Governo Temer completa um mês em meio a turbulência política
Jean-Philip Struck13 de junho de 2016
Presidente animou mercado e demonstra boa relação com o Congresso para aprovar medidas, mas sofreu baixas no núcleo duro e aumentou desconfiança sobre não interferência na operação Lava Jato.
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O presidente interino Michel Temer completou um mês à frente do governo deixando uma impressão positiva no mercado, melhorando a relação entre Executivo e o Congresso, mas também enfrentando turbulência no seu núcleo e frustrando setores da população que esperavam renovação na política. As controvérsias no período também lançaram incerteza sobre o julgamento do impeachment e mostraram que a Operação Lava Jato pode desestabilizar o novo governo tal como ocorreu com Dilma Rousseff.
Segundo o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, o maior acerto de Temer até o momento foi a montagem da equipe econômica. O mercado reagiu bem à escolha de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda e Ilan Goldfajn para a chefia do Banco Central. "Nessa área, ele soube interpretar os apelos", afirmou.
Entre as medidas para melhorar o quadro, no entanto, houve pouca ação até agora. "Foram mais anúncios do que decisões práticas. Mostram uma falta de orientação e determinação", afirma o cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen.
Temer anunciou o congelamento do aumento dos gastos públicos, que devem ficar limitados a uma correção da inflação do ano anterior, mas o plano ainda depende de uma lei. Até o momento, a maior parte das medidas foi simbólica. Temer reduziu o número de ministérios de 32 para 23, mas a economia gerada deve ter pouco impacto.
Turbulências
Na política, o novo governou mostrou harmonia com o Congresso. Com uma nova coalizão, Temer conseguiu aprovar com facilidade a redução da meta fiscal e a prorrogação até 2023 da DRU, mecanismo que autoriza a União a gastar como quiser 30% da arrecadação. Ambas as medidas já haviam sido propostas no governo Dilma, mas esbarraram na falta de apoio.
Mas a base de Temer também já vem causando problemas. Tal como Dilma, o presidente interino já sofre pressão de partidos médios e nanicos, que pedem cargos e batalham pela aprovação de medidas que batem de frente com o discurso de arrocho nas contas. Como resultado, o governo inicialmente aceitou projetos de aumento para o funcionalismo e de criação de 14 mil novas vagas na administração.
O núcleo duro do governo não vem se saindo melhor. Logo após tomar posse, Temer foi criticado por montar um ministério sem mulheres e com poucos "notáveis". No lugar da diversidade e de técnicos, apareceram velhos caciques políticos. "Essa preocupação em formar uma coalizão sólida entrou em choque com a agenda de mudança política esperada pela população. Ele não respondeu aos pedidos por renovação", afirma Cortez.
Poucos dias foram suficientes para confirmar os erros na montagem da equipe. Primeiro, Romero Jucá (Planejamento), que já estava enrolado na Lava Jato, teve que deixar o cargo após aparecer em um grampo no qual diz ser necessário mudar o governo para "estancar a sangria" da operação. Depois, foi a vez de ministro Fabiano Silveira (Transparência) cair por criticar a Lava Jato.
A Lava Jato também demonstrou a vulnerabilidade do governo e lançou dúvidas sobre o comprometimento do novo governo com as investigações. Em seu discurso de posse, Temer disse que daria todo o apoio à operação. Mas as conversas de Jucá e de Silveira aumentaram a incerteza.
"Esse problemas eram previsíveis. Essas decisões afetam a legitimidade de Temer para se firmar no cargo. Não se pode esquecer que ele continua próximo de figuras como Eduardo Cunha. Se ele não mostrar distanciamento, vai acabar sendo afetado pessoalmente", afirma Rauschenbach.
Desconfiança
O governo também sofre com a desconfiança na sociedade. Pesquisa divulgada na semana passada mostrou que 54,5% dos brasileiros consideram que o desempenho de Temer está igual ao de Dilma – ou seja, ruim, e apenas 11,3% avaliam o governo Temer como positivo. A esperada "lua de mel" entre governo e população, corriqueira quando ocorrem mudanças de governo, não se confirmou.
A instabilidade para se firmar também se refletiu nos vários recuos – além de recriar o Ministério da Cultura, Temer se viu obrigado a barrar as 14 mil novas vagas. Segundo Cortez, os recuos demonstram que o governo Temer "não tem identidade política". Já o cientista político David Fleischer afirma que eles mostram uma "capacidade de adaptação". "Temer percebe as coisas e muda. Dilma nunca se adaptava."
Os fatos negativos no último mês fizeram com que a imprensa brasileira lançasse dúvidas sobre o julgamento do impeachment, apontando que alguns senadores estão reavaliando suas posições. No entanto, o analista político Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM, afirma que os estragos ainda não garantem que Dilma tenha chances de voltar. "Se a Lava Jato não alcançar Temer pessoalmente, talvez ele tenha chance de sobreviver até 2018. Mas o que se pode esperar desse governo depende da expectativa. Ele pode arrumar algo na economia, mas não veio para reformar a política brasileira."
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.