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Guerra ao Hamas expõe rachas na política da UE para Israel

Rosie Birchard | Ella Joyner
8 de fevereiro de 2024

Em carta anônima, cerca de 900 funcionários públicos da UE, EUA e Reino Unido instam lideranças a repensarem medidas que favorecem Israel no conflito contra palestinos.

Funcionários da Holanda ocupam prédio do governo exigindo cessar-fogo imediato em Gaza
Funcionários da Holanda ocupam prédios do governo, exigindo cessar-fogo imediato em GazaFoto: Angelique Eijpe

A partir de um escritório em Haia, Angélique Eijpe era responsável por esboçar estratégias para o futuro da política externa da Holanda. Ao longo dos 21 anos de sua carreira de diplomata, ela foi vice-embaixadora do país em Omã e trabalhou na elaboração de políticas para o Oriente Médio.

Atualmente ela está desempregada, tendo se demitido do Ministério holandês do Exterior em janeiro, em protesto à reação do governo à guerra entre Israel e o Hamas. Antes, ela organizava manifestações semanais em edifícios governamentais de Haia, na forma de protestos sentados, em prol de um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

"Eu sou a ganha-pão da minha família. Mas eu disse ao meu parceiro: 'Realmente não posso mais participar disso, minha integridade pessoal e profissional está em jogo, aqui'", explica Eijpe.

A União Europeia e os Estados Unidos classificam Hamas como organização terrorista. Numa declaração conjunta, ambos descreveram os atentados dos radicais islâmicos palestinos de 7 de outubro de 2023 em território israelense como "o ataque mais letal contra o povo judeu desde o Holocausto".

A UE e os EUA têm se mostrado relutantes com um cessar-fogo imediato, temendo que este possa encorajar o Hamas – apesar de mais de uma dezena de Estados europeus já terem manifestado apoio à ideia. Por sua vez, outros países-membros continuam a exportar armas para Israel, inclusive a Alemanha e a Holanda, enquanto os americanos também seguem fornecendo apoio militar a Tel Aviv.

Independente disso, as duas potências apelam por maior acesso humanitário a Gaza, alertando para a gravidade da situação. Enquanto bloco, a UE vem advogando "corredores e pausas humanitárias" no enclave palestino.

"Cultura de silêncio" nos corredores da UE

Apesar de desempregada, Ejipe tem agenda cheia, pois colabora com ex-diplomatas holandeses e americanos para se conectarem com colegas descontentes do outro lado do Oceano Atlântico. Em 2 de janeiro, cerca de 800 funcionários públicos da UE, EUA e Reino Unido publicaram uma carta aberta anônima instando seus governos a uma mudança de curso, em relação aos combates na faixa controlada pelo movimento islamista.

Desde então, segundo Ejipe, subiu a quase 900 o número de signatários anônimos, originários da Alemanha, Bélgica, Finlândia, França, Reino Unido, Suécia e de instituições da União Europeia.

"Expressamos internamente nossas apreensões de que as políticas de nossos governos não servem aos nossos interesses [...] Nossas preocupações profissionais são anuladas por considerações políticas e ideológicas", acusa o documento. Já que os governos ocidentais respaldaram Israel "sem condições ou responsabilização reais", "há risco plausível de que as políticas de nossos governos estarem contribuindo para graves violações do direito humanitário internacional".

Falando à DW sob condição de anonimato, uma funcionária da UE em Bruxelas, que participou da elaboração da carta, afirmou que uma "cultura de silêncio" impera nas repartições governamentais, na qual quem se manifesta é considerado "ativista muito emocional".

Bombardeio em Rafah: funcionários da UE e EUA questionam se sofrimento palestino é proporcional a ameaça a IsraelFoto: Mohammed Talatene/dpa/picture alliance

Diante das centenas de milhares de funcionários públicos da UE e EUA, 900 nomes representam uma pequena minoria. Ainda assim, devido a seu âmbito transatlântico, a declaração é, até o momento, a mais ampla manifestação de protesto oficial contra a guerra em Gaza.

"Acho que é a ponta do iceberg", comenta Ejipe, ressalvando que os funcionários americanos estão especialmente nervosos em assinar, por disporem de garantias trabalhistas mais limitadas.

Em janeiro, o jornal online EUobserver noticiou sobre uma outra declaração, assinada por 1.500 funcionários europeus, apelando por um embargo armamentista a Tel Aviv. Em outubro, a emissora Al-Jazeera se referira a uma outra carta, em que 800 funcionários do bloco europeu afirmam que "a UE está arriscada a perder toda a credibilidade" por sua reação ao conflito.

Reações à carta transatlântica, entre negação e liberalidade

As autoridades israelenses rechaçam veementemente a afirmativa da atual carta de que "Israel não mostrou ter qualquer limite em suas operações militares em Gaza".

Em seu website, as Forças de Defesa de Israel (IDF) asseguram estar fazendo "todo possível para limitar a morte de civis" no território ocupado, e citam mensagens de texto, chamadas telefônicas e panfletos que envia aos civis de Gaza. Contudo, "o Hamas se aproveitaria desses esforços, encorajando os civis palestinos a ignorarem as advertências das IDF", afirma o órgão.

Interpelado sobre a declaração anônima, um funcionário israelense em Bruxelas comentou: "Não é fácil, num momento como esse para o nosso país, ver alguns indivíduos optando por se oporem. Eles estão tentando explorar a situação, talvez tentando arruinar nossas boas relações de trabalho com os nossos países, e minar todas as coisas que alcançamos até aqui. É pena, mas não achamos que reflita esses países, como um todo."

Ministro do Exterior de Israel, Israel Katz, exibe fotos de crianças levadas como reféns pelo Hamas no 7 de outubroFoto: Wiktor Nummelin/TT/picture alliance

As pastas europeias do Exterior parecem estar cientes do descontentamento que se manifesta numa parte de seus corredores do poder: "É simplesmente natural que o debate na sociedade sobre o conflito entre Israel e o Hamas também exista em nosso ministério. Achamos que deve haver margem para esses debates, e encorajamos o nosso pessoal a travar diálogos, internamente", declarou um porta-voz do Ministério do Exterior da Holanda.

"Ao mesmo tempo, a política do Ministério é determinada pelos nossos ministros (após se aconselharem com os funcionários), e os ministros são responsáveis perante o parlamento. Isso é um pressuposto para o trabalho de todo funcionário público."

Desunião na UE ameaça gerar mais um tigre de papel

A pasta do Exterior da Alemanha afirmou à DW que "toma nota" da carta transatlântica, enquanto a Comissão Europeia a estaria "examinando". Segundo porta-voz de Londres: "O Reino Unido quer ver o fim dos combates in Gaza tão logo possível" e continuará apelando pelo respeito às leis humanitárias internacionais e à proteção dos civis.

Sede da Comissão Europeia em Bruxelas: ninho de desunião?Foto: James Arthur Gekiere/Belga/dpa/picture alliance

Na opinião de Mihail Chihaia, analista para o Oriente Médio do European Policy Centre (EPC), iniciativas como a carta anônima podem "aumentar a pressão sobre os tomadores de decisões europeus e americanos na direção de um cessar-fogo, mas também fazer avançar os esforços por uma solução de longo prazo.

No entanto, as diferenças de opinião não se manifestam apenas a portas fechadas: os rachas existentes na União Europeia tornariam improvável uma ação conjunta, e "o bloco europeu vai, infelizmente, continuar se batendo para falar com um só voz no conflito de Gaza",avalia Chihaia.

Nas últimas semanas, a UE fez esforços para parecer menos mera observadora e mais uma mediadora para Gaza, ao reunir ministros árabes, israelenses e palestinos com o fim de discutir uma solução de dois Estados. Chihaia ressalta que esse plano inicial necessita "forte respaldo dos Estados-membros da UE, ganhar cacife regional, e medidas práticas na direção da implementação": "Senão, arrisca se tornar mais um tigre de papel."

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