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Governo sabota o cinema, diz Kleber Mendonça Filho em Berlim

Érika Kokay | Helena Wöhl Coelho de Berlim
20 de fevereiro de 2020

Membro do júri da Berlinale, cineasta se diz preocupado com o setor audiovisual no país. Embora esteja em seu melhor momento, cinema brasileiro vive período difícil de desmonte, afirma o diretor de "Bacurau".

O cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho em coletiva de imprensa na abertura da Berlinale
Brasileiro falou em coletiva de imprensa na abertura da Berlinale ao lado dos demais juradosFoto: AFP/J. Macdougall

O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, que integra o júri da 70ª edição do Festival de Cinema de Berlim, afirmou nesta quinta-feira (20/02) que o cinema brasileiro sofre um processo de desmonte e sabotagem por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro.

Autor de filmes aclamados pela crítica como Aquarius (2016) e Bacurau (2019), o brasileiro comentou a situação da indústria cinematográfica do país durante a coletiva de imprensa na abertura da Berlinale, na capital da Alemanha, ao lado de outros membros do júri internacional.

Segundo o diretor, é exatamente neste período difícil, com a indústria audiovisual sendo "desmontada quase diariamente", que o cinema brasileiro vive seu "melhor momento na história".

"Mesmo que estejamos enfrentamento um momento difícil, acho que é um grande momento para fazer filmes, especialmente se você for muito jovem. Nós temos a tecnologia, e temos um país cheio de contradições, cheio de conflitos e cheio de dramas agora", disse.

Com 19 filmes selecionados, o Brasil chega à Berlinale 2020 com uma presença recorde, além de disputar o prêmio máximo do festival, o Urso de Ouro.

"O cinema brasileiro tem uma longa história, é muito diverso. E o que está acontecendo agora [este momento próspero] é resultado de 15, 20 anos de muito trabalho duro de todos os lados da indústria cinematográfica brasileira. Temos uma lista muito diversa de cineastas incríveis em todo o Brasil, e não só no Sudeste, onde o dinheiro está concentrado", afirmou o pernambucano.

"É exatamente isso que está sendo desmontado, destruído e sabotado agora", acrescentou ele à imprensa internacional, em referência às políticas do governo Bolsonaro para a cultura.

Diante disso, Mendonça Filho disse estar "preocupado". "Temos cerca de 600 projetos, que envolvem televisão e cinema, atualmente congelados, por burocracia", relatou. "Preciso agradecer Carlo por sua preocupação. Ele não é o único [a se preocupar]."

O brasileiro – cujo filme Bacurau venceu o Prêmio do Júri em Cannes em 2019, a terceira honraria mais importante do festival francês – se referia ao novo diretor da Berlinale, o italiano Carlo Chatrian, que recentemente expressou inquietação diante da situação do setor audiovisual brasileiro sob o atual governo.

À DW, Chatrian ainda comentou o convite feito a Mendonça Filho para integrar o prestigiado júri internacional: "Achamos importante mandar um sinal para a indústria internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro."

Para o italiano, a boa safra de filmes inscritos no Festival de Berlim pode ser um efeito colateral da política de esvaziamento cultural do governo Bolsonaro. "Muitos produtores sabiam que se deixassem para o ano seguinte poderiam não ter mais financiamento, porque a Ancine poderia fechar. Por isso, eles correram para terminar seus filmes com o dinheiro disponível."

O diretor da Berlinale destacou, porém, que a farta seleção de obras brasileiras se baseou unicamente na qualidade do material inscrito. "Não escolhemos tantos filmes brasileiros para fazer um posicionamento político. Eles foram escolhidos porque são filmes fortes", garantiu.

Mendonça Filho e os demais jurados da Berlinale na abertura do festival nesta quinta-feiraFoto: picture-alliance/dpa/C. Soeder

Brasil na Berlinale 2020

O Brasil disputará o Urso de Ouro com Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra. Coprodução entre Brasil e França, o longa discute a herança da escravidão na virada do século 19.

O país vem forte também, com cinco filmes, na mostra Panorama – a segunda mais importante e a única a ter uma premiação definida pelo público. Uma das obras é Nardjes A., do premiado cineasta Karim Aïnouz, que volta ao festival com um documentário sobre uma jovem ativista que luta pela democracia na Argélia.

O reflexo do lago, de Fernando Segtowick, mostra a vida dos que moram, sem energia elétrica, nos arredores de uma das maiores hidrelétricas da Amazônia, sob um olhar ambientalista.

Ainda na Panorama, o diretor Matias Mariani conta em Cidade pássaro a história de um músico que deixa a Nigéria para procurar o irmão desaparecido em São Paulo. Completam a seleção Vento seco, de Daniel Nolasco, e a coprodução Un crimen común, dirigida pelo argentino Francisco Márquez.

Na mostra competitiva Encounters, que visa fomentar trabalhos "esteticamente ousados" e que possam trazer novas abordagens para o cinema, o Brasil pode levar um prêmio com Los conductos, do diretor Camilo Restrepo, feito em coprodução com França e Colômbia.

Há também filmes na seção Fórum, mais experimental, e na Generation, dedicada ao público infanto-juvenil, em que o Brasil apresenta mais quatro filmes. Entre eles, Alice Júnior, de Gil Baroni: uma ficção divertida sobre uma youtuber trans, que já passou por festivais no Brasil. A obra foi realizada com apoio da Ancine, na era pré-Bolsonaro.

O júri internacional da Berlinale é presidido pelo ator britânico Jeremy Irons e formado por seis jurados, que assistem aos 18 filmes da competição e concedem os prêmios no final do festival.

Além de Mendonça Filho, compõem o grupo a diretora palestina Annemarie Jacir, a atriz argentina Bérénice Bejo, a produtora alemã Bettina Brokemper, o cineasta americano Kenneth Lonergan e o ator italiano Luca Marinelli.

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