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Música

5 de abril de 2009

Em 1979, Chico Buarque lançava o disco com a trilha sonora da "Ópera do Malandro", inspirada nos alemães Bertolt Brecht e Kurt Weill.

Capa do disco 'Ópera do Malandro'

Quando os diretores de teatro Cláudio Botelho e Charles Moeller revelaram o principal motivo que os levou a encenar em 2003 a primeira montagem de Ópera do Malandro no século 21, ambos foram taxativos: "Chegamos à Ópera do Malandro pela paixão. Quem ouviu aquele famoso LP duplo lançado em 1979 ficou fissurado naquilo, nunca esqueceu", afirmavam em coro, constatando estar ali "o Chico do teatro na sua absoluta madureza".

O álbum com a trilha sonora do musical assinado por Chico Buarque está completando agora 30 anos de lançamento. O disco é considerado a melhor lembrança da recriação que o compositor e cantor carioca fez das peças A Ópera dos Três Vinténs (1928) dos alemães Bertolt Brecht e Kurt Weill, e da Ópera dos Mendigos (1728) do inglês John Gay, com música do alemão Johann Pepusch.

Muitas das canções compostas para a peça brasileira acabaram entrando no rol das obras-primas de Chico Buarque de Hollanda, como O Meu Amor, Folhetim, Geni e o Zepelim, Homenagem ao Malandro e O Malandro, a Die Moritat von Mackie Messer composta por Kurt Weill e letrada por Brecht, que Chico converteu em samba. Ou ainda Canção Desnaturada, de grande densidade trágica.

O nascimento da ideia

A possibilidade de Chico Buarque escrever sua adaptação para a peça de Brecht e Weill surgiu numa conversa com Ruy Guerra, cineasta moçambicano radicado no Brasil. No entanto, o plano só começaria a se tornar realidade anos depois, quando o diretor teatral Luiz Antônio Martinez Corrêa procurou Chico Buarque, sugerindo que os dois montassem a peça juntos. Corrêa já havia feito a tradução da ópera de John Gay, que serviu também de ponto de partida para Brecht e Weill escreverem A Ópera dos Três Vinténs.

Ensaio da 'Ópera do Malandro' no Teatro Carlos GomesFoto: cc-Andréa Farias-sa 2.0

A Ópera do Malandro estreou no Teatro Ginástico no Rio de Janeiro em agosto de 1978, e do elenco faziam parte atores de grande prestígio como Ary Fontoura, Marieta Severo, Maria Alice Vergueiro e Otávio Augusto, numa montagem que foi grande sucesso de bilheteria.

Para levar o musical aos palcos, Chico Buarque e Corrêa precisaram enfrentar inúmeros desafios, que iam da pressão dos patrocinadores da peça, que apressaram o andamento dos preparativos para a estreia, até os problemas que Chico teria com a censura.

Canções inesquecíveis

A trilha sonora do musical só seria lançada um ano após a estreia por vontade do próprio Chico, que evitou que o disco saísse antes da montagem para que as músicas não ficassem banalizadas e esvaziassem o musical. O compositor chegou a pensar em gravar o disco duplo com alguns dos atores interpretando as canções, mas a Philips (hoje Universal), sua gravadora na época, preferiu optar por cantores profissionais já conhecidos do grande público.

O resultado foi um álbum com gravações de João Nogueira, Gal Costa, Moreira da Silva, Marlene, Alcione e Francis Hime. Além deles, participaram também os grupos MPB-4, A Cor do Som, e Frenéticas, bem como as cantoras Nara Leão e Zizi Possi.

Multicromática, a musicalidade de Chico estava à flor da pele, passando por diversos gêneros musicais brasileiros e latino-americanos como choro, xaxado, bolero, samba, marcha carnavalesca, mambo, tango, e chegando até o rock e o charleston norte-americanos.

Ou seja, tudo aquilo que levou o crítico musical Tárik de Souza a perceber no autor de Apesar de Você um habilidoso criador, que não se deixa escravizar pela estética tradicionalista: "Musicalmente liberado para incursionar em todos os ritmos e gêneros, Chico tornou-se, paradoxalmente, um incendiário tropicalista".

Arturo Gouveia, professor de Literatura Brasileira e doutor em Letras pela USP, endossa a visão de Tárik em seu ensaio A Malandragem Estrutural, publicado no livro Chico Buarque do Brasil, da Editora Garamond e Edições Biblioteca Nacional: "A Ópera do Malandro irmana-se com muitas das ambições vanguardísticas da primeira metade do século 20. Embora Chico Buarque não se declare vanguardista ou não demonstre, em suas concepções, qualquer afinidade eletiva com esses movimentos de ruptura, há vínculos inegáveis que podem até escapar da consciência imediata da autoria".

Chico e os alemães

Chico: musicalidade à flor da peleFoto: picture-alliance/ dpa

Pouco antes de encarar a tarefa de adaptar as peças alemã e inglesa para a realidade carioca, Chico Buarque já havia se lançado numa bem-sucedida versão de Os Saltimbancos, original dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm, um trabalho realizado em parceria com o italiano Sérgio Bardotti e o argentino Luis Enríquez Bacalov.

A história contada na Ópera do Malandro se passa durante a Segunda Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas era presidente do Brasil. O epicentro é o bairro boêmio da Lapa. Chico optou por inserir A Ópera dos Três Vinténs na década de 1940 como estratégia para fugir da censura.

"Até Brecht tomou suas cautelas e localizou sua ópera no início do século. John Gay ainda colocou no palco o ministro da Justiça de sua época, 1728. Mas hoje isso não é possível. Fatalmente seriam identificados os policiais corruptos com os que todos conhecem. Os problemas que surgiriam não deixariam a peça ser encenada", afirmou Chico à imprensa na época do lançamento da peça.

Bertolt Brecht, o mito

Quando Chico Buarque escreveu a Ópera do Malandro, ele já vinha de experiências muito intensas com o teatro. Primeiro ao compor em 1967 (um ano após o estouro com A Banda) a trilha de Morte e Vida Severina, sobre poema de João Cabral de Mello Neto. Depois viriam Roda Viva, peça que provocou sua prisão e posterior autoexílio em Roma, Calabar, que foi proibida pelos militares, e Gota D'água (escrita com Paulo Pontes).

Nos anos 1960, Bertolt Brecht era uma das maiores referências dos principais autores e grupos teatrais brasileiros. De Augusto Boal a Oduvaldo Vianna Filho, de José Celso Martinez Corrêa a Plínio Marcos, passando por Gianfrancesco Guarnieri e muitos outros, as peças de Brecht eram sinônimo de engajamento político e de pesquisa por novas formas de dramaturgia.

Sua teoria do distanciamento crítico, baseada na ideia de que uma peça teatral não deveria transportar o espectador para um mundo fictício, e sim despertá-lo para a realidade reflexiva, inspirou grupos como o Arena, o Oficina, o Opinião e posteriormente o Ornitorrinco a criar aquele que é para muitos o melhor momento da história do teatro brasileiro.

Autor: Felipe Tadeu

Revisão: Roselaine Wandscheer