Governo Trump reaviva clima de Guerra Fria contra Cuba
Andreas Knobloch de Havana / av
7 de março de 2019
Em cláusula até então suspensa, lei da década de 1960 prevê possibilidade de exigir em tribunais americanos indenização por expropriações efetuadas em Cuba. Washington anunciou ativação do mecanismo.
Anúncio
O governo dos Estados Unidos anunciou nesta segunda-feira (04/03) que ativará parcialmente uma cláusula suspensa da chamada Lei Helms-Burton. Isso significa que, a partir de 19 de março, empresas cubanas que utilizem antigas propriedades americanas no país expropriadas e estatizadas depois da revolução de 1959 poderão ter que responder a processo de indenização diante de tribunais nos EUA.
O anúncio afeta cerca de 200 companhias subordinadas às Forças Armadas ou ao Ministério do Interior cubanos, entre as quais hotéis, agências de turismo e empresas de ônibus. A zona especial de comércio de Mariel também está incluída.
Como nenhuma das firmas tem conexões com o sistema americano jurídico ou financeiro, a possibilidade de um processo não deverá ter quaisquer consequências práticas para a economia cubana. Desse modo, no entanto, Washington gera insegurança entre investidores potenciais e aumenta a pressão sobre o governo em Havana.
A Lei Helms-Burton foi aprovada pelo Congresso americano em 1996, como endurecimento do embargo contra Havana. A Cláusula 3ª, agora em questão, foi sempre adiada por todos os presidentes americanos, em prazos de seis meses. Donald Trump é o primeiro a ativá-la. Assim, volta a reinar uma Guerra Fria, não só no campo retórico.
Justificando a medida, o assessor de Segurança John Bolton citou o apoio de Cuba ao governo de Nicolás Maduro na Venezuela. Numa entrevista à emissora CNN no último fim de semana, Bolton esbravejou contra Havana e Caracas, e defendeu a Doutrina Monroe, segundo a qual a América Latina é uma zona de influência genuína dos EUA.
Recentemente, Bolton substituiu a metáfora "eixo do mal", da época de George W. Bush, supostamente formado pelo Iraque, Irã e Coreia do Norte, por "troica da tirania", que incluiria, além de Venezuela e Cuba, também Nicarágua.
Os três Estados reprimiriam suas populações e constituiriam um foco de instabilidade regional, afirmou, acrescentando que uma força armada de 25 mil cubanos se encontraria na Venezuela. Ele possivelmente se referia aos mais de 20 mil doutores e outros profissionais cubanos da área médica que se encontram no país.
Efeitos práticos
De início, empresas estrangeiras com interesses comerciais em Cuba não serão atingidas pela medida do governo Trump. Como a ativação da Cláusula 3ª é parcial, apenas companhias cubanas estão sujeitas a ações jurídicas. Contudo, caso Washington resolva estender a ameaça a firmas estrangeiras, após um prazo inicial de 30 dias, então também europeus podem ser afetados.
Entre os investidores mais importantes de Cuba estão o conglomerado britânico de tabaco Imperial Brands, operando em joint venture com Havana, as cadeias de hotéis espanholas Iberostar e Meliá, e a fabricante de bebidas Pernod-Ricard, que distribui a marca Havana Club em âmbito mundial.
"Não há intenção de prejudicar empresas europeias que atualmente fazem negócios em Cuba", declarou um funcionário do Departamento de Estado dos EUA citado pela agência de notícias AP.
Havana reagiu prontamente ao anúncio de novas sanções americanas: segundo o ministro do Exterior Bruno Rodríguez, elas seriam uma "ameaça inaceitável para o mundo".
"Eu rechaço com veemência o anúncio do Departamento de Estado dos EUA de aceitar queixas, nos termos da Cláusula 3º da Lei Helms-Burton, contra uma lista de firmas cubanas escolhidas arbitrariamente pela administração Trump", escreveu no Twitter.
Em comunicado, o governo em Havana lembrou que no passado Cuba esclareceu com governos de todo o mundo as reivindicações relativas às expropriações, porém os americanos se negaram a participar.
"Exigências de indenização por propriedades estatizadas podem ser parte de um futuro processo de negociação, baseado na igualdade e no respeito mútuo entre os governos de Cuba e dos EUA", admitiu Havana. No entanto, quem exigir indenização com base na Lei Helms-Burton será excluído de negociações futuras.
Exigências bilionárias
As expropriações de firmas americanas em Cuba começaram em 1960, depois que os conglomerados petrolíferos dos EUA se recusaram a processar petróleo soviético. Em resposta, o governo de Fidel Castro estatizou primeiro as companhias petroleiras, mais tarde também fábricas, propriedades rurais, usinas e outros bens.
A Foreign Claims Settlement Commission, subordinada ao Departamento de Justiça dos EUA, coletou quase 6 mil queixas de cidadãos e firmas americanos contra Cuba, com as exigências somando um total estimado em 1,8 bilhão de dólares. Considerados os juros acumulados, as exigências ultrapassam hoje os 7 bilhões de dólares. Os cubanos já arcam com prejuízos bilionários devido ao embargo econômico dos EUA.
James Williams, presidente da organização lobista Engage Cuba, que se empenha pela normalização das relações entre os EUA e Cuba, considera contraproducente o novo endurecimento das sanções.
"É a continuação da mesma política de embargo que fracassa há mais de 60 anos", comentou ao portal Cubadebate. "Quando se passa batom num porco, ele continua sendo porco. Prosseguir nessa política frustrada mina os interesses dos EUA e serve a seus adversários."
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube
Quase nada em Cuba lembra de como era a vida antes dos Castro. O dia 19 de abril de 2018 marca o fim das quase seis décadas de governo dos irmãos Fidel e Raúl.
Foto: Reuters
1959 - A revolução triunfa
O rebeldes liderados por Fidel Castro chegam ao poder depois de derrubar o ditador Fulgencio Batista em janeiro. Os EUA reconhecem o novo governo. Logo, "leis revolucionárias" (como a reforma agrária) afetam empresas americanas. Em dezembro, o presidente republicano Dwight D. Eisenhower aprova um plano da CIA para derrubar Castro em um ano e substitui-lo por "uma junta amiga dos EUA".
Foto: AP
1960 − Aproximação com a União Soviética
Eisenhower proíbe exportações para Cuba (exceto de alimentos e remédios) e suspende a importação de açúcar. Cuba responde nacionalizando bens e empresas americanas e estabelecendo relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética. No funeral das vítimas da explosão do cargueiro francês La Coubre (foto), Cuba responsabiliza a CIA, e Castro lança seu lema "pátria ou morte!"
Foto: AP
1961 − Ruptura e invasão fracassada
Os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba e fecham sua embaixada em Havana em 3 de janeiro. Após uma série de bombardeios em aeroportos e incêndios em estabelecimentos comerciais, cuja autoria Cuba atribui aos EUA, Fidel proclama o caráter socialista da revolução em 16 de abril. Entre 17 e 19 daquele mês, cubanos treinados pelos EUA tentam invadir a ilha pela Baía dos Porcos, mas fracassam.
Foto: AP
1962 - A crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", disse em 1960 o líder soviético Nikita Kruchov. Moscou reata relações diplomáticas com Havana e eleva seu apoio. A URSS instala bases de mísseis nucleares em Cuba, desencadeando a "crise dos mísseis". Moscou cede à pressão de Kennedy em troca de os EUA se comprometerem a não invadir Cuba e desativarem suas bases nucleares na Turquia.
Foto: imago/UIG
1971 – Fidel Castro no Chile
O episódio da Baía dos Porcos acelera a proclamação do caráter socialista, marxista-leninista, da revolução. Cuba acaba sendo expulsa da Organização dos Estados Americanos. Castro fica isolado no continente, mas não para sempre. Ele é recebido no Chile pelo presidente Salvador Allende (foto), que iria ser derrubado por Augusto Pinochet em 1973.
Foto: AFP/Getty Images
1989 – A hora da Perestroika
A chegada ao poder de Mikhail Gorbatchov em Moscou marca o início da era da Glasnost e Perestroika. A Cortina de Ferro começa a ruir, e o império soviético se esfacela. Cuba perde sua principal base de sustentação no exterior, entrando em crise aguda. Milhares de cubanos tentam fugir para Miami em embarcações precárias. Muitos analistas preveem o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
1998 – Primeira visita do papa
Um decreto de Pío 12 proibia aos católicos o apoio a regimes comunistas. Em virtude disso, o Vaticano excomungou Fidel Castro em janeiro de 1962. Mas, com o fim da Guerra Fria, chega o momento da reaproximação: em 1996, Castro visita o papa João Paulo 2°, e este retribui a visita dois anos depois, em viagem considerada histórica.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
2002 - Fidel Castro e Jimmy Carter jogam beisebol
Desde que os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro, em 1962, houve poucos momentos de distensão entre Washington e Havana. Um deles foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter a Cuba, em 2002, motivada pela intenção de encontrar pontos de aproximação.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
2006 - Fidel e Hugo
A partir dos anos 90, Cuba deixa de ser vista como uma perigosa exportadora de revoluções. Com a derrocada do bloco comunista no Leste Europeu, as ideologias de esquerda entram em crise. Mas, na Venezuela, chega ao poder um novo dirigente, disposto a propagar a "Revolução Bolivariana". Hugo Chávez, declarado admirador de Fidel, passa a dar a Havana um respaldo importante, também na área econômica.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
2006 - A entrega do poder
A doença forçou Fidel Castro a abandonar o poder. Em 2006, ele o deixa nas mãos de seu irmão Raúl, uma garantia de que não haveria reviravoltas num sistema que, apesar dos avanços em educação e saúde, cobrou um alto preço: o da falta de liberdade e repressão. Fidel foi se despedindo do poder aos poucos, defendendo até o fim sua visão, através das páginas do jornal "Granma".
Foto: picture-alliance/AP Photo/Cristobal Herrera
2014 - Degelo temporário
Em dezembro de 2014, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e o de Cuba, Raúl Castro, anunciaram que retomariam as relações diplomáticas. Obama visitou Cuba em março de 2016. Haviam se passado 88 anos desde a última vez que um presidente americano viajara à ilha. EUA retirou Cuba da lista de terrorismo, dando início ao processo de retomada das relações diplomáticas.
Tantas vezes anunciada e desmentida, a morte do líder foi inicialmente recebida com desconfiança. Entretanto, em 25 de novembro de 2016, os bares fecharam mais cedo e as reuniões de amigos nas ruas se dispersaram com a notícia. Durante anos, Fidel Castro desmentiu rumores de sua morte com a publicação de fotografias ou artigos de opinião.
Foto: Getty Images
2018 – A sucessão
Depois de dez anos, Raúl Castro se retira do poder. Em 19 de abril, o Parlamento cubano elegerá um sucessor que, pela primeira vez em quase 60 anos, não leva o sobrenome Castro: o vice de Raúl, Miguel Díaz Canel. Entretanto, analistas julgam improvável que o curso político em Cuba se modifique logo.