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Guerra aos curdos é pano de fundo das eleições na Turquia

Jacob Resneck, de Diyarbakir (av)30 de outubro de 2015

Erdogan quer a todo custo recuperar a maioria perdida na última eleição, e oposicionistas afirmam que a ofensiva contra o PKK é parte da campanha eleitoral e visa apenas diminuir a força do partido pró-curdos HDP.

Operação antiterrorismo em Diyarbakir, sudeste da TurquiaFoto: picture-alliance/AA

O rugido dos aviões de combate F-16 pode ser ouvido na cidade de Diyarbakir quando, nas montanhas do sudeste da Turquia e norte do Iraque, a Força Aérea turca lança suas ofensivas contra os guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Veículos blindados estão nas ruas, gendarmes bem armados isolam os bairros centrais, enquanto a polícia antiterror revista os edifícios onde se suspeita que haja militantes.

Há poucos sinais de um cessar-fogo, e o "processo de paz" parece ser mero slogan vazio, à medida que se intensifica a luta urbana. Muito mudou desde as eleições parlamentares de 7 de junho, nas quais o pró-curdos Partido Democrático dos Povos (HDP) alcançou vitória histórica, impedindo o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) de formar um governo pela primeira vez desde 2002.

Os cidadãos turcos retornam às urnas em 1º de novembro para eleições gerais antecipadas. No pleito, O AKP, uma legenda conservadora muçulmana, cofundada pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, tentará recuperar suas perdas, apostando no eleitorado religioso de base e nos nacionalistas. Estes compartilham a desconfiança dos conservadores em relação aos militantes curdos, que há 31 anos travam uma insurgência no sudeste do país, pela autonomia e o direito ao uso de seu idioma.

Na segunda-feira, Erdogan instou os cidadãos da região a "voltarem as costas" ao HDP. Ele acusa o partido de ser o braço político do PKK – declarado ilegal na Turquia e listado pelo país, pela União Europeia e pelos Estados Unidos como "organização terrorista". O HDP rechaça a acusação.

Motivações controversas

Em grande parte da região sudeste cresce o abismo entre Ancara e os simpatizantes do HDP. Num misto de ira e cinismo, muitos afirmam que a ofensiva antiterrorista do governo é parte da campanha eleitoral do partido governista. Este, por sua vez, rejeitou como tática política a oferta unilateral do PKK de um cessar-fogo.

"O presidente decidiu recomeçar a guerra porque queria ajudar o AKP", afirma Osman Baydemir, deputado pelo HDP e ex-prefeito de Diyarbakir. "O que quer que tentássemos fazer não faria sentido porque eles decidiram lutar, achando que isso vai fortalecer a posição deles."

As pesquisas de opinião mostram que o apoio ao AKP continua firme, mas ainda aquém do necessário para os conservadores governarem sozinhos. Há muita coisa importante em jogo. A Turquia se vê às voltas com a guerra civil síria às suas portas e atentados sem precedente no próprio território – como as explosões em Ancara que, no início de outubro, mataram 102 pessoas numa passeata pacífica.

"Erdogan e seu governo se apresentam como combatentes das forças das trevas, tanto em casa como no exterior", comentou em artigo recente o autor Andrew Finkel. "Uma avaliação mais realista seria que o presidente está lutando para manter o controle" porque, se o AKP for forçado a compartilhar poder numa coalizão, "vai começar a ser revelado o enorme aparato executivo que ele criou, dentro de um vasto e novo palácio presidencial".

Os políticos do AKP em Diyarbakir, porém, sustentam que o governo apenas luta para manter a ordem. Jovens armados montaram barricadas nos subúrbios. Choques armados com as forças de segurança e toques de recolher generalizados se tornaram parte do dia a dia.

"Pela primeira vez desde 7 de junho, o PKK está ocupando áreas civis", diz o candidato parlamentar Galip Ensaroglu, do AKP. "Isso se tornou um problema quotidiano para as pessoas dessas áreas", pois, onde o HDP tem apoio, o PKK estaria "tornando a vida civil insustentável".

"O Estado é aqui", diz pichação possivelmente feita por forças de segurança em DiyarbakırFoto: DW/J. Resneck

Arqui-inimigos ou aliados contra Ancara?

Um exemplo gritante da tentativa de Erdogan de demonizar o PKK é sua insistência em atribuir a culpa do atentado à marcha pacífica em Ancara ao grupo militante curdo, em suposto conluio com o serviço de inteligência da Síria, combatentes curdos do Partido da União Democrática (PYD) no norte sírio e o "Estado Islâmico" (EI).

Ao fazer tal afirmativa, o presidente turco deixa de lado o fato de os combatentes curdos e o EI serem arqui-inimigos, travando uma guerra pela própria existência na Síria. No raciocínio de Erdogan, de algum modo esses dois grupos díspares colocaram de lado suas diferenças em prol de uma conspiração para assassinar ativistas da paz na capital da Turquia.

O atentado a bomba mais sangrento da história do país permanece um assunto delicado. Uma ordem de censura para o noticiário a respeito limita o que a mídia turca pode divulgar.

Em lugares como Diyarbakir, muitas pessoas simplesmente deploram o infinito círculo vicioso de violência entre o Estado turco e o PKK. O candidato oposicionista Naci Sapan, do Partido Republicano do Povo (CHP), está seguro que o governo tenta provocar o PKK para que este prossiga em sua impopular cruzada de violência.

"Se o PKK não tivesse pegado em armas, teria ficado óbvio que 'o palácio' está por trás de toda a violência", assegura Sapan, referindo-se ao estilo imperial do presidente. "Mas toda vez que eles revidam, Erdogan tem a chance de apresentá-los como agressores."

Unidades de Defesa do Povo (YPG) se aliaram às forças ocidentais contra o EI na SíriaFoto: picture-alliance/dpa/Str

Entre os curdos e o EI

Tudo indica que a luta entre as Forças Armadas turcas e os militantes curdos se alastrou pelo sudeste turco. Alarmada por os Estados Unidos e a Rússia agora apoiarem diretamente as Unidades de Defesa do Povo (YPG) na Síria, afiliadas ao PKK, Ancara intensificou a ofensiva contra os combatentes curdos no país árabe.

Em tom desafiador, nesta semana o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu declarou à emissora A Haber, simpatizante do governo, que Ancara traçou "linhas vermelhas" na guerra civil da Síria e que já está agindo de forma decisiva para impedir os curdos de se alastrarem a partir daquele país. "Nós dissemos: 'O PYD não vai chegar ao oeste do rio Eufrates. Assim que eles passarem, vamos atirar neles.' E nós atiramos duas vezes", disse o premiê turco.

Um detalhe estranho é o fato de a essa região disputada, cujo acesso os militares turcos querem negar aos combatentes curdos, estar nas mãos do EI. Trata-se da única ligação por terra entre a Turquia e o território controlado pelo grupo jihadista – ao qual Ancara nega estar prestando qualquer tipo de apoio.

No entanto, na realpolitik do AKP, a ameaça principal são os curdos, e não o EI: o HDP pró-curdo é um adversário na eleição e os combatentes ligados ao PKK são uma influência rival na Síria.

E assim, às vésperas do pleito geral, continua de ambos os lados da fronteira a guerra da Turquia contra os militantes curdos, sem que haja um fim à vista.

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