Greenwald diz que Moro cria clima de ameaça à imprensa livre
11 de julho de 2019
Em audiência no Senado, jornalista do Intercept afirma não temer ministro da Justiça e adianta que site vai continuar a publicar diálogos. "Ele quer que fiquemos com medo e apreensão. Não temos medo nenhum."
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O jornalista americano Glenn Greenwald, fundador do The Intercept Brasil, disse nesta quinta-feira (11/07) em audiência no Senado que o ministro da Justiça, Sergio Moro, está criando um "clima de ameaça à imprensa livre" ao não esclarecer se o site é alvo de investigação da Polícia Federal (PF).
Desde 9 de junho, o Intercept e publicações parceiras, entre elas o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja, têm divulgado uma série de diálogos trocados entre Moro e procuradores no aplicativo Telegram à época em que o ministro atuava como juiz dos casos da Operação Lava Jato. Várias conversas levantaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos.
"Há notícias de que ele [Moro] está investigando, e ele nunca negou. Isso mostra a mentalidade do ministro. Ele quer que fiquemos com medo e apreensão. Não temos medo nenhum. Continuamos publicando depois disso. Vamos continuar publicando", disse Greenwald sobre as notícias de que a PF, subordinada a Moro, teria solicitado um relatório sobre as movimentações financeiras do jornalista ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
No início do mês, Moro, durante uma audiência na Câmara, se esquivou de responder se a PF tem liderado alguma investigação nesse sentido. "A Polícia Federal tem absoluta autonomia. Eu não interfiro nessas investigações específicas", disse ele na ocasião.
Aos senadores, Greenwald disse que o posicionamento do ministro é uma forma de "assustar" a equipe do site. "O clima que o ministro da Justiça está tentando criar, acho que isso é uma ameaça a uma imprensa livre. Está tentando fazer isso de propósito para assustar a gente. Não vai funcionar, mas é uma ameaça muito grave", afirmou.
Na última terça-feira, o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, pediu a imediata suspensão de qualquer investigação sobre Greenwald que esteja em curso até que fiquem claras as motivações.
Greenwald foi convidado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para falar sobre os vazamentos das conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato.
O jornalista contou aos senadores ter ficado chocado quando se deparou com o material das conversas. "Eu tinha nas minhas mãos a evidência mostrando que, o tempo todo, Sergio Moro estava não só colaborando com os procuradores, mas mandando na força-tarefa da Lava Jato", disse.
Logo na abertura da audiência, o jornalista lamentou o baixo comparecimento de senadores, em especial dos alinhados com o governo, que, segundo ele, o atacam virtualmente, mas não compareceram para debater.
"Eu gostaria muito de discutir frente a frente essas acusações falsas que eles estão espalhando quando não estou presente, e esta é uma oportunidade para discutir essas acusações na minha cara, para examinar se elas são falsas ou verdadeiras. Mas infelizmente eles não estão aqui para fazer isso", apontou.
O jornalista também rechaçou o pedido de Moro para que o material em poder do Intercept seja entregue às autoridades para análise.
"Nós não entregamos e nunca vamos entregar nosso material jornalístico para a polícia ou tribunais, porque isso é uma coisa que acontece em países autoritários, tiranias, e não democracias. O que nós fizemos, como profissionais, nós verificamos com muita cautela que o material é totalmente autêntico", afirmou.
Ao ser questionado por um senador sobre como a população poderia avaliar a autenticidade do material, Greenwald disse: "Não sou eu falando. É Folha, Veja, Intercept, procuradores do Ministério Público, Buzzfeed, todos falam a mesma coisa: esse material é autêntico, palavra por palavra. Qual evidência existe para apoiar a insinuação de Moro e Deltan de que algo foi alterado? Nenhuma."
Por fim, Greenwald também negou que esteja agindo a soldo de algum partido político. "Não estamos defendendo um político. Nossa causa não é 'Lula livre', nossa causa não é destruir o governo Bolsonaro, não é defender um partido e prejudicar outro. Nosso jornalismo é sobre defender princípios que não têm nada a ver com ideologia nenhuma", disse o jornalista. "Somos independentes. Estamos defendendo os princípios cruciais e fundamentais para uma democracia: a imprensa livre."
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.