação

O Memorial de Auschwitz protestou publicamente contra o vídeo. "A instrumentalização da tragédia das pessoas que sofreram e morreram em Auschwitz, independentemente de qual lado do debate político, ofende a memória das vítimas", afirmou a direção do museu. O vídeo é "uma triste expressão da decadência moral e intelectual do debate público".

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, também se mostrou crítico. "A memória das vítimas dos crimes alemães em Auschwitz é sagrada e inviolável. A tragédia das milhões de vítimas não pode ser mal utilizada em lutas políticas. Tais ações são indignas e indesculpáveis", escreveu Duda, que normalmente se mostra alinhado com as políticas do PiS, embora não seja mais filiado ao partido desde 2015.

"É quebrar um tabu", disse o prefeito liberal de Varsóvia, Rafal Trzaskowski. Organizações judaicas ativas na Polônia também protestaram contra o "abuso do Holocausto na atual disputa política".

Em 2022, o presidente Duda prestou homenagem às vítimas do Holocausto ao lado do sobrevivente Edward MosbergFoto: Wojciech Grabowski/Zuma/IMAGO

"O PiS está sob pressão"

Comentaristas políticos também avaliaram que o vídeo do PiS pode vir a prejudicar as chances do governo na eleição. No jornal diário Rzeczpospolita, Michal Plocinski escreveu que o PiS estava "esbanjando todo o 'capital de sof power' que a Polônia ganhou no mundo ao apoiar a Ucrânia".

"Este vídeo controverso testemunha o desespero no campo do governo", argumentou o cientista político Wojciech Rafalowski, da Universidade de Varsóvia, no canal de televisão privado TVN. "O PiS está sob pressão e cometeu um erro com essa manipulação."

Rafalowski também apontou que as recentes decisões do PiS, especialmente a de estabelecer uma comissão especial para investigar se funcionários públicos estariam agindo sob "influência russa", serviram apenas para unificar o movimento de oposição na Polônia. Desde então, Duda voltou atrás na lei, dizendo que introduziria emendas.

Na Polônia, a comissão foi descrita pela oposição e por vários juristas como inconstitucional e "estalinista". Críticos do governo condenaram a lei como uma tentativa de banir políticos da oposição de cargos públicos. A medida também foi fortemente criticada pelos Estados Unidos e pela União Europeia.

Quando Tusk convocou pela primeira vez uma marcha de protesto semanas atrás, outros partidos da oposição reagiram com reserva. Os líderes do centrista Polska 2050 e do PSL, da centro-direita agrária, não queriam que a Plataforma Cívica de Tusk dominasse o evento, mas agora convocaram apoiadores para participar.

PiS defende vídeo de Auschwitz

Imperturbável com as críticas, o PiS defendeu sua peça de campanha. Michal Moskal, chefe do gabinete político do presidente do PiS, Kaczynski, disse: "Mostramos a hipocrisia (da oposição). Dói." Moskal é suspeito pela mídia de ter sido o mentor do vídeo. "Nós apenas respondemos à linguagem do ódio", argumentou o deputado do PiS Marek Ast.

Quando a eurodeputada polonesa Anna Zalewska compartilhou o tuite com o vídeo, ela também incluiu as palavras "Pela Alemanha".

Para alguns membros no PiS, Tusk representa os interesses alemães na Polônia. Eles também não se esquivam de instrumentalizar a história para traçar falsos paralelos com os nazistas. Alguns políticos chegaram a chamar Tusk de "colaborador".