Guaranis-kaiowás fazem apelo no Parlamento Europeu
Mirra Banchón
31 de maio de 2017
Situação do grupo indígena é abordada em conferência organizada por eurodeputados dos grupos socialista, ambientalista e de esquerda. Eles preparam relatório sobre conflitos de terra.
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"Eles estão matando meu povo. Com veneno, com balas. Hoje, no Brasil. Eu trago aqui, para a Europa, a profunda tristeza do meu povo. Temos 16 áreas reconhecidas pelo governo, mas elas foram entregues a grandes plantações de açúcar", disse o líder guarani-kaiowá Ladio Veron, em uma conferência em Bruxelas organizada por eurodeputados dos grupos socialista, ambientalista e de esquerda.
Após confrontos em abril de 2017, a situação dramática desse povo foi reconhecida em uma resolução de urgência do Parlamento Europeu votada no mesmo mês. Mas a situação não melhorou. E, dentro de instituições europeias, surgem vozes lembrando o Brasil sobre seus deveres constitucionais, tais como a demarcação de territórios indígenas e seus compromissos com a legislação internacional – o Brasil, por exemplo, ratificou em 2002 a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que prevê a consulta prévia sobre qualquer uso de territórios ancestrais.
Em discussão estava a intensificação da transferência de terras para a agricultura intensiva –a soja e cana para uso como biocombustíveis – e também a privatização do segundo maior aquífero do mundo, que se encontra em território guarani.
Embora o problema perdure há tempos e já dure vários governos, as últimas medidas tomadas pelo governo Michel Temer – como o corte de verbas para organizações indígenas, o fim de programas sociais, a falta de avanço na demarcação de terras reconhecidas como indígenas, o endurecimento contra protesto sociais – agravou ainda mais a situação.
"É a nossa terra, não vamos deixar que fiquem com ela", disse Veron, cujo pai foi morto por homens armados em 2003.
Em 2016, de acordo com a ONG de direitos humanos Front Line Defenders, 56 líderes indígenas foram assassinados no Brasil – o número chega a 370 nos últimos 14 anos. Apenas 6% desses crimes foram solucionados.
Na delicada situação política atual, os guaranis estão relegados à própria sorte. Ativistas como Fernando Burgés, da UNPO (Organização das Nações e Povos Não Representados) falam de um desinteresse e desinformação sobre a sua causa.
"Os povos indígenas estão sozinhos no Brasil. Na Câmara há apenas dez pessoas que apoiam sua causa. E o lobby do agronegócio reage muito mal à pressão", diz Burges, que apela por mais apoio europeu.
Reação europeia
Existem conflitos entre empresas e indígenas em vários países da América Latina. Um relatório parlamentar europeu que aborda a questão das terras indígenas e empresas europeias deve ser divulgado depois do verão. Francisco Assis, eurodeputado espanhol do bloco socialista, é responsável pela elaboração.
No momento, está se formando um grupo parlamentar para apoiar a causa indígena. Um membro é o eurodeputado italiano Ignazio Corrao, do bloco Europa da Liberdade e da Democracia Direta. "Vamos seguir o caminho do dinheiro para descobrir quem é culpado por este genocídio", disse.
"Esse genocídio está intimamente ligado com o alto nível de corrupção que provocou essa difícil situação política no Brasil", disse Corrao à DW. "Por outro lado, temos a especulação e a falta de escrúpulos das corporações transnacionais. Para nós, é importante colocar como condição para acesso ao nosso mercado de 500 milhões de consumidores o respeito pelos direitos humanos disse ele, citando as negociações de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
"Há ações que poderiam ser tomadas mais rapidamente se houvesse vontade política real", disse por sua vez Xabier Benito, eurodeputado espanhol do bloco da esquerda e vice-presidente da delegação para as relações com os países do Mercosul. Segundo ele, biocombustíveis provenientes de conflitos de terra não deveriam ter acesso ao mercado europeu.
Mundurukus às margens do Tapajós
Cercados pela Floresta Amazônica, índios da etnia munduruku lutam para impedir construção de hidroelétricas no rio Tapajós, no Pará.
Foto: DW/N. Pontes
Junto às margens
Os índios da etnia munduruku habitam principalmente as regiões de florestas, às margens de rios. Estão distribuídos especialmente no vale do rio Tapajós, no Pará, e nos estados do Amazonas e Mato Grosso. Atualmente, estima-se que a população de índios munduruku seja de 12 a 15 mil.
Foto: DW/N. Pontes
A cacica
Atualmente, algumas aldeias de munduruku são representadas por mulheres, conhecidas como cacicas. Maria Anicéia Akay Munduruku, da região do Alto Tapajós, faz parte do movimento pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu e contra a construção de hidrelétricas. Ela não fala português: para se comunicar com os demais fora da comunidade, ela precisa da ajuda na tradução, feita pelo marido.
Foto: DW/N. Pontes
As ameaças
Os moradores da Terra Indígena Sawré Muybu aguardam a homologação do território que habitam há pelo menos três séculos. A área, de 178 mil hectares, sofre ameaça principalmente de madeireiros, garimpeiros e, agora, pode ser impactada pela construção de hidrelétricas. Como estratégia, os indígenas iniciaram a autodemarcação do território com instalação de placas que imitam as oficiais.
Foto: DW/N. Pontes
A essência da vida
Para os mundurukus, o rio Tapajós é a essência da vida indígena. Eles dependem de suas águas principalmente para se alimentar e se locomover. Estudos apontam a existência de mais de 110 espécies de peixes, além do peixe-boi e ariranha. Animais como anta e tamanduá-bandeira também vivem às margens do rio.
Foto: DW/N. Pontes
Trabalho diário
Na época de chuvas, que vai de dezembro a maio, o nível do Tapajós chega a subir sete metros. Já na estação seca, de junho a novembro, a água volta ao curso normal. Nos igarapés da aldeia Sawré Muybu, indígenas tomam banho, lavam a louça e a roupa no começo e no final do dia.
Foto: DW/N. Pontes
Professores indígenas
As crianças munduruku frequentam a escola da aldeia, sob orientação de professores indígenas. Normalmente, apenas o ensino fundamental é oferecido nas comunidades. Na foto, as meninas brincam na sala de aula compartilhada na aldeia Sawré Muybu durante o período de férias escolares. Alguns animais, como macaco, papagaio, cachorro e capivara convivem com as crianças na aldeia.
Foto: DW/N. Pontes
A bebida tradicional
Em ocasiões especiais, como visitas à comunidade, as famílias mundurukus preparam uma bebida conhecida como kaxidi. Ela é feita de batata-doce, farinha de mandioca e caldo de cana ou açúcar. Embora consumam principalmente alimentos cultivados nas roças, alguns produtos não tradicionais fazem parte da dieta há algum tempo, como açúcar, sal, café, e são comprados na cidade cerca de uma vez por mês.
Foto: DW/N. Pontes
Mandioca, batata-doce, cará e banana
A farinha é o principal alimento nas aldeias mundurukus. Ela é fabricada artesanalmente, por quase toda a família. A mandioca, plantada na roça familiar, é triturada, ralada e depois torrada num tacho aquecido com lenha. O produto é armazenado em sacos de estopa e servido praticamente em todas as refeições. Além da mandioca, os índios cultivam principalmente batata-doce, cará e banana.
Foto: DW/N. Pontes
A ameaça
Vista aérea da hidrelétrica Teles Pires, construída no leito do rio homônimo, afluente do Tapajós, localizada na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. Pronta desde 2015, a usina tem potência instalada de 1820 MW, mas ainda está praticamente sem produzir eletricidade devido à falta de linhas de transmissão. A cor verde mais clara indica área de floresta que foi submersa.
Foto: DW/N. Pontes
Participação chinesa
Imagem aérea mostra obras de construção da hidrelétrica São Manoel, com início de operação prevista para janeiro de 2018. Com participação da indústria chinesa, empreendimento está orçado em R$ 2,2 bilhões. A usina também está localizada no rio Teles Pires, afluente do Tapajós, e terá capacidade para gerar 700 MW.
Foto: DW/N. Pontes
Perda da terra e fim da subsistência
Se construída, a hidrelétrica São Luiz do Tapajós ficará nesse trecho do rio, que tem águas verde-azuladas, corredeiras, praias, cachoeiras e igarapés. Os reservatórios poderão inundar até 7% da Terra Indígena Sawré Muybu. Para os mundurukus, o barramento do rio significa a perda de território e dos meios de subsistência, além de piorar qualidade da água e interferir na reprodução dos peixes.