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Greves devem continuar durante e após Copa, afirmam especialistas

Marina Estarque, de São Paulo26 de maio de 2014

Enquanto governo espera que manifestações diminuam, analistas acreditam que elas poderão causar transtornos, mas não vão impedir realização do evento. À parte o Mundial, atividade grevista vem aumentando no Brasil.

Brasilien Ausschreitungen nach Generalstreik der Gewerkschaften
Foto: CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images

Nos últimos meses, milhares de trabalhadores aderiram a greves no Brasil, alterando a rotina de diversas cidades. As paralisações mobilizaram diversas categorias, como professores, garis, motoristas e policiais. A aproximação da Copa do Mundo tem sido usada como elemento de pressão pelos grevistas, avaliam especialistas. No entanto, eles são unânimes em afirmar que o Mundial pouco vai impactar as paralisações, que vieram para ficar.

Segundo Ruy Braga, professor da USP e especialista em sociologia do trabalho, as greves têm aumentado desde 2008. Somente em 2012, foram 873 paralisações, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

"A Copa do Mundo pode estar presente no horizonte tático e estratégico desses trabalhadores e sindicatos. Entretanto, isso não é decisivo, porque os dados mostram que a cada ano a atividade grevista aumenta 35% em relação ao ano anterior", afirma Braga. Ele acredita que o número de greves em 2013 e 2014 será muito superior ao de 2012.

Os estudiosos ressaltam ainda que o primeiro semestre – principalmente o mês de maio – é um período em que tradicionalmente ocorrem muitas das campanhas salariais. "Essa é uma época de dissídios, sempre há paralisação. Só que ganhou mais intensidade esse ano por causa da Copa do Mundo", diz o professor de ciência política da Unesp e da PUC de São Paulo, Antonio Carlos Mazzeo.

Mundial como forma de pressão

O historiador e sociólogo Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, acredita que somente alguns segmentos do funcionalismo público poderão aproveitar a Copa para dar força às suas reivindicações.

Para Mazzeo, é natural usar o Mundial como forma de pressão. "É um momento em que o Brasil está em evidência no cenário internacional. Isso faz parte do jogo político-democrático."

O professor de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, concorda. "Quando está quente, o vendedor sobe o preço da cerveja. O mesmo acontece com os trabalhadores. Você pede aumento de salário no momento em que o patrão mais precisa do empregado. O jogo do mercado está muito próximo da chantagem", afirma.

Por outro lado, Ribeiro alerta que a estratégia usada na greve de ônibus em São Paulo foi "criminosa". "Manifestações são legítimas, mas certas táticas, não. Deixar os ônibus trancando as ruas às 18 horas é crime. Isso ultrapassou os limites."

Copa vai acontecer

Ainda que as greves e protestos continuem durante a Copa do Mundo, especialistas estão confiantes de que o evento se realizará. Segundo eles, os governos dispõem de planos de contingência para eventuais problemas.

"A Copa será realizada, o que pode acontecer são alguns transtornos. Mas o Estado tem todas as formas de garantir que os jogos aconteçam. O governo federal tem como acionar a Força Nacional de Segurança diante de uma situação de greve da polícia, por exemplo", explica o professor de ciência política da PUC de São Paulo, Pedro Fassoni.

Os especialistas concordam também que haverá um aumento da repressão e da força policial, o que inibirá a incidência e o impacto de greves e protestos. Além disso, defendem que a população se colocará contra manifestações durante o evento.

"A Copa é uma ótima oportunidade para protestos. Mas uma coisa é manifestação um mês antes do Mundial, outra bem diferente é durante o evento, quando a irritação da população com as manifestações vai ser muito maior", diz Ribeiro.

O cientista político afirma também que a preparação para a Copa supera a de outras festividades, que, no entanto, recebem mais visitantes. "É uma questão de algumas dezenas de milhares de turistas em cada cidade. Isso é muito pouco. E, como a Copa está preocupando as pessoas, não vai haver nenhuma atividade paralela durante o evento. Shows, congressos, seminários, tudo estará parado."

Em maio, greve de ônibus deixou o trânsito caótico em São PauloFoto: Reuters

Inflação e condições de trabalho

Os especialistas afirmam que não há uma única causa para o aumento das greves. Entre os motivos, alguns deles mencionam a inflação e o aumento do custo de vida, já que muitas das paralisações reivindicam aumentos salariais.

Por outro lado, o sociólogo Ruy Braga acredita que as greves cresceram devido à precarização das condições de trabalho, aliada ao baixo índice de desemprego.

"Temos um mercado muito aquecido, o que favorece a atividade grevista. Só que esse mercado multiplica o número de ocupações com salários baixos e condições cada vez mais degradantes. Houve um aumento da taxa de exploração do trabalho, do número de acidentes, da flexibilização da jornada e da terceirização", aponta.

Paralelamente, Braga indica um incremento do ativismo nas bases sindicais, favorecido, inclusive, pelo ambiente criado pelos protestos de junho. "Por isso há greves com o apoio do sindicato, sem o sindicato – quando ele não existe – ou contra o sindicato, quando a base não concorda com os acordos da diretoria."

Protestos de junho

O aumento das greves, de acordo com os especialistas, também está diretamente ligado às chamadas "jornadas de junho", em 2013.

"Junho é um divisor de águas, muda a página da história política brasileira recente. Existe um maior apetite de mobilização coletiva, que fortalece o movimento grevista. O ânimo mudou, o cidadão de uma forma geral aprendeu o caminho das ruas", considera Braga.

Para Mazzeo, as manifestações criaram uma "cultura de protesto" e até mesmo ajudaram a melhorar a forma de organização dos movimentos.

Segundo os especialistas, os protestos demonstram uma grande insatisfação popular, que perdura até hoje. Ribeiro afirma que a sociedade brasileira atual está em estado de "ebulição". "O nível de vida das pessoas melhorou e elas passaram a reivindicar mais. É o sucesso das políticas de inclusão", diz.

Já Villa defende que o mau desempenho econômico é o motivo pelo qual as pessoas estão descontentes: "Há uma percepção de que tudo vai mal, e, por isso, pipocam greves em todo o país."

Preocupação do governo

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse na última quarta-feira (21/05) que o governo está "muito preocupado" com as manifestações. Ele espera que haja uma diminuição das greves e protestos durante o Mundial.

"Na medida em que a Copa se aproxima e as obras ficam prontas, as pessoas passam a ter orgulho, e o clima do futebol começa a tomar conta. Com isso, as manifestações contra a Copa diminuem muito."

O ministro afirma ainda acreditar no "bom senso" dos brasileiros. Para ele, a greve que ocorreu em São Paulo foi "irresponsável".

"Num evento dessa magnitude, é natural que as categorias profissionais e as populações que querem protestar aproveitem a oportunidade de visibilidade. Isso está acontecendo muito. Mas as pessoas não podem punir a população em busca de um objetivo setorial. É perigoso, e pode se voltar contra a própria categoria."

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